Sou ansiosa. Não estou ansiosa.

Liliane Machado Rodrigues Mazzucco
O Centro
Published in
6 min readFeb 8, 2018
Artista: Shaza Wajjokh

Quando recebi o convite para escrever para O Centro, pensei: “nossa, que incrível, que oportunidade!”. E junto, veio a primeira sensação: um misto de felicidade, euforia e… ansiedade! Bom, até então, administrável, levando em consideração o meu histórico de acompanhamento terapêutico, claro. O ápice do alvoroço foi mais intenso ao descobrir o tema: ansiedade. “Mentira?! Deve ser uma conspiração do universo, do além, de alguém, só pode!” Pensamento típico de um ansioso, obviamente.

Pois é! Carrego comigo, como dizem os estudiosos, o mal do século: a ansiedade. Há algum tempinho recebi o diagnóstico de transtorno de ansiedade generalizada, a tal TAG e, embora não curta esse trem de rotular, sim, sou ansiosa. Diferente de estar ansiosa.

É saudável ter aquele friozinho na barriga ao realizar uma entrevista de emprego, ao prestar um vestibular. É normal sentir borboletas no estômago ao aguardar o resultado de um teste de gravidez. Suor frio e tremores ao dar o primeiro beijo? Fascinante! Enfim, é sadio carregar consigo aquela resposta instintiva e natural sobre quaisquer situações novas ou desconhecidas.

Porém, quando começamos a ficar 100% conectados com todas essas sensações, aflições, tensões, inseguranças ou com medo de tudo, um medo que muitas vezes nem é real, não estamos mais lidando com a tal ansiedade do bem. Caminhamos para um estado de ansiedade constante. Aquele estado contínuo de alerta, com angústia ou preocupação excessivas, percepção distorcida de qualquer coisa. É esgotante. É o que sinto.

Mas, como não sou especialista da área da saúde, limito-me a apenas dividir minha experiências. E adivinhem? Mal havia dado início às minhas reflexões, já estava ansiosa para falar sobre ansiedade! Cômico. Mas dessa vez não fiquei a beira de uma crise, não. Apesar da doença (sim, podemos tratar como doença ou distúrbio emocional), algo que nós carregamos é a coragem para enfrentar um desafio. É irônico e contraditório, mas enfrentamos. Primeiro elaboramos planos e estratégias mirabolantes, mas repito, enfrentamos. Nada mais providencial e gratificante que, finalmente, escancarar essa torturante ansiedade para o mundo, dividir meus anseios e libertar-me. E ainda mais nesses moldes. Ai, que ansiedade!

No filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, há um trecho que notavelmente narra: “a ansiedade sobre a passagem do tempo nos faz falar sobre o tempo”. O tempo é um dos elementos que alimentam a ansiedade. Aliás, tempo, vida, morte, medo. Medo, então… Vixe! Medo disso, medo daquilo. Medo é a palavra-chave do ansioso. Se eu fizer isso, acontecerá aquilo. Se não fizer, nem quero imaginar. Um salve para os pensamentos contínuos de uma pessoa que sofre disso! É porque nós, humanos inquietos, pensamos quase 24 horas por dia — até dormindo os sonhos são um pouco, digamos, reflexivos. E a nossa imaginação? Já estaria bilionária se usassem minha imaginação para algo lucrativo. Quer um exemplo? Lá vai!

Segunda-feira. Combino com minhas amigas de sairmos no sábado para comemorar meu aniversário. Adoro comemorar aniversário, mas ao mesmo tempo tenho medo de algo ruim acontecer perto desse dia. Já me preparo psicologicamente para tal, então tudo o que ocorrer até lá será reflexo de algum aviso ou recado do além, de que, realmente, algo irá acontecer. Não necessariamente uma morte. Não sejamos tão trágicos desde já. Aproveite minhas teorias do “durante” entre segunda e sábado. Pode ser que seja produtivo, de alguma forma.

Terça-feira. Acordo com uma terrível dor de cabeça. Às vezes sofro com crises de enxaqueca, mas no dia anterior, tomei uma taça de um vinho que não me caiu bem. Eu sei de tudo isso, porém, minha ansiedade me cega e grita para ir correndo ao Google pesquisar, e pronto! Acredito que possivelmente tenho um tumor cerebral ou a qualquer momento sofrerei um AVC. Toda aquela história de taquicardia e desespero começa. Faço exercícios de respiração, consigo voltar ao normal e me acalmo. Por ora. Os pensamentos ficam ali, não dormem. É como uma nuvem negra de desenho animado: por onde vou, ela vai atrás. Resolvo tomar um remédio para a dor. Tenho horror a medicação. Sempre penso que todos os efeitos colaterais da bula se farão presentes em mim. Tenho MEDO, mas mesmo titubeando, tomo o comprimido. Seja o que Deus quiser!

Vou trabalhar, mas para isso tenho que utilizar o elevador do prédio. Mais um risco! Claro, algum acidente pode acontecer… Estatísticas? Pessoas como eu pouco se importam com estatísticas! Tudo é uma possibilidade para algo ruim e eu sempre farei parte do 1% catastrófico, lógico. Elevador superado, ok. Vou a pé! Então pense nas infinitas possibilidades e riscos iminentes do trajeto de casa até o trabalho? Deixo essa parte com a sua imaginação. Quero ver se consegue superar a mente brilhante de um ansioso…

Depois de uma semana muito tensa para mim (já que todos os dias foram iguais ao de terça), o sábado chegou. Coitadinho do sábado! Será o dia mais sofrido de todos. Tudo tem que estar perfeito, porque se algo ruim acontecer comigo, ao menos deixei tudo bonitinho para todos aproveitarem. Porque minha ansiedade também passeia por essas áreas e pensamentos. Quero que todos estejam e fiquem bem. Se vejo um amigo fazendo cara feia por causa de uma conversa aleatória, logo já penso o pior. Que a comida não está boa, que a festa está entediante. E se algum amigo se atrasa? Ah, aconteceu algum acidente, só pode. Mas foquemos no aniversário.

Eu disse que adorava comemorar esse dia, mas ironicamente, tenho medo de envelhecer, porque ficar velho implica em perder algo ao longo dos anos, significa caminhar para o desconhecido. Ainda assim, comemoro, pois igualmente compreendo que ganhei mais um ano de vida, mais histórias, mais alegrias. Notem a contradição. Cantamos o parabéns, festamos, nada de ruim aconteceu. Viu?! Deu tudo certo, Liliane! Nenhuma tragédia se alastrou pelo mundo. Não, não é bem por aí… deu tudo certo neste aniversário! Pois consegui controlar a situação. Mas e os outros? Ainda terei tantos outros para voltar a ficar ansiosa e lidar com todas as teorias absurdas desse fardo novamente. Mas, por enquanto, eu respiro. Sobrevivi! Amanhã será um novo dia para ansiar. E devo estar preparada…

Captaram? Não é fácil essa vida. Dá muito trabalho pensar, sentir medo, preparar-se para o desconhecido. É cansativo. O engraçado é que eu, apesar de ansiosa, sou espertinha: sei o que me acompanha, mas ainda estou em processo de aprender a lidar com essa pulga chamada ansiedade. Cada dia é uma etapa vencida. E não se assuste: por incrível que pareça, vivo normalmente, apesar do tenebroso exemplo acima. Com todos os anseios, amo sentir e viver. Enquanto isso, vou vencendo a luta diária contra a ansiedade. Objetivo? Destruir a tal nuvem que me persegue por onde vou. Chegarei lá.

Artista: Elliana Esquivel

E se alguém vivencia esse dilema, estamos juntos nessa! Procure ajuda. Não sinta-se constrangido em buscar tratamento. Curiosamente, é um problema comum e que pode afetar qualquer pessoa e em qualquer momento da vida. Alguns apenas não costumam compartilhar. Adianto que o começo não será nada fácil, pois já é puxado conviver diariamente com a ansiedade, imagine ter que enfrentá-la e ainda tentar destruí-la? No entanto não será um enigma, fique frio. Use a própria ansiedade a seu favor.

Lembra do filme que citei? Há outra frase que muito diz sobre tudo isso: “A vida é bela, apesar de tudo”. Então, por favor, aproveite e direcione-se em como é maravilhosa a vida, positivamente. E leve o “apesar de tudo” como experiência, e não como trauma, ok? Você também chegará lá. Estarei na torcida, ANSIOSA (não podia deixar passar)! Boa sorte!

Ah, e para não perder o costume, claro, fico na expectativa do próximo tema. Sobre o que será? Hum… Afinal, sou ansiosa. Não estou ansiosa.

PS.: a quantidade da palavra “ansiedade” encontrada no texto é proporcional ao meu estado ansioso ao escrevê-lo.

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Liliane Machado Rodrigues Mazzucco
O Centro

Turismóloga turista, agnóstica, doida por música, cinema, arte urbana, bateria, vinho, cerveja, política, Irlanda e por aí vai… 🗺 instagram.com/naoperaviajei