Contos
A Única Salvação
Duas forças opostas confrontavam-se ao noroeste do país, na extremidade do Grande Deserto Thar. De um lado, um exército sombrio e assustador que - por séculos - tinha como objetivo destruir tudo por onde passava; do outro lado, remanescia um corajoso exército que, sem esperanças, decidira ficar até o final do conflito para morrer com honra e dignidade.
Àquela altura do dia, o sol castigava fortemente os que estavam sobre o terreno árido da região. Narendra Kumar, O Grande Rei, ao olhar seu exército que não dormia direito há dias, sabia que o fim aproximava-se.
“E agora?”
Quando ficam-se dias sem dormir direito, a mente já não funciona da mesma forma. Eis que Narendra e seus homens agora só pensavam em todo o mal que havia acontecido: a perda de familiares, amigos, pessoas amadas…
De repente, o tempo parou ao redor do rei e este foi transportado a uma viagem ao seu interior. Pôde perceber que haviam coisas extremamente nojentas apegadas aos seus sete vórtices de energias e que estavam a sugar sua energia vital. Imagens perversas surgiam naquele momento que o deixaram enjoado.
Uma leve enxaqueca invadira sua fronte, passou a suar muito, até que não aguentou e começou a vomitar. Como se não bastasse, começava a sentir uma dor no peito esquerdo, como se uma faca tivesse atingido seu coração. Desta vez não conseguiu manter-se de pé e, de joelhos ao chão, olhou ao céu:
“E agora, o que eu faço? Esta guerra acabou, perdemos!”
Ao fechar os olhos, sentiu que estava sendo puxado para algum lugar - como quando a maré está forte e lhe puxa para o alto-mar. Em seguida, sentiu-se ser atirado ao chão e ao abrir os olhos, encontrava-se numa arena flutuante e escura ao seu redor.
Ao longe, percebera algo movimentando-se e, desembainhando sua espada, passou aproximar-se dela.
“Parece uma pessoa…”
Quando chegou perto o suficiente para identificar aquilo, não acreditou no que estava vendo: era sua própria imagem, porém sua sombra.
Abrindo um sorriso diabólico amarelado e amedrontador, a sombra desembainhara sua espada e, sem hesitar, começou a avançar em sua direção. Na primeira investida, Narendra conseguira defender-se do golpe. Na segunda, mais forte, perdera o equilíbrio. E na terceira, fora infringido com um pequeno e profundo corte em uma de suas bochechas - o suficiente para causar dor.
- Aaahhh!
Sangue pingava naquela arena, de solo seco e sem vida. Agora havia muito medo no coração de Narendra.
A sombra continuava a avançar e, como num último momento, disse ao rei, olhando bem em seus olhos:
- Acabou…
Naquele mesmo instante, algo nos olhos daquela sombra revelava a compreensão do que estava a acontecer - percebera que a sombra alimentava-se de todos seus medos e negatividades.
Por um breve instante, passou a ter pena dela e, em seguida, sabia qual seria seu destino.
- Suas últimas palavras, Kumar. Diga!
- Sim… Uma última coisa…
Desorientada pela expressão facial do rei, a sombra observava-o levantar-se lentamente enquanto profanava os seguintes dizeres:
- Um de nós morrerá hoje… e este alguém não serei eu: será você!
Houve uma grande batalha, mas a sombra já encontrava-se abalada e sem forças. Quanto mais ela atacava Narendra, mais força perdia. Nem mesmo sua afiada lâmina era capaz de arranhar o rei, que agora brilhava como uma chama de fogueira em dias de lua cheia.
Com um preciso golpe no pescoço, a cabeça daquela sombra rolara ao chão. A arena tremeu e toda a obscuridade passou a sumir. Naquele instante, o rei retornara novamente ao campo de batalha, ainda de joelhos. Agora sentia forças para continuar e, por um rápido instante, começou a recitar versos em sânscrito:
श्रृणु देवि प्रवक्ष्यामि कवचं सर्वसिद्धिदम्
पठित्वा पाठयित्वा च नरो मुच्येत सङ्कटात्अज्ञात्वा कवचं देवि दुर्गामन्त्रं च यो जपेत्
स नाप्नोति फलं तस्य परं च नरकं व्रजेत् (…)
Aquilo fez com que todo seu exército começasse a emanar luz e, por trás deles, surgira Durga - numa rajada de fogo - montada em seu feroz leão e portando oito diferentes artefatos em cada um de seus oito braços.
O exército obscuro agora sentia medo e, conforme o exército iluminado avançava junto à Deusa, o inimigo era reduzido à poeira. Narendra Kumar e seu exército, pela graça divina da consciência haviam vencido a sombra e agora não havia mais sofrimento.
Ao fundo, surgia o canto de um galo.
“O que? Quer dizer que…”
Aquilo tudo fora um sonho. Mas fora tão real que Narendra acordara impactado e emocionado com a situação. A verdade é que ele sempre teve medo de enfrentar suas sombras, que o deixava estagnado em diversos âmbitos de sua vida. E aquilo servira como um ensinamento divino.
A partir deste dia, Narendra (sempre antes de dormir) pede para a Força Divina que o guie nesta vida - que é apenas uma pequena parte de uma grande jornada; algo muito maior e que, possivelmente, jamais poderemos compreender se não resgatarmos nossa consciência.
Gostou do conteúdo? Comente, compartilhe, deixe suas palminhas e assine nossa Newsletter para receber conteúdos gratuitos em primeira mão :)
Abraços de Falcão,
Pablo Gauna
Escritor do blog O Chamado do Guerreiro.
O Falcão também está presente no facebook, Instagram e LinkedIn.