Contos

Cicatrizes da Liberdade

Da Dor ao Amor

Pablo Gauna
O Chamado do Guerreiro

--

“Como cheguei a este nível?”

Esta era a pergunta que pairava em minha mente naquele momento frio, tenso e solitário. A casa agora aparentava ser mais espaçosa. Não havia esperança de avistar luz à frente.

“Por que, se um dia tudo acaba?”

Prostrada na cama, minhas energias se esvaíam; ficava cada vez mais difícil de levantar-se. Haviam dias que não me penteava e banho tomava na esperança de aliviar algo que não sabia exatamente o que era.

“E se… E se…”

Era dia, mas não enxergava luz. Haviam flores… mas onde estavam seu perfume? O pulso fazia meu sangue correr, mas por que não sentia o coração?

Assim foi… Um pouco daqui, um pouco dali. Engolindo seco, ficando calada. Engano, quanto engano… Seria meu ser falando ou estaria um ego imitando?

Tudo o que eu via era a mancha, o portal obscuro do esquecimento.

Fotógrafo: Volkan Olmez

“Muito bem, Hannah… é isso mesmo. Agora você entendeu. Por que não se junta aos demais?”

Aquela voz simplesmente não parava…

“Muito bem, Hannah. Como você é sábia em perceber a verdade. Já sabe o que fazer”

Fecho os olhos, respiro… Um relance, algo além do racional dizendo-me para respirar mais profundo. Silêncio… total. Um momento de paz, seguido de mais interrupções…

Aquilo estava me incomodando. Faziam dias sem dormir bem e minhas olheiras assemelhavam-se àquelas de senhoras pomposas, as quais exageram na maquiagem para esconder suas rugas.

Até então parecia normal, havia tomado como a realidade… a verdade.

Silêncio total, novamente… E interrupção mais uma vez.

“Estou a perceber…”

Com sua aparência sádica, sorriso amarelo… Demorou para perceber, mas agora havia entendido.

Admirável obra do consagrado artista, Alex Grey.

Ainda custava levantar-me, tomar banho, comer e tudo mais. Novamente, após uns dias, deparo-me no espelho:

“Meu Deus! Esta sou eu?!”

Peguei a escova de cabelo que estava atirada ao piso, lavei ela com um medíocre pedaço de sabonete ressecado. Em seguida, comecei a escovar meus cabelos, castanhos escuro e levemente ondulados.

Meu rosto estava muito magro e, com o mesmo sabonete ressecado, pus a lava-lo.

“Quero chorar. Preciso voltar à minha cama…”

Não! Definitivamente hoje NÃO!

Abro as cortinas e janelas. O sol - que há uns bons dias não brilhava - batia em meu rosto. Sentia seus raios quentes nutrindo toda minha face, como se penetrassem em pequenos vasos, canais. Involuntariamente, fecho meus olhos.

“Este calor… brisa… Preciso sair”

Naquele momento encontrava-me sem pensamentos. Parecia que tudo era novo. Dava um pouco de medo e alívio ao mesmo tempo. Primeiro comecei com pequenas voltas, parando eventualmente no caminho- a contemplar a paisagem.

Começava a recordar como era bom simplesmente estar: sem pensamentos, apenas respirando. Sentindo cada músculo, cada pulsar desde as pontas dos pés até o ápice da cabeça. Sentindo como as emoções influenciavam o peito, o coração, a pressão dos olhos e a sensibilidade ao tato.

Na manhã seguinte, demoro um pouco para sair da cama, mas resolvo caminhar novamente.

E assim foi por dois, três, quatro dias…. duas semanas.

O hábito da caminhada havia sido criado novamente - recordara o quanto gostava de fazer aquilo. Alguns dias depois, lembrei também o quão gostava de desenhar, levando sempre papel e lápis comigo durante minhas saídas.

Agora fazem dois meses e é verão. As vezes lembro de como gostávamos daquela estação. Viajávamos todos juntos, sempre naquele período que eram as férias. Queria ter tido a chance de abraça-los mais uma vez…

Assim são nossas vidas, com suas feridas: umas mais profundas que outras, mas sempre cicatrizando-se.

Hoje caminhara mais que o habitual, pois um bosque próximo me chamou a atenção - não pude negar aquele convite. No meio do caminho, um vento forte soprou - lembrando-me de quando tinha medo das fortes tempestades quando menina. Respiro de maneira afobada, precisava sair de lá imediatamente.

“O céu escuro, não vai alcançar o tempo”

Chuva… chuva… Eu vou me molhar, ficar doente.. é perigoso… é…

Não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Aquela chuva, simplesmente era… alívio.

Que revigorante aquela água: lavando todo meu corpo, massageando-me com aquelas espessas gotas. Abria os olhos e direcionava os olhares para o alto:

Liberdade…

Ao longe, avistava um feixe de luz cortar as espessas nuvens. Apesar da saudade, apesar de tudo… agora estava curada.

Gostou do conteúdo? Comente, compartilhe, deixe suas palminhas e assine nossa Newsletter para receber conteúdos gratuitos em primeira mão :)

Abraços de Falcão,
Pablo Gauna

Escritor do blog O Chamado do Guerreiro.
O Falcão também está presente no facebook, Instagram e LinkedIn.

--

--

Pablo Gauna
O Chamado do Guerreiro

“We are a circle within a circle, without a beginning and without an end”