Contos

O Dia que encontrei a Verdadeira Pirâmide

Dentro e fora do Egito

Pablo Gauna
O Chamado do Guerreiro

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Meu Deus, de novo!

Novamente acordara assustado com aquele mesmo pesadelo:

Estou deitado em minha cama e meu quarto começa a inundar. Em seguida, surgem crocodilos aproximando-se mim. E, de repente… acordo.

Este sonho começou a surgir quando uma trágica situação ocorrera em minha vida…

Por um triz

Era uma tarde agradável de um típico verão londrino - batendo seus 23ºC. Como sempre, estava a andar apressadamente pela arborizada Birdcage Walk para mais um compromisso. Ao longe, era possível escutar o Big Ben badalar e, mesmo assim, insistia em conferir as horas no relógio de bolso.

“Vou atrasar-me para mais uma palestra”

Estava atravessando a rua, na altura do Palácio de Buckingham, quando fui atropelado por um carro. Imóvel, atirado ao chão e sem enxergar, conseguia escutar as pessoas que iam se aglomerando ao meu redor, dizendo:

“Morreu”

Não levou muito tempo para escutar também as sirenes da ambulância se aproximando, trazendo-me uma sensação de alívio.

Fotografia: Joe Kibria

Ao acordar, percebo que já não estou mais naquela cena surreal, senão num leito de hospital. Já havia escurecido, mas havia uma luz sutil ao fundo que possibilitava-me enxergar ao redor.

Analiso meu estado e concluo como deplorável. Mexo as pontas dos pés:

“Ainda tenho mobilidade. Será que ele ainda… sobe?”

Quem diria… Um homem como eu ter atravessado a rua, sem nem sequer olhar para os lados.

“Aonde estava com a cabeça?”

Sim… Sim… Eu sei aonde estava. Estava olhando as horas naqueles malditos e hipnóticos ponteiros dourados de meu relógio, pois novamente estava atrasado para mais um dos impossíveis compromissos.

Palestras aqui, palestras lá… Aulas aqui e lá… já não é o suficiente?

As Dores de abraçar o Mundo

Após realizada a incrível descoberta de mais de 40 sarcófagos intactos em Saqqara, ao sul do Cairo (Egito) e datadas do Período Antigo, ganhei notoriedade na comunidade científica.

Era apenas um Mestrando em Arqueologia na جامعة القاهرة‎ (Universidade do Cairo) quando isso aconteceu há cinco anos. Hoje sou professor PhD em Arqueologia na Universidade de Oxford, autor de diversos livros sobre Antigo Egito, além de viajar realizando diversas palestras pelo mundo.

A ansiedade de agir e as roupas sempre surradas revelavam muitas coisas ao meu respeito. Será que eu não percebia isso?

Agora estava ali, num hospital, imóvel.

- Não se preocupe - disse a jovem médica assistente - O cavalheiro será bem cuidado por nós e em breve receberá alta.

- Me chame de Lawrence. A propósito: fazia tempo que não me deparava com uma mulher tão cheirosa como a senhorita!

- Hahahah, muito obrigada! - replicou.

Ou vai ver fazia tempo que eu não prestava atenção nas coisas (essa é a verdade…)

Após algumas semanas, conseguia mover-me sozinho e o médico-chefe decidiu que era hora de iniciar as sessões de fisioterapia.

Imagine a dor que era ficar de pé e fazer aqueles exercícios diários todo o santo dia. Haviam momentos que chegava a chorar e outros que estive a xingar a fisioterapeuta (desculpe, senhorita Annie). Além disso, dormia mal, pensando que nunca mais seria o mesmo.

Era aterrorizado por diversos pesadelos durante a noite, sendo um deles o de estar olhando um certo relógio e, em seguida… você já sabe.

Fotografia: Rodion Kutsaev

Àquela altura pensava em mais nada, senão voltar a caminhar novamente. Minha carreira já não fazia mais sentido, pois tomava todo o meu tempo e não saía tanto em campo como gostava - apesar do bom dinheiro que me pagavam. Houve um momento muito forte de melancolia, misturado à crise existencial: nunca havia entrado no poço assim.

Apesar da boa vontade da equipe de enfermeiras em ajudar-me, meu pessimismo não mudava. Até mesmo Yasmin, a “médica assistente cheirosa”, que descobrira ser de família egípcia e formada em Cambridge (nada é perfeito) não conseguia mudar meu humor.

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Encarando a Verdade

Naquela noite, o sonho surgira novamente: deitado numa cama, quarto inundado e crocodilos vindo à minha direção.

“Não, desta vez não…”

Controlei-me para ver o que aconteceria se eles chegassem até a mim. Com aqueles olhos amedrontadores e dentes aterrorizantes - pronto para mastigar qualquer pedaço de carne que viesse ao seu encontro - fiquei paralisado. Um deles encostou sua mandíbula em meu corpo e repousou sobre minhas pernas.

Fotografia: Samuel Scrimshaw

O animal estava sereno e, sem perceber, havia sido transformado naquele animal.

Foi um grande choque ao acordar, pois aquilo tudo simbolizava que precisava reconectar-me a algo perdido há tempos. O relógio de bolso, que fora passado do meu avô para meu pai, atirei pela janela, em direção ao Rio Tâmisa.

“Dane-se!”

Neste dia, prometi a mim mesmo que valorizaria cada momento da minha vida e deixaria de ser escravo do tempo e de compromissos que não fizessem mais sentido.

Como as únicas coisas agregadoras que poderia fazer naquele momento eram a fisioterapia e passar bons momentos com a equipe de enfermagem, decidi esquecer todo o resto.

Durante todo aquele tempo, aproveitei também para contatar antigas amizades que fizera durante a escavação em Saqqara, fazer planos para retornar à Cidade Antiga e a praticar meu árabe com Yasmin.

Fotografia: Mohammed Hassan

Nossos laços ficavam cada vez maiores e, assim que recebi alta, a primeira coisa que fiz foi convida-la para sair e pedir afastamento da Universidade por um tempo.

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O Agora e somente o Agora

Isso aconteceu há cinco anos e hoje estou novamente na magnífica Cairo, desta vez passando férias na casa de minha recém-esposa Yasmin e cuidando de meu projeto arqueológico em campo para desenvolver a ciência na região.

Demorei um tempo, mas aprendi que o tempo não existe e:

Se não estou consciente no agora, aonde eu vivo?

Há um ditado egípcio que diz:

“O Homem teme o Tempo, mas o Tempo teme as Pirâmides”

E hoje, posso afirmar que:

“O Homem que mata o tempo, encontra a Verdadeira Pirâmide”

Fotografia: Simon Berger

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Abraços de Falcão,
Pablo Gauna

Escritor do blog O Chamado do Guerreiro.
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Pablo Gauna
O Chamado do Guerreiro

“We are a circle within a circle, without a beginning and without an end”