Contos

O Teatro da Vida

E seus Três Atos

Pablo Gauna
O Chamado do Guerreiro

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Curioso Espetáculo

Uma nova Peça Dramática encontrava-se em cartaz no Teatro Principal da cidade. Como um bom apreciador das artes que sou, não poderia deixar de comparecer à estreia. Para encarar aquela fria noite, colocara meu sobretudo marrom escuro - que chegava até o meio das canelas - combinando com o chapéu de lã, que comprara em uma de minhas viagens. As luvas - com suas costuras muito bem detalhadas; cinto - com suas peças metálicas banhadas à ouro - e botas de campo. Estes três últimos itens de couro legítimo. A camisa marrom listrada e a calça bege clara estavam amarrotadas, porém imperceptíveis por conta do sobretudo.

Olho o relógio:

“Hora de partir…”

Guardo-o rapidamente no bolso da calça, viro a caneca com café num único gole e saio de casa, rumo ao Teatro. Chegando lá, deixo os acessórios e vestimenta principal no guarda-volumes. Ao cumprimentar a senhora que encontrava-se lá, percebo um leve incômodo em minha garganta:

“Deveria ter trazido o cachecol…”

Entrando no Teatro, começo a vislubrar aquele incrível lugar, com detalhes esculpidos à madeira, lembrando grandes obras do período barroco. Se você estivesse por lá, iria concordar com o que digo. É muito amplo, com várias cadeiras para sentar-se — há o andar de cima e o de baixo. Diria que o Teatro tem capacidade para 2.000 pessoas. Sento-me numa área mais vazia, a uma distância de 20 metros do palco e cinco metros acima dele:

“Perfeito!”

Fotografia: Greta A

As luzes se apagam; fica tudo escuro: silêncio total. De repente, um forte feixe de luz invade o palco, iluminando um velho senhor. Ele me parecia muito familiar, mas não recordava de onde o conhecia: também não fazia questão de lembrar de onde conhecia aquele museu. O curioso disso é que somente agora notara que haviam pessoas preenchendo os assentos à minha frente:

“Que loucura, devo ter me distraído!”

Pareciam-se mais como bonecos: estavam todos estáticos. Começara a ficar assustado, não parecia real aquilo que estava presenciando. Nisso, ouço duas vozes femininas atrás de mim chamando-me. Assim como eu, pareciam as únicas pessoas que também eram reais naquele lugar.

Estados Equivocados

Uma delas conhecia muito bem: era Tiffany, a mulher a qual havia jurado casamento há muitos anos e que, após traí-la com outra, nunca mais a vira. O que estava fazendo ali? Como era possível? Além do mais, estava tão bonita quanto outrora. Sentou-se ao meu lado e, sem questionar nada, apenas aceitei sua presença: aquela, a qual complementava a felicidade de minha existência. Em seguida, a outra mulher - a qual não conhecia - resolve sentar-se ao meu lado também. Começo a observa-la e a questionar-me sobre o que ela queria comigo. Com suas justas roupas, conseguia perceber seu corpo sensual.

“Que belos pares de seios… E, nossa… que belas coxas torneadas…”

Fotografia: Dainis Graveris

Neste momento, meu coração palpitava mais forte e minha mente havia sido invadida por pensamentos e desejos animais, assim como era de costume quando deparava-me com uma linda mulher como aquela.

Subindo lentamente minha visão por todo aquele delicioso corpo - que consumia-me de desejos e possessão - chegara até seu rosto, onde cruzamos nossos olhares e, loucamente, nos beijamos em meio ao Teatro.

Olho de relance para Tiffany e logo penso:

“Ciúmes…”

Aquele momento de prazer com aquela maravilhosa e desconhecida mulher estava sendo muito melhor. É quando resolvo pegar em suas mãos que percebo algo estranho: seus dedos… estavam se deformando, como se estivessem se degenerando. Neste momento, o holofote que iluminava o palco agora estava me iluminando: todos olhando para mim. Percebo que tudo aquilo era uma ilusão da minha mente: eu que encontrava-me inconsciente!

Agora era tarde: o mal completara sua obra e, subitamente, aquela bela e desconhecida mulher transformara-se numa terrível criatura demoníaca, sugando toda minha energia vital, assim como um vampiro suga o sangue de suas presas. Era meu fim… Com o apagar daquela luz, o escuro novamente invadira o cenário.

O Voo Eterno

Em meio àquele escuro, comecei a perceber meu corpo relaxado e estirado numa superfície maleável. Sentia minha cabeça indo, suavemente, de um lado para o outro. O som de burbulhos começava a surgir levemente ao meu redor, acompanhado de cantos de pássaros. Conforme ia recuperando a consciência, percebia que estava deitado e todo encharcado. Estava nublado e, agora com os olhos entreabertos, notava albatrozes rondando o céu: estava à beira do mar.

Descalço, somente com minha camisa e calça vestidas, acomodo-me suavamente, sentado sobre a areia molhada. Percebo que sobrevivera de um afogamento:

“Estou vivo, foi apenas uma imaginação este tempo todo…”

Nenhuma alma viva ao redor: apenas umas pegadas pela areia, a qual decido seguir. Após uma longa caminhada, refletindo sobre tudo o que imaginara naquele momento, encontro o responsável pelas pegadas, um pouco mais adiante.

Fotografia: Luís Eusébio

Aproximo-me e, espantado, descubro que a pessoa das pegadas era o senhor da Peça Teatral:

“Meu Deus!”

- Eu tentei falar com você, rapaz. Mas, infelizmente, você deixou sua vaidade controla-lo.

Naquele momento, senti-me enganado e com um enorme peso na consciência: eu, na verdade, tornara-me o protagonista daquela Peça: julgando a tudo e a todos, deixando que impulsos me controlassem… fiz com que a Peça se tornasse uma… Tragédia. Finalmente percebera as raízes que impediam-me de seguir adiante com os compromissos de minha vida, principalmente o compromisso para com meu casamento.

O arrependimento batera forte em mim e as lágrimas agora escorriam de meus olhos. Assim que elas passaram sobre meu peito, foram de encontro ao coração, que encontrava-se partido ao meio. Das lágrimas tocando-o, uma força inefável fez com que ele se regenerasse e voltasse a bater normalmente. Desta forma, um vigor e uma esperança foram retomados em meu corpo e que, há anos, haviam sido esquecidos.

- Você agora sabe o que deve fazer. Está preparado?

Sem hesitar, respondi com convicção:

- Sim!

Eis que aquele senhor sumia - como um fantasma - e, subitamente, agora encontrava-me no píer daquela praia, bem em frente ao grande pôr do sol que surgia naquele final de tarde. De longe, avistei Tiffany. Sentia as fortes batidas de meu reconstituído coração, que me fizeram correr, sem pensar, em direção à ela: enfim, nossas almas haviam se fundido através do verdadeiro amor.

Uma intensa luz cobriu nossos corpos, transformando-nos em duas belas aves. Batemos nossas asas e voamos para o horizonte, em direção ao sol, para todo e sempre, até o fim de nossas vidas…

Fotografia: Dominique Livièvre

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Abraços de Falcão,
Pablo Gauna

Escritor do blog O Chamado do Guerreiro.
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Pablo Gauna
O Chamado do Guerreiro

“We are a circle within a circle, without a beginning and without an end”