Retrocessos exigem serenidade
Estamos vivendo tempos sombrios, no entanto, não podemos deixar de discutir questões estruturais e buscar saídas racionais para os problemas das cidades da Região Metropolitana de São Paulo.
Enquanto a capital paulista vive altos e baixos, colecionando retrocessos, como a redução da prioridade aos ônibus, ameaças à infraestrutura cicloviária e aumento nas velocidades máximas das marginais, é preciso buscar serenidade para que a emoção não substitua completamente a razão, dificultando ainda mais o diálogo entre atores antagônicos, principalmente quando estes não passam de cidadãos comuns, os elos mais frágeis e mais numerosos de todo o processo político.
Infelizmente, a metrópole continua implorando por infraestrutura, o que não é, absolutamente, “mais do mesmo”, mas resultado de um processo perverso de periferização.
Corredores da EMTU, cujo papel é essencial para aumentar a racionalização e estruturalidade do transporte baseado em ônibus entre múltiplas cidades, permanecem patinando; a expansão da rede trilhos perde fôlego e; a própria capital tem seu plano de corredores ameaçado. Enquanto isso, é flagrante que falta uma melhor articulação das organizações com mais recursos para tratar dos temas, principalmente quando os problemas começam a escorrer e transbordar para além dos limites da capital paulista. Quanto tempo demorará até que o campo progressista coloque suas diferenças de lado e abrace a causa do transporte como uma questão crucial?
Não estou falando aqui de estratégias pontuais que apertam certos temas até “espaná-los” — e em momentos muito específicos, como é o caso das discussões sobre tarifa — , estou falando da necessidade de construir propostas e material em linguagem acessível para propor outra noção de cidade e outra postura para a população. É um baita desafio, pois além de precisar enfrentar a realidade de uma periferia relativamente motorizada e cada vez mais envenenada por um ideário impraticável de meritocracia, significa elevar os níveis de ponderação e pragmatismo, conhecendo e apontando os erros e os acertos de todas as esferas no que diz à mobilidade. Menos jogo de soma zero e mais sinceridade, antes que seja tarde.
É inaceitável estarmos quase na metade de 2017 e, ao que tudo indica, ainda somos o único Coletivo que pauta recorrentemente a rede da CPTM com um mínimo de profundidade, o que não é nada bom, pois como mencionado no artigo “O recado do Trem Metropolitano”, 69% dos embarques são de pessoas da capital. Até nosso surgimento, não havia ninguém no campo progressista que falasse sobre uma rede com quase 100 estações e aproximadamente 260 km, que percorre os principais eixos que levaram ao crescimento e consolidação de São Paulo. Absurdo! Será que algo assim não diz muito sobre a vitória de certos políticos? Será que algo assim não diz muito sobre o empobrecimento dos poucos debates ligados ao meio urbano, os quais parecem, cada vez, estarem sendo capturados por um antagonismo muitas vezes atolado numa completa cegueira, tanto ideológica quanto intelectual?
Nossa maior barreira até hoje é sermos compostos majoritariamente por estudantes e/ou trabalhadores pobres, que nem sempre contam com horários flexíveis e/ou ausência de familiares que precisam de cuidados e/ou atenção. O que, se por um lado dificulta nossa participação nos poucos instrumentos consultivos disponibilizados pelo poder público, por outro, com certeza nos aproxima da maior parte da população. Se é flagrante o desconforto da nossa parte, o que dizer da maioria, que nem mesmo conhece as tribunas nas quais falas dos mais diversos tipos são feitas, em alguns casos com total intenção de representá-la?
É temerário observar um crescente número de manifestações em redes sociais favorecendo a concessão à iniciativa privada da pouca infraestrutura de transporte sobre trilhos existente, vulgarmente chamada de “privatização”. Não passa de desespero, entretanto, há um vácuo e ele está sendo preenchido por mais uma noção populista perigosa de como resolver problemas graves e complexos.
O tempo é implacável e se não lutarmos por mais espaço, a noção de uma privatização milagrosa vai vencer, sendo que será muito mais difícil reverter a situação depois, afinal, o Rio de Janeiro também não possui um campo de progressistas voltados à mobilidade e ao urbano? Deve possuir, certo? Nem por isso há articulação suficiente para enfrentar crescente a decadência do transporte metroferroviário (sobretudo na periferia, atendida majoritariamente pela concessionária SuperVia) e pelo anacronismo de um sistema de ônibus deficitário e cada vez mais desfuncional. Será que não aprendemos nada com o Rio de Janeiro?
Não, não aprendemos. Aliás, a região metropolitana é prova disso. O que difere em 2017 então? Aparentemente, pelo menos pensando em quem mora (ou não mora, mas tem algum laço mais forte com a capital), o atual cenário que se resume num misto de incertezas e retrocessos, tem criado um crescente descontentamento. Se o descontentamento for bem canalizado, se houver racionalidade, se a cidade não se resumir a um punhado de regiões, se a periferia deixar de ser uma caricatura… então estaremos caminhando para consolidar uma postura mais madura.
Que os próximos anos permitam um maior diálogo. A situação atual, o repentino desconforto, o possível despertar para a complexidade e necessidade de construir uma luta mais sólida e que não pareça restrita aos bairros mais queridinhos da capital paulista, tudo isso mostra que um amadurecimento é preciso, como o título alerta, retrocessos exigem serenidade. É hora de reavaliar e reconstruir.
por Caio César