A construção do profissional do amanhã em um novo espaço-tempo do mundo

André Silva
O Construtor de Fluxos
8 min readMar 1, 2024

O mundo mudou muito e isso se tornou uma frase clichê para começar qualquer texto. Contudo, algumas coisas precisam ser declaradas para que as pessoas, sobretudo os jovens que chegam ao mundo, se preparem melhor em termos profissionais.

É estranho, contraintuitivo e contraditório dizer que, hoje, existe mais tempo no nosso dia a dia. Certo, essa frase pode ser talvez imprecisa, mas existe uma razão para trazê-la aqui. Sim, embora pareça que o tempo está cada dia mais escasso, com o passar do tempo ganhamos mais tempo (apesar que um dia isso possa chegar a um limite). As 24 horas permanecem as mesmas, mas no passado, a vida se resumia a poucas atividades e ir de um ponto a outro era realizado em lentos transportes aos quais necessariamente precisávamos recorrer para levar uma intenção à conclusão de seu objetivo. Seja o que for que você precisasse carregar consigo, fosse um objeto, fosse uma informação, fosse uma ideia de atividade, ela necessariamente dependia do percurso geográfico sob os transportes disponíveis que no passado era no máximo o cavalo, posteriormente um trem. Estamos falando, portanto, de um passado distante. É melhor visualizar extremos para chegarmos a alguma clareza.

Para ser mais breve, os meios de transporte, bem como os meios de comunicação desenvolveram-se muito. E se ontem a televisão e o rádio já promoveram o significativo avanço de possibilitar uma comunicação instantânea entre distâncias (de poucas fontes para muitos), a internet revolucionou ainda mais este processo, facultando aos públicos a transmissão e recepção da informação (muitas fontes para muitas fontes). O smartphone tem representado o ápice destas transformações consolidadas até então, mas outros desenvolvimentos vieram com a evolução dos meios de comunicação aos quais se buscássemos listar todas, correríamos o risco de esquecer muitas. Prefiro focar, para ser mais direto, em alguns exemplos que se tornaram típicos para o nosso pleno entendimento: Hoje, com a facilidade de poucos toques, evocamos um carro em praticamente qualquer lugar dos meios mais urbanos, tomamos um veículo e nos deslocamos pelo trajeto necessário, mas durante este movimento, estamos realizando tarefas em nossos celulares, fazeres e comunicação, conversas e designações. Ou se preferirmos, podemos neste percurso ler um livro, ver um filme, escutar uma palestra, estudar para uma prova, escrever um artigo, concluir nossos trabalhos e obrigações, aprender uma língua. Mesmo no banheiro muitos de nós não cessam as atividades, seja tomando banho ou sentado. Enfim, a quantidade de atividades que alocamos em um dia comum é muito maior do que o que acontecia no dia de uma pessoa do passado distante.

Isso até aqui não significa nada com que nos diferencie muito positivamente, especialmente se compararmos com a quantidade de polímatas — pessoas que dominam profundamente muitos conhecimentos e ciências diversas — que existiam naqueles tempos antigos. Mas indica que, como é óbvio dizer, os tempos não são os mesmos. Isto é, há bem pouco tempo atrás em termos de carreira e sucesso pregava-se nas faculdades que era necessário se especializar em uma área para aumentar as chances de empregabilidade. Isso é vendido até hoje aos quatro cantos e é até mesmo instrumento de política de governos. É uma perspectiva e não se pode dizer que está errada, uma vez que é o que largamente se pratica na sociedade, no mundo todo, um foco em especialização. E isso inclusive talvez é mesmo reflexo de toda uma forma de pensamento propagada nos séculos anteriores desde a mecanização do trabalho. Em suma, é reflexo inclusive do reducionismo das ciências. E mais uma vez, não está errada, mas é que não é a única forma e possibilidade que existe. Existem outras possibilidades que se mostram mais promissoras, ou mesmo em maior conformidade ao que o mundo hoje se tornou, sobretudo quando entendemos essa multiplicidade de coisas que se tornaram possíveis em um planeta hiper conectado.

O que significa na prática conseguir encaixar muito mais atividades em um dia de 24 horas do que no passado? Significa uma estranha sensação de pouco tempo disponível, significa a impressão de celeridade, uma mais intensa fugacidade dos momentos, ou da vida mesmo, facilidade de distrações, indecisões, problemas, erros, estresse, impaciência, sensação de impotência e às vezes dificuldade de aguardar uma ideia de longo prazo florescer. Enfim, o tempo é relativo e veja como vivenciamos essa relatividade do tempo. Sim, mas precisamos lidar e jogar com ela.

A expansão de criações, entre aplicativos, projetos, empresas, serviços, iniciativas, soluções, produtos, recursos e movimentos são hoje extremamente vastos e diversos e a vida é profundamente afetada por eles. Para citar um exemplo atual, a inteligência artificial vem demonstrando ser provavelmente a próxima revolução. E hoje não é irreal conjecturar que daqui a alguns anos, ou décadas, as aplicações que vemos nos smartphones serão geradas por comando de voz pelas pessoas comuns através de IA’s criadoras. Então o que hoje demanda desenvolvedores e muito investimento para desenvolver estarão ao fácil acesso de qualquer um com um dispositivo conectado que bastará dizer à IA o que deseja criar, dando vazão a um mundo gigantesco de ideias que hoje ainda ficam retesadas nas mentes de muitos, porque criar um software ou aplicação ainda demanda relativamente muita “energia”. Enfim, “pessoas já são as empresas do futuro”. Eu disse esta frase em um texto de dez anos atrás, e acho que eu estava certo nisso.

A tendência é essa mesmo. E isso não significa que o avanço e desenvolvimento represente uma ameaça definitiva aos empregos humanos como frequentemente se fantasia. A “tecnofobia” sempre acompanha as revoluções disruptivas, mas é um engano porque ninguém fica parado permanentemente e coisas acontecem, ou seja, a tempestade é uma fase e dificilmente uma ameaça vital.

Por fim, seremos reunidos por grandes corporações, que certamente se focarão no que já fazem, cuidar dos “sistemas operacionais”, em um sentido amplo e ilustrativo. Cuidar de desenvolver formas de cativar bem o interesse dos homens, e assim, explorar bem o potencial de suas ações e vontades. Há distopias que vão nesta direção. Mas o objetivo aqui não é trazer temor sobre o amanhã, pelo contrário, é dar luz a quem precisa de uma orientação no que tange à realidade peculiar que desfrutamos, à carreira nesses tempos digitais tecnológicos ou à vocação, em um sentido amplo, englobando seja lá o que for do seu desejo de fazer da vida.

Então embora se possa especializar em uma só carreira como se pregou, pode-se combinar múltiplas áreas diferentes e criar um perfil novo. A combinação de áreas atualmente é mais fácil, dada a quantidade de opções de cursos de relativamente curto tempo de formação e na modalidade EAD. A possibilidade de combinar mais de uma área, da forma como você quiser, será sempre um diferencial, porque te torna único. Para quem é mais jovem este é um ótimo conselho. E isso resolve outro problema muito comum atualmente: isso vale mesmo para casos de desistência de cursos. É super normal escolher “equivocadamente”, sobretudo pelo fato de que decidimos nosso próprio rumo estudantil com muito pouco preparo e maturidade. Embora o diploma tenha sua relevância como atestado comprovador e na desistência se perca esta vantagem importante, o conhecimento adquirido extrapola o conteúdo absorvido. Note cuidadosamente que desenvolvemos habilidades quando nos submetemos a um progressivo aprendizado de área. Então o curso que por alguma razão foi abandonado também te proporciona algum proveito.

Mais do que nunca, invista em conhecimento. Pense no que você gosta de fazer, no que te dá prazer de conhecer, estudar e se envolver e busque uma construção estratégica de perfil. Pense estrategicamente por onde começar, qual será o cerne, e dê o primeiro passo por ele, sem se preocupar muito de ter a visão clara e nítida do que você está construindo. Siga assim, mas já focado desde o princípio, na ideia de criar combinações, então isso significa que você desde o princípio estará buscando por uma resposta, que mais cedo ou mais tarde vai chegar. Por experiência própria, em determinado momento da vida você enxerga alguma oportunidade de área que causaria uma combinação interessante para você. E assim se vai.

O foco que foi pregado por muito tempo quanto a carreira era o de construir estrategicamente a sua trilha profissional, colocando o estudo em função disso. Na realidade, o contrário é mais promissor para os tempos atuais. Construir estrategicamente sua trilha de estudos e colocar a profissão em função disso. Isso promove um perfil de pessoa único, muito diferenciado e que dificilmente vai ficar sem captar oportunidades, mesmo em situações de crise, porque o conhecimento, além de não se perder, ainda expande suas perspectivas de percepção (com o perdão da redundância). Entenda que vou além do fator trabalho, apontando que uma mente “expandida” é capacitada a enxergar mais trilhas possíveis que resolvam o problema do momento em menor tempo. Este problema, no caso, pode ser a saída de um emprego e a escassez de dinheiro, por exemplo.

É importante entender que ao mesmo tempo que 24 horas hoje do seu dia te permite encaixar muito mais atividades que alguém do passado não conseguiria encaixar (em função da existência hoje de muito mais iniciativas e possibilidades, afinal, são as mesmas 24 horas) é precisamente por isso que há muito mais ofertas de oportunidades e de trabalho do que nesse mencionado passado. O mundo cresceu não só em tamanho populacional (um crescimento brutal), cresceu em quantidade de tipos de trabalho possíveis. E não estou pregando de escritor motivacional, vendendo a falácia de que “fica sem emprego quem quer”. Isso não quer dizer que o desemprego não seja uma realidade comum, frequente, ao qual qualquer um está passível de enfrentar, e não raro por razões injustas. O ponto é que é possível buscar por aquilo que vai efetivamente promover sua felicidade, ainda que inicialmente seja necessário algum sacrifício de caminhar por fontes indigestas. A visão de futuro é tudo! Uma construção mental bem realizada e o combustível da paciência construtiva é tudo o que você precisa para alcançar o exato tipo de trabalho que você deseja exercer, aquele que você nem sentirá trabalhar.

Mesmo que você passe por fases de crises, estágios de perdas, momentos de queda, essa construção deve ser pensada não como um adereço anexo na sua vida, mas como a construção consciente de um sujeito que é muito mais do que isso. Alguém que respeita seus ciclos e não foge ou se esconde do que vive, mas programa trajeto que irá passar a partir da determinação do ponto no horizonte que declarou que vai alcançar. Por fim, é a construção de uma pessoa com um projeto estratégico de jornada existencial, mais do que um profissional, mas uma força inteligente atuante, autêntica e certamente transformadora.

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André Silva
O Construtor de Fluxos

Pensador, investigador e “filosofista”. Pesquisa a ciência, a consciência, o espírito, linguagem, cultura, redes, etc. Mestre em C.I. Instagram: @andrefonsis