A Escravidão das Eleições irá acabar!

André Silva
O Construtor de Fluxos
9 min readSep 30, 2022

Em 1947, na Inglaterra, na chamada Câmara dos Comuns, Winston Churchill proferiu a célebre frase: “A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais.” Esta frase entrou para a história e certamente registra uma verdade sobre a democracia: ela talvez esteja longe de ser uma forma perfeita de regime, mas certamente é a que melhor fomenta as liberdades para seus cidadãos.

O principal desafio para uma nação que vive a democracia é notabilizar o cidadão sobre o seu inevitável envolvimento com o regime. Isto é, cientificá-lo de que, por natureza, um regime democrático chama os seus cidadãos a se envolverem com a governança do próprio país. Pela possibilidade do voto, sim, porém, muito mais importante, por uma mobilização intrínseca a essas mesmas liberdades: pelas liberdades de expressão, ação, mobilidade. Essa noção de seu necessário envolvimento é um dos compromissos e deveres pessoais que estão tacitamente incumbidos sobre aqueles que alcançam esta consciência para com aqueles outros que, a tudo isso, ainda estão alheios. Um dever e compromisso que passam pelo real papel político individual e “arepresentável” que toca diretamente a missão da educação inerente a todo ser humano adulto efetivamente preocupado com a melhoria coletiva do mundo e da nação em que vive. O dever político pessoal individual e intransferível, portanto, toca o desejo de progresso e a noção de evolução, dever que surgiu como uma conquista primordial a partir da origem da civilização: a capacidade de, pelo raciocínio, chegar-se a uma consciência de moral.

Nesse sentido, para cada pessoa, tal desafio hoje à democracia tendo em vista o cenário atual envolve compreender e conscientizar-se dos problemas dessa forma de governo. Essa consciência e compreensão são processos que implicam em um menor ou maior amadurecimento da nação.

É preciso compreender, por exemplo, que por mais que uma maioria faça uma escolha efetiva, existirá em todo caso uma minoria que pensa diferente e cujo “pensar” também tem relevância e não deve ser desprezado em nenhuma circunstância, porque sua existência diz à respeito da sociedade em que estamos todos inseridos. Até mesmo parcelas extremistas (como aqui no Brasil as que pedem por uma volta à ditadura) não devem ser ignoradas porque elas apontam a necessidade de algum processo educativo, uma vez que surgem perguntas: por que alguém nutre simpatias por algum tipo de regime ou demanda que é em sua essência cruel, como por exemplo, os regimes que buscam o extermínio de uma cultura, de um povo ou de algum grupo social? O que pode ser feito na direção de mudar, transformar ou coibir aquilo que for intolerável? Enfim, olhar e não ignorar estes pontos permitem entender como lidar com estes problemas ao invés de simplesmente fingir que eles não existem.

No que tange ainda a democracia, é preciso lembrar que ditaduras também se disfarçam de democracias. A Coreia do Norte, ou “República Popular Democrática da Coreia”, passa por eleições em que, na última, seu líder venceu com 100% dos votos (só para citar um exemplo externo). E as ameaças à formação e consolidação de uma democracia provém tanto das ditas Esquerdas, quanto Direitas, que frequentemente ludibriam boa parte do povo com o populismo, como aqui no Brasil vemos o populismo claro em ascensão atualmente nas figuras de Lula e Bolsonaro. Muitas pessoas acabam não resistindo à tentação de se apegar às personalidades, caindo em um perigoso fanatismo.

Quanto às eleições, chega a ser cruel atribuir culpa e o “peso dos erros” de uma escolha resumida em tão poucas opções — que tem tantas variáveis complexas por trás que impactam em cada pessoa de uma forma particular com resultado diferente de escolha para cada um — a uma parcela da população que vote diferente de você. Sobretudo porque eleição no Brasil há muito tempo tornou-se uma carreira muito promissora que remunera extremamente bem financeiramente e em termos de poder e influência. Então é muito difícil a estrutura política trazer em seu bojo pessoas efetivamente despreocupadas de seus próprios interesses pessoais. Todos os candidatos serão sempre previamente lançados conforme a postura social. Não haverá “salvadores” que não preparem previamente discurso que atenda ou responda da melhor forma os anseios de partes da população, no campo das palavras. É o papel da assessoria de Marketing, neste intuito de atingir o objetivo, satisfazer as expectativas provendo candidatos que nos cativem naquilo que estamos ansiosos e preocupados. Quem não se conscientiza disso continua encantando-se por personagens, discursos e movidos por narrativas.

Enfim, é necessário compreender e aceitar que a história, o contexto pessoal e vivência para cada pessoa apontará um caminho diferente para ela, que não é menos certo, nem mais errado, quando há a boa intenção do eleitor. É só diferente. Trata-se de um sistema complexo de inúmeras variáveis que são percebidas por cada sujeito conforme a vida que cada um vive. Em determinados campos e não em outros uma coisa poderá parecer muito grave e negativa para alguém. Já para outra pessoa esse mesmo aspecto será visto exatamente como o contrário, como algo totalmente desejável e positivo. E tudo isso quando se traduz em voto resume-se em geral em duas ou três opções ou vias principais de escolha.

Mas…

Todo brasileiro deveria ir votar minimamente sendo “o maior crítico do mundo” daquele candidato que ele mesmo escolheu votar e não o defender com lealdade. Se você vota tendo não menos do que espírito de crítica máxima e intensa sobre quem você vota, já tem algo errado aí. No Brasil comumente se escolhe sobre o menos pior, isto é um fato. No entanto, frequentemente, muita gente transforma o menos pior no melhor do mundo. Então, ainda não é hora de nutrir qualquer simpatia por político nenhum. E se ele for honesto mesmo, ele vai entender, vai desejar e admirar isso.

O que estamos vendo são pessoas leais e fiéis a seus candidatos, porque querem acreditar em transformação pela política representativa, quando não em novos profetas do povo, salvadores, sendo que nenhum político honesto precisaria de lealdade nem da fidelidade de ninguém. Um político honesto saberia muito bem que só a ele cabe exercer seu exemplo de conduta, assim como grandes líderes que passaram pelo Brasil (ou pelo lugar que seja) não contaram com lealdade nem fidelidade do povo, tão pouco exigiram ou se quer pediram isso. Essas personalidades vieram e fizeram o que tinham de fazer por própria decisão. Quem é incumbido de um trabalho e o aceita com disposição honesta, se põe a fazer, sendo difícil ou não o desafio. E é assim com todo aquele que surge na Terra a cumprir algum propósito semelhante, não só na política.

Qualquer político que você decida escolher não merece menos do que a sua mais intensa crítica, ainda mesmo que você não possua nenhum ponto de crítica em mente no momento, ainda que você, pelo contrário, só veja nele coisas boas. É porque esse posicionamento diz muito mais respeito ao clima cultural que vem sendo alimentado do que ao resultado efetivo que teremos em si pós-eleições, que pode ser qualquer um.

O clima por aqui tende já há muitos anos a uma extrema polarização que colapsa a coesão social. Coesão que é extremamente importante para que um povo não seja dividido e “dominado”, como vem sendo profundamente dominado por sua classe política, internamente, pelas entranhas do Brasil— basta vermos o estado do país em termos de suscetibilidade à corrupção. Esse clima é produzido quando o culpado é o outro. Estar em crítica sobre aquele que você decidiu beneficiar ante os outros com a sua escolha te previne da tentação de se orientar pelas justificativas dele.

É necessário ter em mente que existem duas coisas: projeto de governo e programa de governo. Projeto tem início, meio e fim. Programa é contínuo. Programa de governo existe desde antes do golpe de 64 e se mantém até os dias atuais com prosperidade, dirigido em essência por grandes partidos e figuras que, não é exagero dizer, constituíram aqui um tipo de máfia. Esse jogo eleitoral não põe estes players no palanque, pelo contrário. A máquina paradoxalmente não é visível justamente por ser totalmente visível. Não está nada escondida, mas sim escancarada, mesmo porque está plenamente amparada pela lei pública, extraindo periodicamente dinheiro aos montes por vias aceitáveis (porque foram institucionalizadas e legitimadas), seja em assessorias, fundos de suporte às eleições e partidos, e outras formas residuais de extravio de dinheiro público. Enfim, por mais que o projeto de governo seja um ou outro, estes projetos não podem fugir de corresponder ao programa de governo e sua agenda, à linha e forma de ação já pré-estabelecida. É por isto que ideologia hoje só existe mesmo no campo subjetivo e não como prática. Ideologia hoje só se torna real na crença popular, que de tanta fé encontra justificativas que conseguem sua materialidade. Ideologia hoje é puramente sustentada pelos discursos, narrativas e suas brigas e discussões que são suas extensões entre o povo. Mas a prática nos dias de hoje é efetivamente diferente. Não é ideológica porquanto cumpre minimamente o jogo híbrido que precisa cumprir, ainda que esse jogo seja próprio a um governo que se diz de direita ou esquerda.

Por esta razão, para uma real mudança nesse cenário político democrático do país, importa mais o âmbito subjetivo das palavras mesmo. Ou melhor, elas implicam em um peso muito mais significativo do que propriamente a ação prática, por mais estranho que isso possa parecer. O que uma figura pública populista diz provoca uma reação avassaladora na nação porque orienta as mentalidades. E isso reflete diretamente na cultura, nos hábitos e crenças que são propagadas por anos e anos. Isso pode ser muito mais devastador do que as ações práticas de um governo. Por exemplo, um governante destruir financeiramente uma nação por uma decisão prática mal tomada pode não ser pior do que aconselhar discursivamente a que a nação se destrua financeiramente. O potencial deste último cenário é devastador. Agora pense quando o governante não só aconselha, mas exalte isso e distorça como a coisa mais certa ou boa a se fazer. Tivemos muitos exemplos reais e atuais disso (muitos espontaneamente se lembrarão).

O país hoje é dominado por mentirosos que não tem noção do peso de suas mentiras. E muitas das pessoas comuns são propagadores vorazes destas narrativas, sem se dar conta de que isso sim é contribuir ativamente como indivíduo para a destruição nacional. O maior desserviço é a lealdade individual a representantes políticos com ferocidade, fazendo dos outros comuns, inimigos. Isso degrada a coesão social e nos insere cada vez mais em um cenário de domínio interno em que se é escravo das eleições.

Se você viveu todo este tempo em função deste momento de ir às urnas sob a retórica do voto ser o maior dos poderes, você precisa se libertar! A eleição, o voto, é o menor dos poderes. A sua procuração assinada sob a promessa de alguém que você definitivamente não conhece, não deve ser mais importante do que a sua postura pessoal de não ser conivente com a divisão do país no dia a dia, pois isso é trabalhar pelo dominador. É trabalhar por quem nos destrói, por quem nos escraviza enquanto nação.

O brasileiro precisa fazer-se menos dependente da política representativa. Para isso, pode parecer contraditório, mas, tendo em vista o valor que é dado pelas pessoas às eleições, precisamos nos alienar um pouco da política representativa. Essa política que elege um intermediador, alguém a quem não se conhece e que promete exercer o poder político no seu lugar, na sua ausência sobre o seu próprio papel político individual. Alguém que precisa que você mantenha se ocupando na leal missão de o defender e o blindar daquilo que é crítico, da crítica, das promessas, dos compromissos que assumiu e principalmente das responsabilidades que ele agora tem, sobretudo com aquilo que fala. Precisa ele também que você combata o outro, culpe os discordantes, os dissidentes, os omissos de brigas, castigue os diferentes, torture os guerrilheiros militantes como você que cai e aceita essa incumbência.

Esse quadro de polarização não vai mudar enquanto o brasileiro não mudar. Então pense: ninguém fica parando o comerciante, o lixeiro, o servente, o segurança, o advogado, o motorista justificando suas faltas e o defendendo a qualquer custo, o idolatrando e bajulando por ele estar ali exercendo sua função. Não faz qualquer sentido fazer isso por um político profissional. O que precisamos urgentemente não é de intermediadores, mas de mediadores. Aqueles que sejam capazes de traduzir ou transmitir diretamente, feito pontes, o desejo de redes numerosas de pessoas, fazendo com que elas, sim, sejam os políticos. E os representantes por sua vez devem eles sim se diminuir e se fazerem cada vez mais ausentes, ou melhor, cada vez mais invisíveis, embora relevantes para cada pessoa como meio de dar voz à multidão.

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André Silva
O Construtor de Fluxos

Pensador, investigador e “filosofista”. Pesquisa a ciência, a consciência, o espírito, linguagem, cultura, redes, etc. Mestre em C.I. Instagram: @andrefonsis