A falta do verde e amarelo na Fórmula 1

Desde 2017 o Brasil não possui representantes na maior categoria de automobilismo mundial. Onde estão os atuais pilotos brasileiros e quais são as dificuldades para entrar na F1 ?

Gabriel Alberto Louzado Facchini
O Contra-Ataque
8 min readSep 28, 2021

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Doze anos atrás, essa foi a última vez que um brasileiro subiu no lugar mais alto do pódio na Fórmula 1. Para ser mais exato, 13 de setembro de 2009, em Monza. Rubens Barrichello conseguiu a sua 11º vitória na categoria, o que ninguém pensou nesse dia, foi que o famoso Tema da Vitória não fosse tocar novamente.

Rubinho comemora sua vitória no GP de Monza. Foto: Terceiro Tempo UOL

Doze anos depois, nenhum brasileiro no grid. A última vez foi em 2017, ano em que Felipe Massa se aposentou. Pietro Fittipaldi até chegou a fazer 2 corridas no final do ano de 2020 na Haas, substituindo Romain Grosjean, que sofreu um grave acidente no GP Bahrein, mas não conseguiu a vaga de piloto principal na equipe para esse ano.

Voltando um pouco no tempo, o verde e amarela na F1 tem como pioneiro Chico Landi, se aventurando na categoria entre 1951 até 1956. Mas as portas do automobilismo internacional se abriram mesmo para o Brasil com a chegada de Emerson Fittipaldi em 1970 na Lotus. Dois anos depois de sua estreia, veio o primeiro titulo mundial, na época o campeão mais novo da Fórmula 1, com 25 anos. Recorde que só foi quebrado em 2005 por Fernando Alonso.

Emerson em Brands Hatch em 1972. Foto: Getty Images

O 3º país com maior tradição na F1, ficando atrás apenas do Reino Unido e da Alemanha. E quando se fala em tradição o país conta com 101 vitórias (praticamente 10% das vitorias da categoria), 293 pódios, 123 pole-positions e 8 títulos mundiais. Nomes como Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet, Ayrton Senna, Rubens Barrichello e Felipe Massa, são marcas registradas no esporte, o resto é historia.

A dúvida que fica é: porque não possuímos mais um representante dentro das pistas ?

Antes de responder essa questão, é necessário ressaltar alguns pontos que o jornalista especializado em automobilismo, Flavio Gomes trouxe em entrevista ao Contra Ataque. Começando pela queda do interesse do público na Fórmula 1 no Brasil:

“A sequência Fittipaldi-Piquet-Senna formou uma legião grande de fãs atraídos não só pela modalidade, como pelas vitórias. Quando as vitórias cessam, parte desse público perde o interesse. Resumindo, brasileiro gosta de ver brasileiro ganhar. Não gosta tanto assim de esporte.”

Outro tópico apontado por Flávio é como o automobilismo afunilou as vagas para competidores e de que maneira isso dificulta a entrada de novos pilotos:

“Há menos vagas. Os pilotos ficam mais tempo no campeonato e por isso a renovação é mais lenta. Mas ela vem em ondas, como agora com a geração de Verstappen, Norris, Russell, Leclerc, Gasly, Albon. Pode-se dizer que o tipo de carro que a F-1 usa hoje é muito diferente dos carros das categorias menores. Por isso o processo de preparação tem de ser mais rigoroso e cuidadoso.”

Para finalizar, o jornalista fala sobre um ponto crucial nas categorias de base do país, a falta de investimentos.

“Aqui não há autódromos, não há montadoras interessadas (só pensam em vender SUVs com incríveis kits multimídia), não há categorias de base. Em um certo momento histórico, anos 70/80/90 e início dos 2000, houve, com investimentos de Volkswagen, Ford, Chevrolet, Renault. Não há mais. São decisões corporativas que afetam o esporte.”

Agora voltando a pergunta inicial. Nós temos, mais de um aliás, porém ainda estão em outras categorias ou de acesso a F1. A gama atual de pilotos brasileiros que tentam uma vaga no grid é grande e talentosa, um exemplo disso é Pietro Fittipaldi.

Pietro com seu carro para a etapa de Curitiba da Stock Car. Foto: Instagram via @pifitti

O neto de Emerson é piloto reserva da equipe americana Haas e a esperança do Brasil para correr na F1 nos próximos anos. Além de ser um dos pilotos mais versáteis dos últimos tempos, hoje o brasileiro tenta diferentes categorias, como a Stock Car, Porsche Cup, Fórmula Indy e até mesmo as 500 Milhas de Indianapolis. Na Indy 500 recebeu o prêmio de “Estreante Mais Rápido”, ao garantir um lugar na quinta fila do grid.

Outro piloto que se destaca na novo geração de pilotos é Felipe Drugovich, que atualmente corre na Fórmula 2. O paranaense foi a surpresa ano passado, com 3 vitorias, um pódio e uma pole-position, porém esse ano na primeira metade do campeonato não se saiu como o esperado.

Felipe Drugovich em seu carro da Fórmula 2. Foto: Instagram via @felipedrugovich

Felipe é outro brasileiro que tem chances de estar no paddock da F1, mas a falta de apoio financeiro e a irregularidade do piloto, até agora se mostram um obstáculo para dar um salto na categoria. Até o momento o piloto não é associado a nenhuma academia, o que poderia garantir a ele uma vaga no futuro, como a Academia da Ferrari que garante a vaga de Mick Schumacher na Haas.

Em 2017, o tetra campeão Sebastian Vettel ao ser questionado sobre a possiblidade do Brasil ficar sem pilotos no grid para o ano seguinte, respondeu que o próximo seria Gianluca Petecof.

Gianluca Petecof e Sebastian Vettel em evento Shell. Foto: Divulgação/Shell

Com somente 18 anos de idade, o paulista já levou o caneco do campeonato Brasileiro de Kart, vice da F4 Italiana e campeão da Fórmula Regional Europeia. Sem contar que o brasileiro contava com o patrocínio Shell Racing e fazia parte da academia de pilotos da Ferrari.

Ele tinha tudo o que precisava para ser o nome mais cobiçado da Fórmula 1 nos anos seguinte, mas nada disso aconteceu. Ainda quando disputava a F4 Italiana, o piloto perdeu seu principal apoio: a Shell. Para se manter na disputa, Petecof recebeu o suporte até o final da temporada de duas empresas: Americanet e Matrix Energia. Ganhou a F4, e na teoria o próximo degrau seria a F3. Entretanto, mais uma vez a falta de verba e a saída da academia de pilotos da Ferrari foram uma barreira.

No começo de fevereiro deste ano, o piloto anunciou que correria na equipe Campos. Não na Fórmula 3, e sim na Fórmula 2. O único problema é que o acordo valia apenas para o começo do ano e Gianluca teria que caçar algum patrocínio para fazer a temporada completa. Mas o tempo passou e o brasileiro não conseguiu achar nenhum suporte financeiro que o mantivesse correndo até fim, sendo o GP de Mônaco sua última corrida desde então.

Outro ponto de vista

Em entrevista concedida ao OCA, outro jornalista especializado em automobilismo, Rodrigo França, comenta sobre o porquê não termos mais brasileiros na F1.

“Eu acho que realmente é uma questão de que a própria Fórmula 1 está cada vez mais concorrida, né? Você tem só vinte vagas, e dessas vinte abrem três ou quatro vagas por ano. Com essa mudança muitas vezes entram os pilotos que já estavam correndo. Então se abre uma vaga na Mercedes, não vai entrar um cara do nada, vai entrar alguém que era da Mercedes, que estava na Williams.”

Rodrigo ainda acrescenta sobre o assunto:

“Além disso você tem pilotos que são praticamente proprietários da equipe. A família deles comprou a equipe, então são três vagas que não serão renovadas. Por isso até que eu já falei algumas vezes, eu concordo com a ideia de uma equipe ter um terceiro carro com um novato dirigindo. Ajudaria não só o Brasil, e sim outros países com jovens talentos.”

Lawrence Stroll e Lance Stroll. Foto: Lá Nacion

Lance Stroll corre pela Aston Martin, antiga Force Índia, que foi comprada por seu pai, Lawrence Stroll, um dos atuais proprietários da Aston Martin e com uma fortuna avaliada em 2.4 bilhões de dólares. Desde 2018, o ano da compra, o piloto canadense tem o seu lugar garantido no grid.

Dmitry Mazepin e Nikita Mazepin. Foto: The Sun

Nikita Mazepin é outro piloto que possui um assento garantido pelo grande investimento do pai, Dmitry Mazepin. Com uma fortuna avaliada em 1.4 bilhões de dólares e proprietário de uma das maiores produtoras mundiais de cloreto de potássio, a Uralkali, empresa estampada por toda a equipe HAAS, desde o carro até os uniformes.

França ressalta a falta de empresas nacionais na categoria como patrocinadoras, uma vez que o país já teve empresas como Petrobras e Banco do Brasil no grid.

“Bom, nesse caso eu acho que especificamente o câmbio é uma coisa surreal. Está cada vez pior, quase 7 euros para 1 real e os valores subiram muito nos últimos anos. O dinheiro do Brasil perdeu valor lá fora e também o mercado ficou muito ruim, também deve-se a isso que as empresas brasileiras não estão mais patrocinando lá fora. Interesse as empresas têm, a questão mesmo são os valores.”

O jornalista também explicou sobre a precariedade de investimentos nas categorias de base no país.

“Com certeza falta uma categoria de base, mas não adianta a gente pensar que só por ter uma Fórmula 4 aqui que está resolvido, não. Eu acho que o gargalo é principalmente lá na frente. Você pega Pietro e o Enzo Fittipaldi, o Caio Collet, o Felipe Drugovich, pilotos talentosíssimos que precisam de muito mais apoio para alcançar a Fórmula 1, porque sem isso eles não conseguem.”

No final da conversa, o entrevistado ressaltou alguns possíveis nomes que teriam chances no futuro de estarem dirigindo na Fórmula 1.

“Acredito que os que eu citei são exatamente os mais talentosos pra chegarem lá. O Pietro Fittipaldi de uma certa maneira já chegou, ele chegou sem ter que levar patrocínio, como um piloto de testes contratado e que acabou fazendo dois GPs na HAAS. Isso mostra que o talento também consegue vaga na Fórmula 1, assim como o Enzo agora na Fórmula 2. Vejo os dois muito talentosos com chances de irem à F1, mas dependem do dinheiro, assim como o Drugovich e Caio Collet. No caso do Caio, uma vantagem é que ele está ligado ao programa de pilotos da Alpini e eventualmente possa conseguir uma vaga.

O Brasil tem talento para estar na Fórmula 1, entretanto também dependerá de muito investimento financeiro.”

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