A guerra de Nagorno-Karabakh através de olhos brasileiros

Lucas Mao
O Contra-Ataque
Published in
7 min readNov 24, 2020

O conflito por território entre Armênia e Azerbaijão acontece desde 1988 e preocupa os jogadores brasileiros que atuam por lá

Foto: Melik Baghdasaryan / REUTERS

por Lucas Martins Alves de Oliveira

A Armênia já passou por diversos conflitos ao longo de sua história, porém, a maioria das pessoas não possui conhecimento sobre eles. Atualmente, o país está em guerra pelo controle de Nagorno-Karabakh, que pertence ao Azerbaijão, de maioria muçulmana, porém, os habitantes da região são de maioria cristã e de origem armênia.

Mapa da região de Nagorno-Karabakh (Fonte: Xeber100)

A população local sofre constantemente com ataques do Azerbaijão, feitos até mesmo com armas químicas, proibidas pelas ONU. Os armênios já choraram a morte de muitos durante os conflitos pelos quais passaram. Após a Primeira Guerra Mundial, 1,5 milhão de armênios foram mortos em um genocídio promovido pela Turquia, mas que não é conhecido pelo mundo Ocidental.

Armênios sendo executados por soldados turcos em 1915 (Foto: Instituto-Museu do Genocídio Armênio)

A rivalidade com os azeris teve início durante a época da União Soviética, que controlava os dois países. Os soviéticos concederam Nagorno-Karabakh, uma região com forte agricultura e abundante em petróleo, ao Azerbaijão, mesmo que a população local fosse majoritariamente armênia.

“Como já estão acostumados a esses conflitos, eles apoiam muito o exército deles. É como se fosse o Brasil em época de Copa do Mundo. Todos os carros e casas com bandeiras da Armênia.” — Bryan, lateral do Alashkert (Armênia)

Gleb Garanich/Reuters

Relação entre o Brasil e os armênios

O Brasil, historicamente, é um dos principais destinos dos armênios que saem do seu país fugidos da guerra. Diversas pessoas do meio artístico, e até do meio futebolístico, são descendentes de armênios, como o caso de Marcelo Kiremitdijan, mais conhecido como Marcelo Dijan, ex-zagueiro com passagens por Corinthians, Lyon e Cruzeiro. Enquanto jogava pelo clube paulista, Dijan recebia a atenção especial de um jovem fanático pelo Corinthians, cuja a família também vinha do país do leste europeu. Esse jovem era o repórter Emerson Tchalian, que conversou com O Contra-Ataque sobre a vinda de sua família para o Brasil e sobre a guerra em Nagorno-Karabakh.

“Meus avós maternos, Yanouf e Férida Tchalian, deixaram a Armênia por conta dos conflitos da região. Vieram direto para o porto de Santos, e, depois, para outra pequena cidade do litoral paulista, chamada Itariri. Lamento o conflito, principalmente pela perda de vida dos dois lados. A maioria da população de Nagorno-Karabakh é armênia, mas o Azerbaijão não abre mão desse pedaço de terra.”

Tchalian também destacou a falta de espaço que o conflito de Nagorno-Karabakh tem na mídia, e que, segundo o jornalista, “isso acontece porque os países possuem uma relevância histórica, mas nem tanta relevância econômica.”

O conflito começa a refletir no esporte

A guerra entre Armênia e Azerbaijão afetou os dois países em todos os setores, inclusive o esportivo. No ano passado, Henrikh Mkhitaryan, jogador armênio com mais destaque internacional, foi proibido pelas autoridades azeris de ir até Baku, capital do Azerbaijão, para jogar a final da UEFA Europa League, disputada entre Arsenal e Chelsea, pois armênios são proibidos de entrar no país. Na época, Mkhitaryan defendia o lado vermelho de Londres.

Torcedores do Arsenal com a bandeira de Artsakh, nome do país separatista da região de Nagorno-Karabakh
Liparit Dashtoyan no exército (Foto:Reprodução/FC Alashkert)

Além disso, o capitão da seleção armênia, Varadzat Hazoyan, foi convocado pelo exército do país . Hazoyan sobreviveu ao combate, porém, outro jogador convocado não teve a mesma sorte. Liparit Dashtoyán, ex-jogador do Alashkert, faleceu em combate, aos 22 anos.

É muito triste ficar sabendo de uma notícia dessas. Enquanto estamos em nossas bolhas de política, esporte e entretenimento, recehadas de lives, tweets, stories e reality shows, existe um mundo enorme lá fora e que, infelizemnte, está cheio de conflitos movidos por ganância e que ceifam diversas vidas anualmente. O único caso semelhante que chegou até o “mainstream” do futebol, foi o de Heung Min Son, atacante de Tottenham, que precisava conquistar uma medalha pela Coréia do Sul para que não precisasse parar a sua carreira por dois anos para cumprir o serviço militar obrigatório. Son conquistou a Copa da Ásia com a seleção coreana, e segue atuando pelo Tottenham.

O campeonato de futebol do país, a Armenian Premier League, teve que cancelar diversos jogos para evitar que as equipes circulassem por zonas de combate. O Contra-Ataque conversou com dois jogadores brasileiros que atuam na liga, para entender como é jogar em um país que está em guerra.

Alemão, lateral do Ararat (Foto:Ararat/Divulgação)

Guilherme Sóbis, mais conhecido como Alemão, é jogador do FC Ararat, que disputou as eliminatórias para a UEFA Europa League, mas foi eliminado pelo Estrela Vermelha. Antes de ir para a Armênia, o lateral pertencia ao União Desportiva Oliveirense, de Portugal.

“Sinto muito medo, afinal estamos no meio de uma guerra. Graças à Deus estamos a muitos quilômetros do conflito, mas nunca sabemos quando o conflito pode piorar ou melhorar. Estamos atentos. Se algo parecer piorar, voltamos logo para Portugal!”

Bryan, jogador do Alashkert (Foto:Alashkert/Divulgação)

Bryan, lateral do Alashkert, também disse estar receoso sobre o conflito no país. Na útlima janela de transferências de inverno, o lateral, com passagens por Cruzeiro, América-MG, Ponte Preta e CRB, estava acertado com um time de Portugal, mas o clube foi punido e foi impedido de contratar. Foi então que, nas últimas horas da janela, surgiu a proposta do clube armênio. O jogador conta que teve dificuldades para se adaptar ao idioma, à cultura e ao fuso horário do país, mas que os jogadores brasileiros do Alashkert o ajudaram muito. Bryan também falou sobre o “clima de guerra” em Yerevan, capital da Armênia, onde ele mora.

“Nos primeiros dias, o clima era muito tenso, as pessoas estavam muito tristes e comovidas. Em todas as esquinas tinha gente recolhendo mantimentos para mandar para os soldados. Eles (os armênios) são muito patriotas, como já estão acostumados a esses conflitos, eles apoiam muito o exército deles. É como se fosse o Brasil em época de Copa do Mundo. Todos os carros e casas com bandeiras da Armênia.”

Situação atual

Durante a produção desse texto, armênios e azeris assinaram um acordo de cessar-fogo. Entretanto, os termos acordados entre os dois países fizeram com que o Azerbaijão saísse como “vitorioso”, o que irritou profundamente a comunidade armênia, que tem protestado contra essa resolução. O Contra-Ataque conversou com Haig Apovian, presidente da sede brasileira da União Geral Armênia de Beneficência (UGAB) e torcedor do FC Ararat, sobre o suposto fim do conflito.

“Sem dúvida, o Azerbaijão saiu como o grande vencedor, o que é muito preocupante, pois o Azerbaijão iniciou o ataque, matou centenas de civis, bombardeou as cidades e ainda saiu como vencedor. A comunidade internacional ter ficado parada assistindo um país agredir uma população civil e ainda ter saído como vitorioso é um péssimo exemplo para a humanidade.”

Ruínas de um edifício bombardeado na capital de Nagorno-Karabakh, Stepanakert (Foto: Reuters/Stringer)

Apovian também apontou as medidas que, segundo ele, devem ser tomadas para que o conflito na região se encerre de vez.

“Existem duas coisas primordiais que precisam acontecer. Uma delas é a condenação da comunidade internacional de crimes contra a humanidade cometidos pelo Azerbaijão. A outra é o reconhecimento da República de Artsakh (nome do Estado formado pelos armênios de Nagorno-Karabakh) para deixar claro que lá é uma república soberana e que precisa de todos os instrumentos de proteção da comunidade internacional.”

O presidente da UGAB, conta com o apoio da mídia para a divulgação das atrocidades que ocorrem em Nagorno-Karabakh, a fim de que as pessoas do mundo inteiro se mobilizem e voltem os seus olhares para esse conflito que já ceifou várias vidas. Já que os veículos tradicionais não dão a devida atenção para a guerra entre Armênia e Azerbaijão, O Contra-Ataque, parte da mídia alternativa, trouxe essa história para você, contra-atacante.

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