A vez delas na Arena Corinthians

Pela primeira vez na história da Casa do Povo, os portões se abriram para que o público pudesse assistir um jogo de futebol feminino do Timão

guto
O Contra-Ataque
7 min readMay 5, 2018

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Estreando na Série A do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino, o Corinthians entrou em campo pela primeira vez na Arena Corinthians com seu time de futebol feminino. Pagando vinte reais na inteira ou dez reais na meia entrada, quatro mil corinthianos compareceram em Itaquera para apoiar o coringão.

Rumo ao estádio, duas corinthianas passaram um pouco do sentimento presente na tarde daquele 25 de abril. Ivonete da Silva e Lígia Silva — corinthianas fanáticas — se conheceram, há pouco mais de um ano, em um grupo de Facebook sobre futebol feminino e desde então acompanham juntas a trajetória da equipe.

“Esses grupos são muito importantes. Um fala pro outro ‘Vamos pra Arena’ e o pessoal vai junto divulgando. Pra mim, tudo que vai esse símbolo é Corinthians e nós vamos apoiar. Temos que lutar e estamos aí hoje pra torcer e cantar assim como fazemos no masculino. Corinthians é Corinthians, né?!”, disse Ivonete, moradora de São Bernardo do Campo.

A estreia

Dentro de campo, a equipe comandada por Arthur Elias, e que conta com grandes nomes como Grazi, Gabi Zanotti e Cacau, começou o jogo na pegada. Em trinta minutos foram três tentos anotados. O primeiro deles foi anotado pela capitã Grazi. Na marca dos dez minutos, depois de cruzamento de Katiuscia pela lateral direita a bola sobrou nos pés da camisa sete que não bobeou e chapou pro fundo das redes para entrar na história como a primeira mulher a anotar um gol pelo Corinthians em Itaquera.

© Alan Morici/Ag. Corinthians

“Dimensão do que aconteceu eu não tenho. Estou feliz por ter feito o primeiro gol na Arena. Mas, no contexto geral, o que vale é nossa vitória, os três pontos que dão início à caminhada no Campeonato Brasileiro, que é um título que estamos buscando já há alguns anos”, disse Grazi em entrevista ao Meu Timão na saída dos gramados.

Oito minutos depois da inauguração do placar, Adriana também deixou o dela depois de receber belo passe de Katiuscia e dar de cavadinha na saída da goleira do São Francisco. Na marca dos 28 minutos da primeira etapa, foi a vez de Millene — em ótima tabela com Adriana — ficar frente a frente com o gol para anotar o terceiro. A equipe visitante reagiu nos minutos finais. Em cobrança de falta aos 45 minutos, Dani bateu forte e Tainá espalmou para escanteio. Na cobrança, jogada ensaiada que acabou em um cruzamento na cabeça da camisa três do São Francisco.

Mais equilibrada, a segunda etapa contou com apenas um golzinho da camisa treze do Alvinegro logo aos 15 minutos. Em rebote da goleira adversária, Katiuscia deu belo toque de calcanhar para Cacau chegar para finalizar o placar na Arena Corinthians. Fim de jogo em Itaquera, Corinthians 4 x 1 São Francisco.

“Tivemos uma atuação que não foi tão boa, poderíamos ter jogado melhor. Mas estamos nos adaptando ao campo e mesmo assim fizemos um grande jogo. Fizemos quatro gols e poderíamos fazer mais. E quem veio aqui saiu com uma boa impressão. E o principal, só vai melhorar o nível do jogo quando a estrutura for melhor. Hoje vai ser um dia que vai ficar marcado pra todos que trabalham no futebol feminino”, disse o treinador Arthur Elias em coletiva de imprensa após o fim da partida.

Para Michelle Kanitz, auxiliar técnica do Corinthians, o time feminino do Timão oscilou em campo em sua primeira atuação na Arena Corinthians. Com apenas dois dias de preparação, sendo um dia de regenerativo e outro de treinamento com bola no gramado do estádio, faltou paciência para jogar e ampliar ainda mais o placar.

“Treinamos muito situações e sistemas de jogo, corrigindo algumas coisas para adaptar ao nosso estilo de jogo e estávamos comentando no vestiário, foi muito da emoção delas dentro de campo. Fazer os três gols deu uma grande aliviada mas a ansiedade de querer fazer mais e não ter tanta paciência pode ter atrapalhado um pouco no desempenho”, disse a auxiliar.

#CaleOPreconceito

Depois do fim da parceria com o Audax no início deste ano, o Corinthians planejava transformar o estádio Alfredo Schurig, a Fazendinha, na nova casa da equipe feminina. Entretanto, o estádio foi interditado devido a uma decisão da Federação Paulista de Futebol se apoiando em um laudo da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros de São Paulo que afirma não haver condições de segurança mínimas para a realização de eventos esportivos.

Sem o campo localizado no Parque São Jorge, a equipe feminina vem realizando a maioria de seus jogos no estádio do Canindé. A inauguração da modalidade na Arena acompanhou a campanha #CaleOPreconceito, que estampou frases machistas retiradas das redes sociais nas camisas das atletas. A intenção foi provocar marcas e empresas a investir na modalidade e ocupar os espaços das ofensas.

“É inestimável o tamanho desta campanha, a importância que tem e a repercussão que teve nas redes sociais. São coisas que acontecem realmente. Inclusive, estávamos lendo alguns comentários em relação a campanha e nos chateamos bastante. É um preconceito bobo. A mulher tem o direito de estar onde quiser. Escolhemos jogar futebol e estamos felizes onde estamos”, disse Grazi em coletiva de imprensa após o fim do confronto contra o São Francisco.

A inédita atuação da equipe no estádio, até então utilizado somente pela equipe masculina, é um dos muitos passos necessários para a valorização do futebol feminino por parte das diretorias dos clubes de futebol. Agora obrigados a ter time feminino próprio para participar de competições da CONMEBOL em 2019, os clubes dão início a uma caminhada na modalidade. Entretanto, para Arthur Elias e Michele Kanitz, a regra em si não é suficiente.

“A regra não vai mudar o cenário. O que vai mudar é a forma como cada clube vai trabalhar, organizar, divulgar e comercializar os campeonatos. Como a imprensa vai cobrir… Fundamentalmente, precisamos pensar nas categorias de base pra ontem. Se mais clubes terão times, precisamos ter mais atletas com boas condições de trabalho e formação. Isso é o mais importante, a organização. O investimento nas categorias de base é algo que tem que acontecer a curto prazo”, esclareceu o treinador.

A auxiliar técnica, no entanto, ressalta uma parte importante da vida esportiva: a profissionalização.

“Para ter uma base no futebol feminino vai muito além do que precisamos hoje. Temos que demonstrar bom trabalho e competência no que estamos desenvolvendo no profissional. A categoria tem que ser profissional, o que não é em muitos lugares. Então precisamos estruturar bem o departamento do futebol feminino, ter o profissionalismo realmente inserido na modalidade em todo o país para então ter a regressão às categorias de base”, disse Michele.

Em sua primeira partida profissional como árbitra, Francielly de Castro ressaltou a importância de um jogo de Série A de Campeonato Brasileiro ser realizado em um estádio do porte da Arena Corinthians e a valorização das mulheres no ambiente da arbitragem.

“É o reconhecimento de um trabalho a longo prazo, que vem de muitos anos. Estou muito feliz em representar a arbitragem feminina. Só tendo apoio e reconhecimento que o esporte feminino em geral vai crescer. A cada dia que passa cresce mais. Quando comecei não passava de dez árbitras e assistentes, hoje já somos vinte”, disse após o fim da partida.

Olho nelas

Três dias antes da partida inédita no estádio corinthiano, outro fato abalou o universo do futebol feminino. Pela sétima vez, e com 100% de aproveitamento, a seleção brasileira foi campeã da Copa América de futebol feminino com uma cobertura mínima por parte dos veículos de comunicação da imprensa brasileira. A partida do título por exemplo, contra a Colômbia, não foi transmitida por nenhum canal televisivo.

A divulgação de torneios e de jogos da modalidade ainda não atinge a grande imprensa. Responsável pela logística (desde a seleção dos estádios até a remuneração dos árbitros) e por comercializar os direitos de imagem das competições da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) de futebol feminino, a empresa de marketing esportivo Sports Promotion vem tendo dificuldades para conseguir investimentos.

“Eu bato na porta dos clientes, sento com quem decide e explico: ‘olha, eu tenho audiência, prazo e preço’. E a resposta é sempre a mesma. Que eles não querem e não gostam”, declarou o diretor comercial da Sports Promotion em entrevista ao jornal Nexo.

O alcance da modalidade é geral. O público não é exclusivo de um gênero ou outro. Os quase quatro mil pagantes que compareceram na Arena Corinthians são prova disso. Eram crianças, idosos, homens e mulheres que foram torcer pelo Corinthians. Aliás, no mesmo dia a equipe masculina estreou contra o Vitória pela Copa do Brasil, e o que seria um empecilho tornou-se mais um fator positivo para comparecer ao estádio. Após o fim da partida feminina, iniciou-se a venda de cerveja e o confronto masculino foi transmitido nos telões.

“O torcedor corinthiano em sua maioria ainda não se acostumou com o futebol feminino, ainda não abraçou como abraça o masculino. Com o tempo vai abraçar mais, comparecer mais. O Corinthians tá se dando uma força. Tá dando apoio. Divulgando, liberando o telão pro jogo contra o Vitória. O que precisa é o resto, a imprensa e a sociedade abraçar o futebol feminino”, disse Lígia.

Rumo a estação Corinthians-Itaquera, a torcedora Izabela Santos valorizou a iniciativa da diretoria corinthiana em trazer o futebol feminino para a Arena e ressaltou a importância do estádio para se estabelecer uma conexão entre o corinthiano e a modalidade.

“Faz a gente realmente acreditar que o clube que ajudar a modalidade a crescer e não está apenas reagindo à regra da Conmebol. O horário é bem complicado mas o preço é acessível, o que faz o pessoal se conectar com o futebol feminino. Acompanho o futebol feminino do Corinthians desde o ano passado e nunca tinha vindo aqui no estádio, vim para prestigiar elas”, disse Izabela.

© Alan Morici/Ag. Corinthians

Afinal, Corinthians é Corinthians.

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