As Rosas de Aço precisam sair do passado
Tradição milenar
Com toda sua ancestralidade, a China é lar da primeira prática que originou o futebol como o conhecemos hoje em dia: o Tsu’ Chu (cuju). Datado da dinastia Han (204 a.C — 220 d.C) e, portanto, com mais de 2 milênios de existência. O jogo se assimilava tanto ao futebol que a própria FIFA o reconhece como precursor do esporte mais praticado do mundo.
Entre as pessoas que o praticavam estavam homens e mulheres, que foram pouco a pouco formando os primeiros clubes e associações desportivas do país. A aristocracia imperial adorava tanto o jogo que eram realizadas partidas com grandes públicos para o divertimento da corte.
Em um processo de espetacularização, jogadores colocavam vestes luxuosas e ganhavam admiração conforme seu desempenho. Assim, pessoas começaram a se formar como jogadoras e se associar aos primeiros clubes “profissionais”, em sua grande maioria homens da elite — militares, artistas e intelectuais.
Tal qual uma típica sociedade patriarcal, a lógica local sempre distanciou as mulheres da prática recorrente, deslocando-as junto aos espectadores ou como atrizes, em exibições circenses que tinham como principal propósito agradar aos homens da tribuna.
A atividade chegou a ser praticada por prostitutas em bordéis para atrair mais clientes.
Tudo pelo espetáculo
A prática do futebol contemporâneo por mulheres só deixou de ser ilegal na China em 1970. A seleção chinesa de futebol feminino foi formada apenas em 1983.
Os números de jogadoras registradas no futebol chinês atualmente é sigiloso, assim como o orçamento das seleções masculina e feminina. Entretanto, o jornalista chinês Bi Yuan publicou no The Guardian um guia da seleção no qual afirma:
“em 2016, a Televisão Estatal Chinesa registrou que o número de jogadoras sênior registradas é menos de 600. Aplicando para todas os grupos etários, [o total] não seria mais que 1500”
Uma das razões desta carência de jogadoras no país com a maior população do mundo é a falta de referências locais dentro dos gramados (voltaremos a este ponto mais a frente). Também no feminino, a Superliga Chinesa é ponto de passagem de muitas jogadoras estrangeiras que aproveitam a fase economicamente boa do país e dos clubes para encher um pouco mais o cofrinho.
As brasileiras Debinha, Fabiana, Gabi Zanotti, Raquel, Darlene, Bruna Benites e Cristiane já atuaram na liga chinesa. Esta última, agora no São Paulo, não teve os valores de sua transferência do Paris Saint-Germain para o Changchun Zhuoyue expostos, o que pode significar que foi a jogadora mais bem paga do mundo no período de 2017/18.
Esta disposição dos clubes chineses em fazer investimentos milionários para trazer estrelas estrangeiras fragilizou tanto o desenvolvimento nacional do esporte que, no final de 2018, a Associação de Futebol da China (AFC) implementou novos regulamentos para promover de maneira mais saudável as ligas locais.
Entre as novas normas está a política de “taxa de transferência 100%”. Esta medida exige que os clubes que gastam mais de 45 milhões de yuans (moeda local) em jogadores estrangeiros destinem a mesma soma a um fundo de desenvolvimento do futebol como taxa pela transação.
Na era de ouro, a prata amarga
Fundada em 1983, a seleção chinesa precisou de três anos para superar a japonesa e sagrar-se campeã da Copa Ásia pela primeira vez. Até 1999, foram mais seis títulos consecutivos que a tornaram a maior vencedora da competição com oito títulos (o último conquistado em 2006).
Entre 1983 e 1999, foram onze títulos no total, incluindo também três conquistas consecutivas dos Jogos Asiáticos e um título inédito na Algarve Cup (voltaram a vencer este último em 2002). Foi a era dourada pela qual as chinesas ficaram conhecidas como “Rosas de Aço”.
Em 1991, elas sediaram a primeira Copa do Mundo FIFA, mas foram derrotadas pela Suécia nas quartas de final. Quatro anos depois, enfrentaram as mesmas adversárias numa situação invertida — desta vez, as suecas eram as anfitriãs — e as derrotaram nos pênaltis. Nas semifinais, perderam pelo placar mínimo para a Alemanha.
Com recorrentes títulos e outros bons desempenhos, suas duas derrotas mais amargas aconteceram nos Jogos Olímpicos de 1996 e depois no Mundial de 1999. Nas Olimpíadas, chegaram invictas na decisão depois de eliminar o Brasil por 3 a 2 nas semifinais. No Mundial, foram cinco vitórias antes de chegar à decisão.
Em ambas as competições, disputadas nos Estados Unidos, ficaram com a medalha de prata depois de enfrentarem as anfitriãs nas finalíssimas. O confronto é o que mais aconteceu na história da equipe, um total de 58 partidas (9 vitórias, 13 empates e 36 derrotas) desde 1986.
Apesar destas derrotas, o período foi positivo para a modalidade, com muitos títulos e campanhas finalistas. Entretanto, enquanto outros países estimulavam o futebol feminino, a China fez o caminho reverso.
Velhas promessas para o novo milênio
Se no começo deste texto eu escrevi que faltam referências locais para incentivar o futebol feminino na China, agora falo sobre a maior referência que o país tem no futebol: a hoje aposentada e ex-capitã da seleção Sun Wen.
A ex-camisa 9 iniciou todas as partidas que a seleção chinesa disputou em quatro Copas do Mundo (1991, 1995, 1999 e 2003) e em dois Jogos Olímpicos (1996 e 2000). No total foram 156 jogos e 106 tentos anotados pelas “Rosas de Aço”, o que lhe garantiu a condição de maior jogadora da história do país.
No Mundial de 1999 viveu seu melhor futebol. Foi premiada com a Bola de Ouro da competição como melhor jogadora e dividiu com a craque brasileira Sissi a Chuteira de Ouro pela artilharia da competição — sete gols. Em 2002, foi escolhida pela FIFA como “Jogadora do Século” junto com a estadunidense Michelle Akers.
“Eu acredito que este é o clímax de minha carreira no futebol”, disse em entrevista ao Chicago Tribune, antes da final contra os Estados Unidos no Mundial de 1999.
Sun se aposentou por uma série de lesões que teve em 2006 depois de ganhar a Copa Ásia, o último título de expressão que a China conquistou. Desde então, o país não teve nenhuma campanha significativa, além de ficar de fora do Mundial de 2011 na Alemanha e dos jogos Olímpicos de 2012, no Reino Unido.
Apesar dos resultados serem muito melhores que os da seleção masculina, o esporte perdeu audiência pela a retraída nos resultados da seleção. A grande atenção do público e dos patrocinadores é voltada para as grandes estrelas contratadas pela liga masculina.
O desafio desta seleção no Mundial não é mais do que jogar futebol e tentar classificar-se para as fases finais. Depois do francês Bruno Bibi (2015–2017) e do islandês Sigurour Ragnar Eyjolfsson (2017/18), Jia Xiuquan foi selecionado para o cargo de treinador. O ex-jogador treinava, até então, a seleção masculina Sub-20.
O elenco foi montado integralmente com jogadoras que atuam no próprio país, com apenas uma exceção: Wang Shuang.
Com 24 anos, ela joga como meio-campista no Paris Saint-Germain desde setembro de 2018. Em sua primeira temporada na Ligue 1, marcou sete vezes e deu oito assistências em 18 aparições.
Em 2017 foi eleita a “Futebolista Chinesa do Ano”, nomeação que se repetiu em 2018, desta vez junto com a de toda a Ásia.
Outra jogadora de destaque no elenco é a goleira Peng Shimeng, de apenas 19 anos.
Nas 23 partidas que disputou na temporada passada, não sofreu nenhum gol em 15 delas — números que a fizeram ser eleita melhor goleira da temporada na China.
No âmbito esportivo sempre se discutiu quão favorável é para a China ter seu bilhão de habitantes, principalmente pelo desempenho nas Olimpíadas. Mas estas jogadoras fazem parte de uma geração que representa o rejuvenescimento do futebol feminino na China e na qual depositam muita expectativa, mas pouco investimento.
A China está no grupo B com África do Sul, Espanha e Alemanha.
Acompanhe os jogos:
- Alemanha x China, sábado (08/06) às 10h00*
- África do Sul x China, quinta-feira (13/06) às 16h00
- China x Espanha, segunda-feira (17/06) às 13h00
*Horário de Brasília.