As Rosas de Aço precisam sair do passado

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O Contra-Ataque
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7 min readJun 6, 2019
Seleção Chinesa na disputa de pênaltis contra os Estados Unidos na final do Mundial de 1999 — Foto: Timothy A. Clary/AFP/Getty Images

Tradição milenar

Com toda sua ancestralidade, a China é lar da primeira prática que originou o futebol como o conhecemos hoje em dia: o Tsu’ Chu (cuju). Datado da dinastia Han (204 a.C — 220 d.C) e, portanto, com mais de 2 milênios de existência. O jogo se assimilava tanto ao futebol que a própria FIFA o reconhece como precursor do esporte mais praticado do mundo.

Entre as pessoas que o praticavam estavam homens e mulheres, que foram pouco a pouco formando os primeiros clubes e associações desportivas do país. A aristocracia imperial adorava tanto o jogo que eram realizadas partidas com grandes públicos para o divertimento da corte.

Em um processo de espetacularização, jogadores colocavam vestes luxuosas e ganhavam admiração conforme seu desempenho. Assim, pessoas começaram a se formar como jogadoras e se associar aos primeiros clubes “profissionais”, em sua grande maioria homens da elite — militares, artistas e intelectuais.

Tal qual uma típica sociedade patriarcal, a lógica local sempre distanciou as mulheres da prática recorrente, deslocando-as junto aos espectadores ou como atrizes, em exibições circenses que tinham como principal propósito agradar aos homens da tribuna.

A atividade chegou a ser praticada por prostitutas em bordéis para atrair mais clientes.

Pintura por Huang Shen

Tudo pelo espetáculo

A prática do futebol contemporâneo por mulheres só deixou de ser ilegal na China em 1970. A seleção chinesa de futebol feminino foi formada apenas em 1983.

Os números de jogadoras registradas no futebol chinês atualmente é sigiloso, assim como o orçamento das seleções masculina e feminina. Entretanto, o jornalista chinês Bi Yuan publicou no The Guardian um guia da seleção no qual afirma:

“em 2016, a Televisão Estatal Chinesa registrou que o número de jogadoras sênior registradas é menos de 600. Aplicando para todas os grupos etários, [o total] não seria mais que 1500”

Uma das razões desta carência de jogadoras no país com a maior população do mundo é a falta de referências locais dentro dos gramados (voltaremos a este ponto mais a frente). Também no feminino, a Superliga Chinesa é ponto de passagem de muitas jogadoras estrangeiras que aproveitam a fase economicamente boa do país e dos clubes para encher um pouco mais o cofrinho.

As brasileiras Debinha, Fabiana, Gabi Zanotti, Raquel, Darlene, Bruna Benites e Cristiane já atuaram na liga chinesa. Esta última, agora no São Paulo, não teve os valores de sua transferência do Paris Saint-Germain para o Changchun Zhuoyue expostos, o que pode significar que foi a jogadora mais bem paga do mundo no período de 2017/18.

Antes de ir para a China, Cristiane marcou 50 gols em 63 jogos oficiais pelo Paris Saint-Germain. Foto: Getty Images

Esta disposição dos clubes chineses em fazer investimentos milionários para trazer estrelas estrangeiras fragilizou tanto o desenvolvimento nacional do esporte que, no final de 2018, a Associação de Futebol da China (AFC) implementou novos regulamentos para promover de maneira mais saudável as ligas locais.

Entre as novas normas está a política de “taxa de transferência 100%”. Esta medida exige que os clubes que gastam mais de 45 milhões de yuans (moeda local) em jogadores estrangeiros destinem a mesma soma a um fundo de desenvolvimento do futebol como taxa pela transação.

Na era de ouro, a prata amarga

Fundada em 1983, a seleção chinesa precisou de três anos para superar a japonesa e sagrar-se campeã da Copa Ásia pela primeira vez. Até 1999, foram mais seis títulos consecutivos que a tornaram a maior vencedora da competição com oito títulos (o último conquistado em 2006).

Entre 1983 e 1999, foram onze títulos no total, incluindo também três conquistas consecutivas dos Jogos Asiáticos e um título inédito na Algarve Cup (voltaram a vencer este último em 2002). Foi a era dourada pela qual as chinesas ficaram conhecidas como “Rosas de Aço”.

Em 1991, elas sediaram a primeira Copa do Mundo FIFA, mas foram derrotadas pela Suécia nas quartas de final. Quatro anos depois, enfrentaram as mesmas adversárias numa situação invertida — desta vez, as suecas eram as anfitriãs — e as derrotaram nos pênaltis. Nas semifinais, perderam pelo placar mínimo para a Alemanha.

Com recorrentes títulos e outros bons desempenhos, suas duas derrotas mais amargas aconteceram nos Jogos Olímpicos de 1996 e depois no Mundial de 1999. Nas Olimpíadas, chegaram invictas na decisão depois de eliminar o Brasil por 3 a 2 nas semifinais. No Mundial, foram cinco vitórias antes de chegar à decisão.

Em ambas as competições, disputadas nos Estados Unidos, ficaram com a medalha de prata depois de enfrentarem as anfitriãs nas finalíssimas. O confronto é o que mais aconteceu na história da equipe, um total de 58 partidas (9 vitórias, 13 empates e 36 derrotas) desde 1986.

Apesar destas derrotas, o período foi positivo para a modalidade, com muitos títulos e campanhas finalistas. Entretanto, enquanto outros países estimulavam o futebol feminino, a China fez o caminho reverso.

No Mundial de 1999 a derrota veio nos pênaltis (5 a 4). Foto: Michael Caulfield/AP Images

Velhas promessas para o novo milênio

Se no começo deste texto eu escrevi que faltam referências locais para incentivar o futebol feminino na China, agora falo sobre a maior referência que o país tem no futebol: a hoje aposentada e ex-capitã da seleção Sun Wen.

Vídeo promocional feito pela FIFA.

A ex-camisa 9 iniciou todas as partidas que a seleção chinesa disputou em quatro Copas do Mundo (1991, 1995, 1999 e 2003) e em dois Jogos Olímpicos (1996 e 2000). No total foram 156 jogos e 106 tentos anotados pelas “Rosas de Aço”, o que lhe garantiu a condição de maior jogadora da história do país.

No Mundial de 1999 viveu seu melhor futebol. Foi premiada com a Bola de Ouro da competição como melhor jogadora e dividiu com a craque brasileira Sissi a Chuteira de Ouro pela artilharia da competição — sete gols. Em 2002, foi escolhida pela FIFA como “Jogadora do Século” junto com a estadunidense Michelle Akers.

“Eu acredito que este é o clímax de minha carreira no futebol”, disse em entrevista ao Chicago Tribune, antes da final contra os Estados Unidos no Mundial de 1999.

Sun Wen (à esquerda) é formada em literatura pela Universidade de Shangai. Foto: John Mottern/AFP/Getty Images

Sun se aposentou por uma série de lesões que teve em 2006 depois de ganhar a Copa Ásia, o último título de expressão que a China conquistou. Desde então, o país não teve nenhuma campanha significativa, além de ficar de fora do Mundial de 2011 na Alemanha e dos jogos Olímpicos de 2012, no Reino Unido.

Apesar dos resultados serem muito melhores que os da seleção masculina, o esporte perdeu audiência pela a retraída nos resultados da seleção. A grande atenção do público e dos patrocinadores é voltada para as grandes estrelas contratadas pela liga masculina.

O desafio desta seleção no Mundial não é mais do que jogar futebol e tentar classificar-se para as fases finais. Depois do francês Bruno Bibi (2015–2017) e do islandês Sigurour Ragnar Eyjolfsson (2017/18), Jia Xiuquan foi selecionado para o cargo de treinador. O ex-jogador treinava, até então, a seleção masculina Sub-20.

Wang Shuang tem 25 gols pela seleção. Foto: CFA (sigla em inglês — Associação de Futebol Chinesa)

O elenco foi montado integralmente com jogadoras que atuam no próprio país, com apenas uma exceção: Wang Shuang.

Com 24 anos, ela joga como meio-campista no Paris Saint-Germain desde setembro de 2018. Em sua primeira temporada na Ligue 1, marcou sete vezes e deu oito assistências em 18 aparições.

Em 2017 foi eleita a “Futebolista Chinesa do Ano”, nomeação que se repetiu em 2018, desta vez junto com a de toda a Ásia.

Outra jogadora de destaque no elenco é a goleira Peng Shimeng, de apenas 19 anos.

Nas 23 partidas que disputou na temporada passada, não sofreu nenhum gol em 15 delas — números que a fizeram ser eleita melhor goleira da temporada na China.

No âmbito esportivo sempre se discutiu quão favorável é para a China ter seu bilhão de habitantes, principalmente pelo desempenho nas Olimpíadas. Mas estas jogadoras fazem parte de uma geração que representa o rejuvenescimento do futebol feminino na China e na qual depositam muita expectativa, mas pouco investimento.

A China está no grupo B com África do Sul, Espanha e Alemanha.

Acompanhe os jogos:

  • Alemanha x China, sábado (08/06) às 10h00*
  • África do Sul x China, quinta-feira (13/06) às 16h00
  • China x Espanha, segunda-feira (17/06) às 13h00

*Horário de Brasília.

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