Atletas de categorias de base procuram se adaptar ao isolamento social

Novo coronavírus força mudança nas atividades de base no futebol mundial

Raphael Dafferner
O Contra-Ataque
9 min readJul 8, 2020

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Por Gabriel Soria, Raphael Teixeira e Fernando Bocardo

(Imagem: Fernando Moreno/AGIF)

A COVID-19 tem um impacto cada vez maior na sociedade e na economia brasileira, enquanto grandes potências no resto do mundo avançam no controle da disseminação do vírus e iniciam uma reabertura.

Um exemplo claro é o retorno dos jogos da Bundesliga — primeira divisão do futebol alemão — sem torcida; enquanto no Brasil, apesar de alguns campeonatos regionais já terem previsão para voltar, ainda é tudo muito incerto.

No cenário do futebol nacional, o desenvolvimento das categorias de base vem sendo cada vez mais importante — as revelações recentes como Vinícius Júnior, Antony, Pedrinho, Reinier, Rodrygo, Gabriel Jesus, são alguns exemplos de jogadores que subiram para o profissional e fizeram a diferença em seus respectivos elencos nos principais campeonatos do país.

Jogo entre Borussia Mönchengladbach e Köln de portões fechados
Estádio do Borussia Monchengladbach. (Foto: Jörg Schüler/Bongarts/Getty Images)

O futebol sofreu consequências drásticas com a pandemia do coronavírus. Assim, no Brasil e no mundo, cada clube enfrentou a quarentena à sua maneira. Para os jogadores profissionais de clubes de ponta da Europa e do Brasil, a situação foi mais fácil de ser contornada: os profissionais continuam treinando todo dia em suas casas, a maioria delas tendo um espaço adequado para tal.

De acordo com um estudo publicado pela FGV em 2019, 45% dos jogadores ganham até 1 salário mínimo, 42% entre 1 e 2 salários mínimos, 9% entre 2 e 20 salários mínimos, e apenas 4% recebem mais de 20 salários mínimos. Ou seja, considerando que um salário mínimo nessa época valia R$ 998, um jogador de alto nível do futebol brasileiro, como o Vitinho do Flamengo, recebia nessa mesma época, cerca de 1 milhão de reais por mês, o equivalente a 1002 salários mínimos. Partindo desse pressuposto, evidencia-se a diferença salarial dentro do futebol, e que nem todos os jogadores têm boas condições para enfrentar a pandemia sem ter uma queda de rendimento.

Diferentemente do caso do zagueiro do Benfica B, Morato, que apesar de jogar em um time de segunda divisão portuguesa, não enfrentou muitas dificuldades “Treino em casa, no quarto. Montei os aparelhos aqui, e dou até uma corridinha na rua”, afirmou. Mesmo não estando no time A, o ex-são paulino de apenas 19 anos se diz otimista sobre seu futuro no time:

“Talvez se não tivesse isso [pandemia do coronavírus] eu já teria a oportunidade de estar lá jogando, de já estar treinando no mesmo elenco. Mas eu sou uma pessoa que trabalha, que não liga muito para isso, então mais cedo ou mais tarde eu vou receber a oportunidade”.

Morato em sua apresentação pelo Benfica
Morato. (Foto: divulgação SL Benfica)

A jovem promessa do time português ainda elogiou o clube: “Acho que eles agiram certo, eles anteciparam tudo que ia acontecer. Foi uma postura boa”.

Outro caso no exterior foi o do meio-campista também de 19 anos do CD Celoricense, de Portugal, Thiago Chacon. Natural de São Paulo, Thiago faz parte do grupo de sonhadores em seguir carreira no mundo da bola; então ele aceitou o desafio, deixou a família e foi até o velho continente, para se juntar ao elenco do time da quarta divisão portuguesa.

O impacto da pandemia, nesse caso, foi um pouco mais forte. Segundo ele, tudo começou com o adiamento de um jogo, no dia 15 de março, e após isso houve o cancelamento de mais duas partidas, até que foi decretado o cancelamento total de atividades esportivas do clube. “O clube nos ajudou com o que podia: comida e estadia. Porém, como as atividades foram canceladas, o pagamento foi suspenso.” — relatou.

Após algumas semanas, o jovem atleta retornou ao Brasil para ficar com a família, mas confirmou que não foram todos que tiveram a mesma oportunidade — “alguns, por falta de condições, não conseguiram retornar às suas casas, então tiveram que permanecer no alojamento do clube.” — Os diretores do clube procuram manter contato para se assegurar se os atletas continuam treinando e se estão mantendo a alimentação regrada, contudo, a previsão para o retorno das atividades é apenas em agosto.

O meio campista, cujo contrato foi cancelado até que o campeonato retorne, considera ainda que a conduta do clube não é boa, principalmente pelo fato de o pagamento ter sido suspenso:

“Eu tenho condições de me virar, mas tem gente que depende disso, sabe? Mas também não culpo eles; até porque não é nível profissional, primeira divisão. Eu entendo. Então eu não falo nem que é bom nem que é ruim, pra mim é aceitável”.

O atleta sugere que, para a conduta se tornar boa, seja passado um treino simultâneo com o resto do elenco, da mesma maneira que tem sido feito na maioria dos clubes no Brasil, além de o retorno do pagamento.

Thiago Chacon (de camiseta verde em primeiro plano) em campo pelo CD Celoricense (Foto: Acervo pessoal)

Já o atacante Gabriel Vieira, de apenas 20 anos, que joga pelo sub 20 do Operário-PR seguiu na mesma linha de Morato, e elogiou bastante seu clube:

“Eles estão acompanhando bem de perto, não estão deixando nós perdermos o foco. O psicólogo manda mensagem, faz live, está sendo bom. Eles estão tendo uma conduta muito boa.”

Porém nem tudo são flores.

O destaque do clube paranaense na última copinha confessou que a incerteza sobre o futuro tem sido a maior dificuldade: “Esta quarentena acabou com todo mundo, principalmente com meu psicológico. Eu penso cada coisa que desanima, pra falar a verdade”. O atacante completou ainda dizendo que os treinamentos têm o ajudado muito nesse sentido: “Esse período está sendo só treino, treino e treino, não tem outra coisa para fazer além de treinar. Para você ocupar sua cabeça, você precisa treinar. Tem que treinar, porque com a cabeça vazia, você pensa muita coisa desnecessária”.

Gabriel disse ainda que seu contrato se encerra no começo de 2021, assunto que o angustia muito. Para ele, apesar da ótima fase que vive atualmente, existe a possibilidade de o Operário não renovar seu contrato. “Pra falar a verdade, dá medo de não renovar [o contrato], mas a gente tem que esperar para ver o que vai acontecer”, desabafou.

Gabriel Vieira em campo contra o Palmeira-RN no dia 10 de janeiro
Gabriel em ação pelo Operário-PR. (Foto: José Tramontin)

Contudo, Gabriel Vieira já tem um contrato de jogador profissional, apesar de jogar ainda pelo sub-20. Para os jogadores das categorias de base, tudo é muito preciso, uma pequena queda de rendimento e lá se vai o sonho de infância. Para esses jovens, que variam entre 7 a 20 anos, principalmente para os mais velhos, é necessário se destacar muito para se manter no clube, para subir de categoria ou até para subir para o profissional.

Lipe, atleta do Botafogo-SP. (Foto: reprodução Instagram)

Esse é o caso de Lipe, meio campista de 19 anos do Botafogo-SP, que disputa a segunda divisão do Campeonato Brasileiro. O jogador do time de Ribeirão Preto, está jogando pela categoria de base do clube faz dois anos e meio, e, como muitos de sua idade, espera uma oportunidade de realizar seu sonho de criança. Porém, o jovem jogador natural de Belo Horizonte encontra problemas na estrutura do clube, comparando-o ao Calcio Lecco, clube de pequena expressão que disputa a terceira divisão do campeonato italiano, pelo qual já teve uma breve passagem: “A estrutura do clube vem melhorando bastante, está longe do ideal, mas só vem melhorando. O Lecco tem uma estrutura bem parecida com a do Botafogo-SP”.

Por não ter um contrato profissional e por ter perdido a copinha por lesão, o meio campista do sub-20 não recebe um salário, apenas uma “ajuda de custo”, no valor de R$ 350. De acordo com ele, alguns jogadores do sub-17 não recebem nada do clube. Lipe diz ainda que o clube não tem nenhum programa de ajuda de alimentação, porém diz que recebe suporte e sempre procura conversar com os demais jogadores.

Além disso, Lipe pensa já no retorno aos gramados: “A ansiedade está grande, é meu último ano. Tenho que ir bem para conseguir um contrato profissional ou ir para outro time ano que vem. Não vejo a hora de voltar”.

Longe dos holofotes da mídia, uma outra classe de jogadores sofre com a pandemia. Giovanni Lima Soares, 17, está sem clube, porém não desistiu do sonho de ser jogador: quer tentar a sorte como estudante bolsista nos Estados Unidos. O ex-jogador da Juventus da Mooca tem um contrato assinado com a NIACC (North Iowa Area Community College) para ganhar uma bolsa de estudos enquanto estuda Business, o equivalente de Administração. Contudo, o futuro preocupa muito Giovani.

Giovanni, enquanto ainda jogava pelo Juventus. (Foto: Henrique Barreto)

Desde que o presidente Donald Trump anunciou que barraria a entrada de brasileiros em solo estadunidense, o jovem vive uma grande incerteza:

“É muito incerto. Porque só vai ser cancelado quando a liga mandar uma mensagem para os times dizendo ‘não recruta brasileiro, que eles não vão poder entrar’, e isso não aconteceu. A única certeza é a incerteza”.

O ex-moleque travesso contou ainda que essa imprecisão quanto ao seu futuro chegou a afetar seu psicológico.

Por outro lado, apesar de tudo, o jovem se diz esperançoso: “A esperança de todo mundo é que ele vá afrouxando com o tempo, liberando alguns vistos, como o de estudante e alguns de trabalho. Talvez só prorrogue, passe de agosto para janeiro, mas tem muita coisa para rolar ainda”.

O segundo voltante, além de treinar em sua casa, corre na rua e considera que a parte física é o principal para minimizar os danos da quarentena dentro das quatro linhas, “para quem joga há muito tempo, como eu, acaba recuperando rápido”, disse. Porém faz uma ressalva a parte técnica: “Atrapalha não ter mais esse contato maior com a bola, não poder fazer um lançamento, chute ao gol, essas coisas”.

Apesar de todas as dificuldades que esses jogadores encontraram, todos eles acabam tendo um certo privilégio. Não é novidade que o futebol feminino não tem a valorização que merece, não somente no Brasil, como no mundo.

Carol em quadra pelo Taboão Magnus (Foto: Yuri Gomes)

“Eu, particularmente, não vi nenhum caso que o masculino foi prejudicado mais que o feminino. O futebol feminino foi mais prejudicado em todos os clubes”

Essa foi a frase de Carol, 17, jogadora da categoria de base do Taboão Magnus (time de futsal). Apesar disso, a jogadora não se diz tão prejudicada, já que o Taboão Magnus não tem mais relação com o CATS (Clube Atlético Taboão da Serra). Ou seja, o Taboão Magnus é um time de apenas atletas mulheres, logo, não é possível elas serem prejudicadas, visto que não tem um time masculino para receber mais atenção da diretoria.

Um bom exemplo disso é o caso do Audax e do Vitória, que receberam o dinheiro do auxílio do governo mas não destinaram nada para o futebol feminino, apenas para o masculino.

Erberth Nogueira, pelo Goiás. (Foto: Reprodução Twitter)

O acompanhamento dos clubes é de vital importância para que se o desenvolvimento dos atletas de base seja o melhor possível. Eberth Nogueira, 17, atacante do Goiás Esporte Clube, relatou que a maior dificuldade tem sido a falta de jogos e de treinos, mesmo que esteja treinando, mas reforça o apoio dado pelos preparadores físicos do clube. “Todos os atletas estão tendo acompanhamento do preparador físico, através do grupo do Goiás Esporte Clube.” — disse, precedido de agradecimento especial à Felipe Barros, preparador físico da categoria sub-17 do clube.

A jovem promessa esmeraldina passa a quarentena em sua casa em Bom Jesus da Lapa, na Bahia, desde abril, e espera a situação se normalizar para voltar ao Estado goiano. O atleta, que pagou a própria passagem para sua cidade, diz que há mais jogadores na mesma situação que ele, e todos voltaram para suas casas. Porém, Eberth não soube dizer se o clube pagou a passagem de algum companheiro de equipe.

Em suma, a realidade dos jogadores das categorias de base é muito diferente da elite dos profissionais. A incerteza, a dificuldade de se manter em forma e em alto nível e o psicológico são problemas para aqueles que correm atrás deste sonho, seja por amor, ou por necessidade, como já bem dizia Ice Blue na música A Vida É Desafio, dos Racionais Mc’s: “O capitalismo me obrigou a ser bem sucedido”. Contudo, a dedicação e o esforço continuam inabaláveis e, apesar das dificuldades, o futuro reserva histórias brilhantes para aqueles que ousaram sonhar.

A reportagem procurou também um jogador do Santos e uma jogadora do Corinthians, porém os clubes não os autorizaram a dar entrevista, independentemente de qual fosse o veículo da imprensa.

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