Azul, preto e branco: a Democracia Corinthiana na bota

Gil Capelossi Reis e João Capelossi Reis

O Contra-Ataque
O Contra-Ataque
4 min readJan 28, 2019

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O futebol é mágico. Mais do que um esporte, ele é também uma micro representação do que vivemos em nossa vida. Tem a capacidade de incorporar e importar em seu universo nossas alegrias, angústias e opiniões.

O brasileiro sabe muito bem disso. Prova exemplar é o movimento iniciado no começo da década de 80, denominado Democracia Corinthiana. A iniciativa, mais do que confrontar as ações de um regime ditatorial sangrento, provou que, em meio aos dias sombrios e calados vividos na Ditadura Militar brasileira, era possível ser diferente. Era possível ser democrático. Para além de títulos, a Democracia Corinthiana, comandada por Dr. Sócrates,
mostrou mais uma vez que o futebol é uma das múltiplas representações do poder que podemos exercer como sociedade.

Para nossa surpresa, os italianos também conhecem essa história. Na sexta-feira do dia 18 de janeiro, a Arci de Reggio Calabria promoveu a apresentação do livro “La Libertà è un Colpo di Tacco” [“A liberdade é um toque de calcanhar”], um romance que revive o imaginário da Democracia Corinthiana. Escrito por Ricardo Lorenzetti, jornalista italiano nascido na Toscana e apaixonado por futebol, o livro tem como objetivo mostrar que o futebol, de fato, supera os limites das 4 linhas.

Moramos na Itália há 3 meses. Em busca da conquista do nosso sonho, o reconhecimento da cidadania italiana, nós, irmãos gêmeos, jornalistas, corinthianos e defensores da democracia em suas múltiplas facetas, nos sentimos obrigados a acompanhar de perto a apresentação desse livro, já conhecido do público italiano, que também tem o calcio como
uma de suas grandes paixões.

Podíamos estar indo para o Pacaembu: vestimos o manto alvinegro e abrimos uma cerveja. A recepção foi entusiasmante, e logo fomos reconhecidos com surpresa, afinal, não era esperada a presença de dois brasileiros num evento sediado na última cidade da Calábria, bem distante das raízes alvinegras de Itaquera.

Durante a apresentação do livro, histórias foram contadas e recordadas: a liderança de Sócrates, a raça de Biro Biro, a velocidade de Ataliba e a presença política de Wladimir, que além de tudo, era um guerreiro dentro de campo. Era difícil de acreditar que, mesmo tão longe de casa, mesmo falando outro idioma, a retórica era fundamentalmente de coisas que vivemos, ouvimos e sentimos como corinthianos. Sem dúvida, um dos momentos mais
emocionantes de nossas vidas. A importância da Democracia Corinthiana, recordada após 40 anos, também nos faz pensar no momento político vivido hoje no Brasil.

Não podíamos encerrar esse momento nostálgico sem dizer algumas palavras, em italiano, claro, sobre o que ocorre hoje em nossa casa, em nossa terra. O receio da violência instaurada pela divergência de opiniões; a preocupação ininterrupta com nossos familiares e amigos num contexto de auto-proteção com uso de armas de fogo; nossa vergonha por um Brasil que atualmente mostra uma diplomacia desrespeitosa e carregada de ideologias
ultrapassadas. Nosso desgosto por um Brasil que é cada dia mais contraditório.

Gostaria que nossas palavras, aplaudidas em um auditório com cerca de 50 pessoas, fossem capazes de cambiar a realidade que hoje é sentida por mais de 200 milhões de mulheres e homens. 200 milhões de brasileiras e brasileiros, que são responsáveis por transmitir para os Europeus, ainda hoje, uma ideia de alegria, de calorosidade e receptividade. Responsáveis pelo sorriso no rosto de um italiano quando dizemos: Eu sou brasileiro.

Não conseguimos. Não mudamos a realidade do Brasil, mas mudamos a nossa. A sexta-feira do dia 18 de janeiro de 2019 foi, sem dúvida, um dos momentos mais gratificantes de nossas vidas. Como prêmio, um livro autografado pelo autor e uma foto com os punhos cerrados. Obrigado Sócrates, obrigado Brasil e, obviamente, VAI CORINTHIANS!

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