De flanelinha a atacante do maior time do mundo

Infância complicada, romance e punição severa: conheça a história de ‘El Pistolero’

João Carlos Ambra
O Contra-Ataque
7 min readJul 28, 2020

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Luis Suárez, o garoto uruguaio que foi flanelinha para ajudar a família e hoje é atacante de um dos maiores times do mundo.

Luis Suárez já disputou três copas do mundo com a camisa da Celeste. (Foto: Andrés Cristaldo/EFE)

Hoje, Luisito atua pelo gigante catalão e é um dos melhores atacantes do mundo, mas nem todos sabem o quão conturbada foi sua trajetória.

Infância difícil

(Foto: Lance!/Arquivo pessoal)

“Era uma família muito unida. Em termos econômicos, eram muito pobres. Não tinham muito e era a mãe que trabalhava”, lembra Parodi, amigo da família.

Luis Alberto Suárez ou, como é conhecido, Luisito Suárez, nasceu na cidade de Salto, no Uruguai. Aos sete anos, se mudou com a família para a capital, Montevidéu, para estrear na equipe infantil do Urreta FC.

Desde pequeno, tinha o desejo de ajudar a resolver os problemas financeiros da família. Por isso, além de jogar futebol, chegou a trabalhar como flanelinha e gari. Como se não bastasse a dificuldade econômica, os pais de Luis se separaram quando o garoto tinha apenas nove anos, deixando a mãe com sete filhos para criar e sustentar sozinha.

Wilson Piris, seu primeiro empresário, contou como Suárez tentara ajudar a família: “Às vezes não tinha chuteiras e jogava com chuteiras emprestadas. Ia a pé para os treinos, para economizar o dinheiro e voltar com ele para casa. Essas são coisas que nem todo mundo faria com 12 anos de idade”.

A ascensão precoce o levou para base do Nacional, um dos principais times do país, ainda aos catorze anos. Porém, o gosto pela vida noturna e agitada, além da rebeldia, prejudicaram seu desempenho, como o próprio Suárez reconheceu em entrevista à ESPN Brasil em 2013.

O amor de sua vida

Luisito e Sofia se conheceram na adolescência, no Uruguai. (Foto: Reprodução/Instagram e Twitter)

Aos 15 anos, Suárez conheceu uma das pessoas mais importantes de sua vida: Sofia Balbi, dois anos mais nova, por quem o uruguaio se apaixonaria. Ela o fez repensar a forma como lidava com suas responsabilidades, abandonar as festas e se dedicar mais aos treinos.

“Mudei quase tudo quando comecei a namorar”, disse à ESPN. “A conheci na idade perfeita. Era um adolescente, mas a encontrei num momento em que precisava, porque não apenas me mostrou o caminho como me ajudou a saber quem era amigo e quem não era”.

Entretanto, em pouco tempo, o sonho se tornou pesadelo. A família de sua amada decidiu se mudar para Barcelona, na Espanha, em busca de uma vida melhor, forçando então a despedida do jovem casal.

Sem esperança de se reencontrarem, já que Suárez não teria dinheiro para visitá-la, o objetivo do atacante mudou. Luisito prometeu a si mesmo que, além de ascender financeiramente, jogaria em um time espanhol para ficar perto do amor da sua vida.

“A história de amor era, provavelmente, algo mais importante para ele do que o sonho de ter sucesso no futebol.” — Martín Lasarte, em entrevista à BBC

A terrível despedida fez com que o craque retornasse aos hábitos boêmios e deixasse o futebol em segundo plano. Até que Ricardo “Mormullo” Perdomo, técnico juvenil da equipe do Nacional à época, deu um ultimato: “Ou dá um jeito na vida, ou vai embora”.

Luisito conseguiu manter seu relacionamento a distância com ajuda da Internet e Sofia o incentivava com frequência a manter o sonho de jogador. O boleiro percebeu que essa seria a única maneira de vê-la novamente.

Foi então que Suárez se recriou no futebol e estabeleceu uma meta: jogar em um dos maiores clubes do mundo, o FC Barcelona. Ele voltou a jogar bem e, ocasionalmente, conseguia ajuda para visitar sua namorada na Espanha.

O início

(Foto: Arquivo pessoal)

Em 2005, aos 18 anos o uruguaio subiu para o elenco profissional do Nacional e fez uma boa temporada, chamando a atenção da equipe holandesa Groningen, para onde se transferiu no ano seguinte.

Uma vez na Europa, Luis se concentrou em fazer um bom ano para trocar de time. Em 2007, foi para o Ajax, onde começou a se destacar em nível internacional.

Após duas temporadas jogando no clube neerlandês, se casou com seu amor de infância no ano de 2009, em Amsterdã, cumprindo então sua promessa.

Em 2010, foi convocado à seleção uruguaia para jogar, na África do Sul, a primeira Copa de sua carreira, da qual a Celeste chegaria às semifinais com um lance polêmico envolvendo o atacante, que salvou uma bola com a mão no final da partida contra Gana.

A equipe africana não converteu a penalidade e os uruguaios acabaram se classificando nos pênaltis. Luis Suárez se tornou o herói da partida, apesar do cartão vermelho. A alviceleste terminou o campeonato em quarto lugar.

El Pistolero

(Foto: Liverpool FC/Divulgação)

Após brilhantes temporadas e artilharias no país baixo, o atacante chamou atenção do gigante inglês Liverpool e foi contratado para ocupar a vaga de Fernando Torres, que estava de saída para o Chelsea.

A passagem de Luisito no Reds foi avassaladora. Suárez conquistou com seus companheiros a Copa da Inglaterra, sendo artilheiro da competição, e caiu nas graças da torcida.

Vampiro uruguaio

Fotos: Reprodução

Em sua segunda Copa do Mundo, jogando contra a Itália na fase de grupos, Suárez participou de um episódio singular. Em um momento fora do lance, o atacante mordeu Chiellini e foi expulso.

Isso resultaria na pior punição da história das Copas: 100 mil francos suíços (cerca de R$ 250 mil), nove jogos internacionais sem defender o Uruguai e banimento de toda e qualquer atividade relacionada ao futebol neste período, incluindo os treinos do Liverpool e da seleção.

Suárez foi expulso da Copa do Mundo. Proibido de almoçar com a sua delegação, saiu da concentração sob custódia policial.

“A agressão de Suárez surgiu como uma oportunidade para a Fifa. Notoriamente corrupta, a entidade comandada por Joseph Blatter pode apresentar uma imagem de justa e defensora da moral e dos bons costumes futebolístico. Para afirmar sua máscara moralista, a Fifa foi mais grotesca que a mordida.” — José Antonio Lima, em artigo no blog Esporte Fino.

Querida Catalunha

(Foto: FC Barcelona/Divulgação)

“É com o coração apertado que deixo o Liverpool para uma vida nova e novos desafios na Espanha. Eu e minha família nos apaixonamos pelo clube e a cidade. Mas a maioria de nós se apaixonou pelos torcedores incríveis. Vocês sempre me apoiaram e nós, como família, nunca vamos esquecer isso. Sempre seremos torcedores do Liverpool. Espero que todos entendam porque tomei essa decisão. O clube fez de tudo para que eu ficasse, mas jogar e viver na Espanha, onde a família de minha esposa vive, é um sonho de vida. Acredito que agora é a hora certa.” — disse Suárez, em carta de despedida ao Liverpool.

Enquanto ainda estava suspenso, El Pistolero foi contratado pelo Barcelona, o time em que sonhava jogar desde criança, e lá formou um dos trios mais fatais do futebol mundial. O “MSN”, formado por Messi, Suárez e Neymar Jr., era composto apenas por jogadores sul-americanos. E lá Luisito permanece até hoje.

Para quem quiser ver de perto um pouco mais do dia-a-dia de Suárez no clube catalão, a Netflix lançou recentemente a série “Matchday: Inside FC Barcelona”. Confira o trailer:

Amuleto da sorte

Uma curiosidade interessante a respeito do ponta de lança é que o nascimentos do seus filhos acabaram se tornando “talismãs”. Logo em 2010, após sua primeira Copa, Suárez teve sua primogênita Delfina. No primeiro jogo depois do nascimento, em partida pelo Ajax, ele balançou as redes uma vez.

Em setembro de 2013, quando el pistolero jogava pelos Reds, nasceu seu segundo filho, Benjamin. Dias depois, o atacante marcou duas vezes contra o Sunderland.

E, por último, mas com certeza não menos importante, no jogo seguinte ao nascimento do seu caçula Lautaro, Luisito marcou um hat-trick em pleno clássico contra o Real Madrid com o Camp Nou lotado. O uruguaio contribuiu para goleada de 5x1 em cima do maior rival merengue.

O texto faz parte da série “Los ricos de la pobreza”, que conta a origem de jogadores latino-americanos aqui n’O Contra-Ataque.

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