Depressão em jogador é frescura?

Maria Sofia Aguiar
O Contra-Ataque
Published in
5 min readAug 10, 2020
Gráfico do jornal O Tempo mostra que 38% dos jogadores em atividade têm depressão, além de 35% entre os aposentados. (Editoria de arte/O Tempo)

Por Sofia Aguiar

Transtornos de depressão, ansiedade, síndrome do pânico são assuntos pouquíssimo discutidos na mídia e, quando discutidos, são expostos como assuntos problemáticos e como um tabu. Culturalmente, tratar desse tema nos assusta e se deparar de cara com essa palavra — DEPRESSÃO — nos traz uma sensação de… (sim, essa estranha sensação que você teve quando leu as primeiras palavras desse texto e que, por algum motivo, fez com que tivesse mais cautela quando decidiu continuar a ler).

Agora, quando se fala da depressão sofrida por jogadores de futebol, é de se assustar ainda mais. E esse é um problema absurdo, não deveria assustar tanto assim. Em uma pesquisa feita pela FIFA, em 2013, temos um total de 265 milhões de jogadores de futebol pelo mundo, contando masculino e feminino; em uma pesquisa feita pela OMS, em 2018, 300 milhões de pessoas têm depressão. E pasmém! Jogadores de futebol não são máquinas, são pessoas como qualquer outra, ou seja, devia ser óbvio que são propícios a desenvolver a doença, ou melhor, são até muito mais propícios.

“São questões no futebol que as pessoas querem fingir que não existe”

É por esse motivo de não enxergarmos nossos ídolos do esporte como pessoas comuns — que têm sentimentos e uma vida fora dos campos — e pela mídia raramente divulgar os casos, que muitos jogadores têm medo e receio de expor a sua saúde mental ao público. Por consequência, os clubes não costumam trabalhar com seus atletas a saúde psicológica da mesma forma que trabalham a física.

O Contra-Ataque lançou um podcast tratando esse tema da forma mais natural e didática possível, para que fique claro que esse é um assunto que deve ser discutido e investido como qualquer outro. Para nos ajudar a entender melhor a cabeça de atletas, convidamos a especialista Marina Mattos, psicóloga, pesquisadora do GEFUT (Grupo de Estudos Sobre Futebol e Torcidas) e colunista do Ludopédio (um portal acadêmico de futebol).

“São questões no futebol que as pessoas querem fingir que não existe”, diz Marina.

A falta de investimento na saúde mental de um atleta, principalmente do futebol e, especialmente, homens, vêm desde os times da base, onde as emoções são, muitas vezes, reprimidas (assunto também já discutido em um outro podcast do OCA).

Raquel Barbosa, bandeirinha da CBF, reage a cerco de jogadores do Murici no Alagoano. (Pei Fon/Portal TNH1)

Além disso, a ideia extremamente machista de que “o homem tem que sempre ser forte”, de que "não pode ter frescura" e que atinge a masculinidade frágil da grande maioria deles, também é um fator que afasta os jogadores desse assunto, bem como a falta de preocupação e investimento dos clubes nessa área.

“O desempenho de um jogador em campo é consequência de várias variáveis, dentre elas de se trabalhar esse contexto [da saúde mental]”.

Por outro lado, quando se mostra uma certa luta e angústia de um jogador, “muitas vezes isso é romantizado, como se esse sofrimento tivesse que fazer parte da carreira dele”, a especialista reforçou.

E a imprensa, pouco ajuda. Quando expostos os poucos casos de jogadores que já sofreram desse transtorno (dentre eles, Nilmar, Pedrinho, Fenômeno), ela distorce, de uma forma sensacionalista, a imagem do que é uma pessoa vítima da depressão. A psicóloga nos explica, que na grande maioria, a doença não vem como a imprensa divulga — “a caricatura de uma pessoa triste e de mal com a vida”. E com isso, pode-se comparar com o tabu que é a divulgação de casos de suicídio. O problema não é falar sobre isso, mas sim, de que maneira se fala.

A importância de um alto investimento do clube para realizar esse intenso e necessário trabalho psicológico vai além de querer melhorar o rendimento de jogadores e de lidar com essas situações mais avançadas, como os transtornos mentais. Um fato muito presente na carreira de um jogador de futebol é a sua objetificação. Na “formação de um torcedor”, é ensinado e normalizado dizer o quão ruim é um jogador do seu time e que como, facilmente, poderia descartá-lo, elevando o ego do fã por mostrar entendimento sobre o assunto.

“Uma coisa é você estar xingando o jogador, ali, pra você, na TV. Outra coisa é quando você tá no estádio, ali no alambrado, gritando milhões de ofensas e o jogador conseguir ouvir alguma. Às vezes, ouve do próprio banco de reserva, e dependendo do estado emocional do jogador, ele pode ter certas reações”, completa Marina.

Lateral Fabrício, então no Internacional, abandona o campo depois de xingamentos da torcida. (Fernando Gomes/Agência RBS)

É aí que o psicólogo consegue entrar em ação mais uma vez:

“A gente fala que controle emocional não existe, mas a gente escolhe como lidar depois dessa situação das ofensas. Esse “depois” que é o importante. Não importa se ele [jogador] reagiu xingando, se ficou calado. Não é uma questão de julgar como o jogador reagiu ali na hora, mas sim de trabalhar com ele depois que, aquela reação, não define quem ele é”.

Nesses tempos obscuros de pandemia, não é nem preciso dizer o quão necessário é para nós, seres humanos, termos um apoio psicológico reforçado. Sendo assim, era dever dos clubes investirem ao extremo nesses profissionais da área. Mas sabemos qual é a realidade do mercado do futebol. Se antes da pandemia era investido o mínimo dinheiro dos clubes em psicólogos, agora, com a falta de verba e crises que muitos sofreram devido às paralisações, com certeza o psicólogo vai ser o menos valorizado e investido.

Ao encerrarmos a entrevista com a Marina, ela concluiu da mesma forma que esse texto foi iniciado: para que os jogadores consigam se expor e falar sobre o assunto, precisamos normalizá-lo e falar ao público, explicitamente, sobre o tema. Nós, d’O Contra-Ataque, nos posicionamos para que não só falemos sobre saúde mental no “Setembro Amarelo” e que vocês, nossos ouvintes e seguidores, nos ajudem a espalhar essa palavra durante todos os meses.

Confira as dicas culturais do OCA#27:

Ouça o nosso podcast no Spotify:

Para ouvir na Web:

Mesa: Gabre Paes, Maria Tereza, Sofia Aguiar

Convidada: Marina Mattos

Edição Final: Giovana Guedes

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