[EXCLUSIVA] Esquiva Falcão: uma história de tradição e boxe

Entrevista com o medalhista brasileiro das Olímpiadas de Londres e melhor boxeador do país

Paulo Castro
O Contra-Ataque
9 min readMay 17, 2021

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Esquiva Falcão, o melhor boxeador do país e sua homenagem ao seu ídolo e pai, Touro Moreno (Foto: Scott Heavey / Getty Images)

“ O Brasil não é apenas o país do futebol. O Brasil é o país dos esportes de lutas. O país do vôlei. O país da esgrima. Então tem que mudar.”

— Esquiva Falcão

Esquiva Falcão Florentino nasceu em Vitória, Espírito Santo, no dia 12 de dezembro de 1989. Filho de Adegard Câmara Florentino, ex-lutador e uma lenda do boxe capixaba, com apelido de Touro Moreno. Irmão de Yamaguchi Falcão, boxeador e bronze nos Jogos de Londres-2012. Entrevistar o Esquiva é ler em cada resposta a humildade de um menino que saiu de Vitória para o Brasil inteiro. Esquiva é orgulhoso de sua família e de onde chegou, exemplo de dedicação em um esporte de tradição - mas distante dos investimentos milionários.

O boxeador brasileiro já chegou ao topo da montanha, caiu dela, e subiu novamente, tudo isso para lutar pelos seus sonhos. Enfrentou medo, lutas dentro e fora dos ringues, batalhou por um país que por dentro ainda tem muita coisa errada. O país da desvalorização. Um país do futebol e nada mais. Um país que a cada 4 anos pede de seus atletas olímpicos resultados, medalhas e mais medalhas. Até mesmo quem chegou no maior degrau possível, no Brasil, pode ser visto vendendo sua medalha no dia seguinte.

Tudo começou no quintal de casa com a paixão de Touro Moreno

Família Falcão e Arthur Veríssimo (Foto: Nelson Mello)

“Foi um começo muito sofrido. Meus pais tiveram que correr atrás para manter todos os filhos, nós somos nove. Chegamos a dormir embaixo da ponte. Meu pai quase foi dispensado de uma casa pela falta de pagamento do aluguel. Foi um momento muito difícil para a família, vivemos sempre na luta. Na luta do ringue, e na luta do dia a dia. Mas graças a deus meu pai nunca desistiu e sempre correu atrás para deixar a gente bem.”

OCA: É verdade que a sua primeira academia foi ainda no quintal de casa, utilizando bananeiras para treinar com seu irmão, Yamaguchi Falcão?

Esquiva, Touro Moreno e Yamaguchi (Foto: Bruno Marques / Globo Esporte)

“Sim, isso é verdade. Meu pai plantou uns pés de bananeiras (no quintal de sua casa). Quando o pé dá fruto, nós tiramos a banana dele e depois o cortamos para poder nascer outras. É sempre necessário cortar o pé na metade para poder nascer mais uma vez. Meu pai era um plantador de bananeira. Mas quando dava bananas, ele não cortava. Nós treinávamos lá, porque não tínhamos estrutura ou um saco de pancadas para usar. O pé é bem macio quando você bate, por possuir muita água, acaba não machucando a nossa mão. Era o nosso saco de pancada.”

O maior ídolo de Esquiva Falcão, seu pai

OCA: Qual a importância do seu pai na sua carreira? Foi dele que surgiu sua paixão e talento para o boxe?

A lenda Touro Moreno e seu filho (Foto: Esquiva Falcão/Twitter)

“Foi a coisa mais importante que aconteceu. Foi meu pai que deu início a tudo, o boxe e nossa família. A minha paixão pelo boxe veio do meu pai. Ele nunca nos pressionou a treinar, sempre deixou aberto, era uma opção nossa. Mas mostrava para gente que o esporte era o melhor caminho. É graças a ele que sou medalhista olímpico, tudo que eu consigo hoje com as minhas coisas é por causa dele. Meu pai é tudo pra mim. O boxe veio dele, ele era um ex-lutador apaixonado. Pode ter certeza que essa paixão que eu tenho dentro de mim veio do meu pai.”

O sonho chamado Olímpiadas

A maior conquista do boxe brasileiro em Olimpíadas, Esquiva Falcão é prata em Londres (Foto: Reprodução)

“A sensação de ser medalhista olímpico é maravilhosa. É a melhor coisa do mundo. Você treina quatro, cinco, seis anos para ir a Olimpíadas. Não é nem para conquistar uma medalha, mas apenas para poder chegar lá (olímpiadas). Poder chegar e ainda ganhar uma medalha, fazer história, não tem outro sentimento. É o melhor do mundo. Passa um filme da sua vida, de tudo que você passou, os treinamentos duros, sua família que confiou em você, os seus fãs. Chegar e poder dar um resultado positivo, um resultado de medalha, para eles é muito lindo. E ainda ser o porta bandeira no encerramento. Não tem coisa melhor, jamais imaginei poder representar o Brasil. Temos diversos nomes importantes no esporte brasileiro, que conquistaram medalhas. E eu fui o escolhido. Fiquei muito feliz, não tenho palavras. Isso é emoção demais. Poder carregar uma medalha que milhares de pessoas estavam torcendo por você. Eu fico muito feliz com isso.”

As dificuldades de ser um atleta olímpico no Brasil

Esquiva lutando profissionalmente (Foto:Scott Taetsch/Getty Images)

“Essa é uma situação muito complicada. Os atletas treinam a vida toda, se dedicam para conseguir um resultado. Para conseguir manter a sua família, ficar tranquilo. Poder pagar as dívidas. E muitas vezes chegam a um patamar alto, como eu, medalhista olímpico, e não consegue um patrocínio. Às vezes acaba largando o esporte que viveu a vida toda para poder trabalhar porque não possui nenhum tipo de apoio. Isso é muito triste. O que eu penso sobre isso, é que algo tem que mudar. O Brasil não é apenas o país do futebol. O Brasil é o país dos esportes de lutas. O país do vôlei. O país da esgrima. Então tem que mudar. Estamos batalhando, não é apenas um boxeador que está falando, é a família de diversos atletas. Quando um atleta está subindo, todo mundo está lá para apoiar, são anos de treinamento. Mas quando perdemos, todo mundo critica. Apoiar ninguém quer mas para criticar estão sempre ali. Chegou a hora de apoiar, acreditar no atleta.”

Como funciona o Bolsa Atleta

(Foto: Reuters)

O Bolsa Atleta é um plano do Governo Federal para ajudar e incentivar jovens e atletas que tentam a vida nos esportes pelo Brasil. Porém algo claramente não está funcionando. Segundo o site oficial da Caixa Econômica Federal existem seis tipos de Bolsas: Estudantil, Base, Nacional, Internacional, Olímpico e Paralímpico e Atleta Pódio. Apenas na melhor Bolsa, Atleta Pódio, o valor é equivalente a mais de 3 salários mínimos.

Não é nenhuma novidade a desvalorização dos esportes olímpicos no Brasil, esta situação deixa o auxílio como fonte essencial e muitas vezes únicas dos atletas. Esportistas conhecidos e vencedores, como o caso do Esquiva, são exemplos de que até mesmo os melhores sofrem para se manter física e financeiramente no país.

“Quando o atleta é amador e olímpico, aqui no Brasil, ele recebe o bolsa atleta. E o valor dessa bolsa varia muito. Se o atleta for campeão brasileiro, ele recebe o bolsa nacional, que é um salário mínimo. Se for campeão de algum torneio internacional, o bolsa internacional, que é quase uns dois salários mínimos. E se for um atleta olímpico, o valor é em torno de três a quatro salários (mínimos). No meu caso, sou um profissional, não recebemos nenhum apoio. Quando um atleta olímpico passa para o profissional, ele perde tudo no outro dia. Isso aconteceu comigo, larguei o amador e perdi no primeiro momento que assinei o meu primeiro contrato. Começa tudo do zero.”

O salário mínimo hoje no Brasil é de R$ 1.100 reais…

Problemas na pandemia e um novo patrocínio

Esquiva Falcão e sua esposa começaram a vender pizzas na Pandemia (Foto: Esquiva Falcão/Twitter)

Os tempos de pandemia vêm sendo extremamente complicados para o país. Como o Esquiva já confirmou, ao assinar um contrato profissional em seu esporte, o apoio que tinha do governo, o Bolsa Atleta, foi cortado. Esquiva Falcão e sua esposa decidiram começar a vender para poder arrecadar um dinheiro extra para a família. Essa ação do boxeador é um reflexo de como os atletas brasileiros são desvalorizados no país, e a pandemia apenas piorou a situação.

“Sobre as mini pizzas, eu tive muitas dificuldades na pandemia. E eu e minha esposa, tivemos a ideia de produzir pizzas. Uma forma de agregar uma renda extra.”

Após a grande repercussão e os diversos compartilhamentos de fãs e pessoas que se solidarizaram com a situação do boxeador. Esquiva fechou um novo patrocinador particular para se concentrar apenas no boxe, o contrato foi oficializada com a Havan, empresa do setor varejista. Falcão confirmou que as pizzas vão continuar vendendo mas agora a família deve procurar um motoboy para fazer as entregas.

A história de Esquiva Falcão e as mini pizzas não é de superação ou algo bonito de se escrever e lembrar. Um medalhista olímpico no Brasil que já chegou ao topo dos rankings, precisa de ajuda para conseguir treinar, apenas treinar e sobreviver. Se um ganhador como é o atleta, passa por isso, imagina quem ainda luta todo dia para um reconhecimento tanto dentro como fora de seu esporte. O país que se diz tanto formador de atletas, faz mais para acabar do que valorizar o esporte.

Medalhas de ouro, prata e bronze das Olímpiadas de 2012 (Foto: agência Getty Images)

O atleta brasileiro chegou até mesmo a colocar sua medalha de prata a venda, no valor de 50 mil dólares. Cerca de R$ 265 mil reais. O ato foi uma tentativa de ajudar a família, mas no final o boxeador decidiu manter a sua medalha. Um atleta vencedor e reconhecido no Brasil não passa de mais um tentando sobreviver um dia após o outro, a desvalorização é um problema que não é de hoje.

A carreira profissional do boxeador

Em sua carreira no boxe profissional são 28 vitórias (Foto: Reprodução)

Falcão decidiu sair do boxe amador para o profissional, foi uma escolha complicada que decretou o fim das participações do brasileiro nas Olímpiadas. A decisão foi tomada pela falta de incentivos do esporte aqui no país. A mudança para os profissionais parece não atrapalhar o boxeador que possuí um recorde de 28 vitórias, sendo 20 delas por nocaute, e nenhuma derrota.

O pugilista renovou o contrato, ainda esse ano, com a Top Rank, grande promotora mundial de boxe e empresa de Bob Arum. O mais novo acordo prevê três grandes lutas para o brasileiro nos próximos 12 meses. Uma dessas lutas será pela disputa do cinturão mundial dos médios.

O boxeador hoje é o quarto colocado no ranking da Organização Mundial, quinto na Federação Internacional de Boxe e sétimo no Conselho Mundial de Boxe.

Perguntas Finais

OCA:O que você falaria hoje para aquele jovem Esquiva Falcão que chegou aos 12 anos em São Paulo com apenas um sonho?

Boxeador comemora a 18ª vitória seguida de sua carreira (Foto: Divulgação/Tor Rank Boxing)

“Essa é uma boa pergunta. Não desista, mesmo que pareça estar difícil, tudo vai dar certo. Eu peço que você não desista, porque no futuro tem coisa boa te esperando. Você vai fazer história. Vai entrar para a história do boxe mundial. Então não desista, tudo que você está passando hoje está plantando. Pode ter certeza que lá no futuro, essa plantação vai dar frutos e você vai colher ela todinha”

OCA: Na sua opinião, qual foi a sua melhor exibição?

Falcão nocauteia Ogogo e vai para a final das Olimpíadas (Foto: Reprodução)

“A minha melhor exibição no boxe olímpico foi na semifinal dos jogos, contra o britânico Anthony Ogogo. Foi onde eu derrubei ele e mostrei para os ingleses que quem manda lá é o Brasil.”

Última vitória do boxeador brasileiro foi contra Arthur Akavov nos Estados Unidos (Foto: Mikey Williams/Top Rank via Getty Images)

“No boxe profissional, foi a minha última luta (Arthur Akavov). Era um adversário duro, experiente e acabei o nocauteando no quarto assalto.”

OCA: Uma dica para um menino que sonha em chegar aos seus pés no futuro?

O menino de Vitória e filho do lendário Touro Moreno (Foto: Mário Palhares)

“Treinar, treinar, treinar, treinar e treinar mais uma vez. Não é nada fácil. Se já é difícil treinando, imagine sem treinar. E tem duas coisas importantes. A primeira é não desistir, e a segunda é lembrar a primeira. Foco, objetivo e jamais desistir. Sempre focado e sempre treinando.”

Podcast sobre a vida de Esquiva Falcão chegando no OCA

O Contra- Ataque está produzindo um podcast storytelling sobre a vida de Falcão. Fiquem ligados na nossas redes sociais para mais um conteúdo sobre o boxeador brasileiro. Agradecemos o Esquiva e sua equipe pela entrevista e atenção com o OCA.

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