Ferenc Puskás: A estrela húngara

Antonio Gaspar
O Contra-Ataque
Published in
6 min readNov 23, 2017

Artigo por: Antonio Gaspar

Para grande parte dos fãs de futebol, a apresentação de Puskás é dispensável. A estrela húngara nascida na cidade de Kispest é indiscutivelmente um dos maiores jogadores do esporte e certamente está no mesmo hall de gênios como Pelé, Di Stéfano, George Best e companhia. Apesar disso, sua trajetória é tão fantástica que merece ser retratada quantas vezes forem necessárias. O homem que carrega o nome do prêmio de gol mais bonito do ano da FIFA faz com que esse fato seja “fichinha” perto de suas realizações ainda vivo.

A Infância

Puskás nasceu no dia 1º de abril de 1927. Apesar de ser o dia da mentira, o menino nascido nos arredores de Budapeste foi uma grata verdade que viera ao mundo para reinventar o futebol e fazer de seu país um ícone de glórias e conquistas. Quando garoto, morava bem ao lado do time local, o Kispest FC, em um complexo modesto de casas.

Segundo Puskás, uma de suas primeiras memórias foi a de ouvir os gritos de incentivo de torcedores da janela de sua cozinha em dias de jogo. O pobre vilarejo tinha suas ruas cheias de meninos que não podiam comprar brinquedos mas brincavam como ninguém jogando bola. Parentes contam que com nove meses de idade, o pequeno Puskás deu seu primeiro chute em uma bola e aos três anos já estava apto para acompanhar uma partida de futebol, um verdadeiro prodígio.

A Carreira

A inigualável equipe húngara

Puskás jogou em poucos clubes em sua carreira, em todos foi absolutamente eficiente. Começou no time local, o Kispest FC, em plena Segunda Guerra Mundial. No ano de 1948, foi recordistas de gols no campeonato húngaro com sobre-humanos 50 tentos anotados. No ano seguinte, o exército húngaro com o intuito de formar uma equipe de futebol forte, vinculou-se ao Kispest que passaria a atender por Hónved.

Com a administração militar, Puskás e seus companheiros de time passaram a ter uma rotina beligerante de treinos e em seu primeiro campeonato como jogador da “nova velha” equipe, o “ Major galopante”(apelido adquirido devido a sua patente de Major) capitaneou o grupo em seu primeiro título húngaro. Com 31 gols, foi fatalmente o artilheiro do torneio.

Porém, onde Puskás se eternizou, de fato, foi na seleção nacional, que até hoje é tida como uma das equipes mais avassaladoras da história do futebol. Vendo a representatividade atual da Hungria no futebol, é quase impensável imaginar que de 1950 a 1954 a esquadra se manteve invicta, foi campeã olímpica em 1952 e vice-campeã na Copa de 1954, torneio que até hoje possui o maior número médio de gols por jogo da história: foram 140 em apenas 26 jogos.

A seleção alcançou tais feitos pela qualidade de de seus jogadores, mas também pela revolução tática advinda dela, no futebol não se via a tática como algo tão relevante e o “1–3–2–4” apresentado ao mundo pelos húngaros forçou o futebol a mudar. O esquema foi o embrião do clássico “4–2–4” , trazido ao Brasil pelo treinador Béla Guttmann. A diferença do “4–2–4” eternizado pelo Brasil e o “1–3–2–4” fatal da Hungria é que o segundo possui um zagueiro um pouco mais recuado e não em linha.

Se terminasse sua carreira por ali, Puskás provavelmente ainda seria um sujeito memorável mas aos seus 31 anos, desacreditado e acima do peso, ainda ingressaria ao já excelente time do Real Madrid. O clube contava com grandes nomes, como os argentinos Di Stefano e Héctor Rial. Puskás sabia que precisava da amizade dos temperamentais sul-americanos para conseguir se destacar na equipe. Assim o fez. A parceria foi um sucesso e está na alçada dos maiores times que o Real Madrid, conhecido por seus esquadrões “galáticos”, já teve. Ao longo da passagem pelo clube madrilenho foram “míseros” 242 gols em 262 jogos marcados pelo húngaro de Kispest.

Puskás se aposentou como jogador de seleção em 1962, na Copa do Mundo do Chile. Por ter sido exilado de sua terra mãe, jogou pela Espanha, ainda jogaria até 1966 pelo Real Madrid, quando pendurou suas chuteiras. Tornou-se treinador a partir dali e pode-se dizer que obteve algum sucesso nesse ramo, destaque para quando, em 1971, levou o time grego Panathinaikos a final da Champions League, mas perdeu o título para o Ajax de Johan Cruijff. Puskás se aventurou bastante em sua empreitada como treinador, treinando times de todos os continentes como o africano El-Masry, o chileno Colo-Colo, o australiano South Melbourne e a asiática seleção saudita. De volta as origens, treinou a Hungria em 1993, e pôs então, um fim definitivo em sua carreira.

Contexto Político

Puskás começou sua carreira em plena Segunda Guerra Mundial na República Popular da Hungria — nome e modelo oficial de governo do país entre 1949 e 1989. Essa data é equivalente ao período comunista do Estado húngaro, mas desde os anos 30, o nacionalismo era forte por lá.

A Hungria fez parte das forças do Eixo durante a guerra, porém, perderam celeremente a influência nazista em seu território quando os soviéticos expulsaram as ocupações do Terceiro Reich por lá, mantendo o nacionalismo extremo, mas com uma mudança de orientação. A URSS passou então a exercer uma forte propaganda pró-stalinismo na Hungria e contava com a vitória nas eleições pós-guerra de 1945, mas obtiveram míseros 17% dos votos. Os grupos comunistas não desistiram após a derrota nas urnas e apelaram para a “tática do salame” — estratégia onde se elimina a oposição pouco a pouco, sem globalizar resultados parciais, com compromissos paralelos. Desta forma, o comunismo passou a penetrar na terra de Puskás aos poucos.

Deve estar se perguntando: e o que o jogador húngaro tem a ver com essa história? Seu estilo de jogo encantador e sua seleção inovadora eram uma grande propaganda política para o governo húngaro, que via o jogador e seus companheiros como jóias a serem protegidas. Puskás era idolatrado pela população e super-protegido pelos governantes, chegando a desfilar algumas vezes em eventos importantes do Estado como uma espécie de prova viva da eficiência do sistema húngaro e da genialidade latente do proletariado. O jogador usufruía de mais segurança que muitos dos homens mais poderosos do país.

Se Puskás era o ídolo comunista, era também, ironicamente, visto como um astucioso pelos comerciantes, empresários e capitalistas de rua. Ele conseguia contrabandear país a dentro uma série de itens exclusivos do exterior em suas viagens com a seleção, passando pela alfândega e oficiais da fronteira.

Não demorou para Puskás entender e aproveitar-se de sua situação privilegiada. Um colega do jogador na seleção, lembra dele “tirando sarro” com um dos políticos mais temidos do momento, Mihaly Farkas, ministro da Defesa, responsável pela odiada polícia de segurança (a AVH) e conhecido por ser um dos maiores torturadores do regime. Certo dia, Farkas inspecionava o time húngaro nas instalações do exército usando um uniforme militar todo branco. Quando o viu, Puskás começou a rir: “Pensei que finalmente o menino do sorvete havia chegado”.

Poucos jogadores enxergavam o futebol como um jogo político — mesmo conscientes de que seu sucesso dava credibilidade ao governo. O único homem que certamente reconhecia as dimensões ideológicas do esporte e das inovações táticas atendia por Gusztav Sebes, o pai do “1–3–2–4” e técnico da seleção húngara durante seu período de ouro. Após a Revolução Húngara de 1956 e a queda do governo vigente, Puskás foi hostilizado em sua volta para casa, exilando-se em Viena e então, proibido de jogar por 18 meses. Esse fato, fez com que mais tarde chegasse ao Real Madrid e buscasse cidadania espanhola, sendo o único jogador até então a jogar por duas seleções. Puskás foi tido em sua pátria como um ex-herói.

Após sua jornada como treinador e o fim da era comunista na Húngria, Puskás foi autorizado, em 1993, a voltar a seu país, treinou a seleção húngara sem muito sucesso mas perdoado pelo povo que teve seu ídolo de volta. O ex-jogador passou o resto de sua vida em Budapeste. Em 2000, foi diagnosticado com Mal de Alzheimer, enfermidade que progrediu até sua morte em 2006. Depois de quatro anos, foi anunciada a estreia de um musical que destacava seus feitos em vida. O espetáculo, que possui gravações e partes de documentários da época, leva o nome popular do memorável esquadrão húngaro: “A equipe de ouro”. Todos falecem, nem todos morrem, a história de Puskás está eternizada.

--

--

Antonio Gaspar
O Contra-Ataque

Jornalista por opção, músico como pretensão e filósofo por natureza.