Flamengo, Stuart Angel, a placa e a necessidade de revisitar a história

Ulisses Lopresti Figueiredo
O Contra-Ataque
Published in
6 min readMay 12, 2023

Ministério Público Federal exigiu explicações ao Flamengo por desaparecimento de placa em homenagem a atleta assassinado pela ditadura brasileira

Arquivo

Nesta semana, o Flamengo virou assunto fora das quatro linhas. Na última segunda-feira, (8), o Ministério Público Federal (MPF) informou que exigira explicações do clube carioca sobre o desaparecimento de uma placa em homenagem a Stuart Angel, atleta rubro-negro nos anos 1960 e assassinado pela ditadura brasileira.

O tributo estava em um memorial na sede de Remo do Flamengo, na região da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. A placa de bronze, acompanhada de uma estrutura de artes plásticas, foi colocada em 2010 em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Entretanto, desde 2016, ano das Olímpiadas do Rio de Janeiro, a homenagem desapareceu.

A iniciativa da cobrança ao Flamengo pelo desaparecimento da placa foi dos procuradores regionais dos Direitos do Cidadão Jaime Mitropoulos, Julio José Araujo Junior e Aline Caixeta. Segundo eles, “o resgate e a preservação da história de mortos e desaparecidos durante a ditadura militar, incluindo a conservação e restauração de monumentos alusivos a ela, constitui obrigação do Estado e um direito de toda a sociedade”.

Segundo comunicado do MPF, o Ministério dos Direitos Humanos tem um projeto para reinaugurar a placa em homenagem à vida e luta de Stuart Angel, porém, não há informações sobre o local em que ela se encontra.

Foto: Sebastião Marinho/Reprodução Hildeangel

Um pouco mais sobre o legado de Stuart Angel

Stuart Angel nasceu no dia 11 de janeiro de 1946, em Salvador, mas se mudou para o Rio de Janeiro com apenas dois anos. Filho do norte-americano Norman Jones e Zuleika Angel, mais conhecida como Zuzu Angel. Sua mãe era conhecida nacionalmente e internacionalmente por seu trabalho como estilista de moda.

Stuart Angel foi atleta de remo do Flamengo e foi bicampeão da modalidade pelo clube carioca em 1964 e 1965. Ainda chegou a remar pelo Botafogo antes de se tornar estudante de economia pela UFRJ.

Durante os anos de chumbo, Stuart Angel integrou o MR8, “Movimento Revolucionário Oito de Outubro”. O grupo fazia resistência armada contra a ditadura militar no Brasil, que perdurou entre 1964 e 1988.

Além de Stuart, o MR8 também teve como membros Carlos Lamarca, Iara Iavelberg, Fernando Gabeira, Franklin Martins, Vera Silvia Magalhães, entre outros. O grupo ficou conhecido por ser responsável pelo sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, em 1969. Na ocasião, 15 presos políticos foram libertados em troca do resgate do norte-americano. (Essa história foi contada no livro, e depois obra cinematográfica, “O que é isso companheiro?”).

Stuart Angel foi sequestrado pela repressão do regime militar. O ex-remador flamenguista foi preso, torturado e assassinado na Base do Galeão por membros do Centro de Informação da Aeronáutica (CISA) no dia 14 de junho de 1971.

O corpo de Stuart Angel nunca foi encontrado, sua morte não foi comunicada pelo regime militar, portanto, foi declarado um desaparecido político, um entre os mais de 400 que sumiram sem explicação entre 1964 e 1988.

Zuzu Angel

Nos anos subsequentes a seu desaparecimento, Zuzu Angel, mãe de Stuart, e estilista de prestígio internacional ficou conhecida por sua luta. A brasileira passou cinco anos denunciando o desaparecimento de seu filho e cobrando políticos, do Brasil e de fora do país.

Em 1971, Zuzu Angel promoveu um desfile-protesto à ditadura militar no Brasil. Em Nova York, poucos meses depois do desaparecimento de Stuart, a estilista levou aos palcos roupas que remetiam aos horrores da ditadura, com detalhes bélicos nas peças.

Zuzu Angel e modelo com loo apresentado no desfile-protesto

A luta de Zuzu Angel perdurou por anos. A estilista chegou a entregar um dossiê com dados sobre a morte do filho para Henry Kissinger, na época secretário do estado norte-americano, quando o mesmo veio ao Brasil em 1976.

Zuzu Angel morreu em um acidente de carro provocado pela ditadura militar no dia 14 de abril de 1976. O carro em que estava bateu após a saída do Túnel Dois Irmãos, no Rio de Janeiro. Uma semana antes do acidente, a estilista deixou um documento escrito que dizia: “se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu filho”.

Em 2014, Cláudio Antônio Guerra, ex-agente do DOPS, escreveu o livro “Memórias de uma Guerra Suja”. Na obra, relatou detalhes da morte de Zuzu Angel. O autor incluiu fotos do coronel do exército Freddie Perdigão Pereira no local do acidente.

Apenas em 2019, a justiça emitiu certidões de óbito de Zuzu Angel e Stuart Angel com a informação de que ambos foram assassinados pela ditadura militar.

A relação entre o Clube Flamengo de Regatas e o jovem Stuart

O clube carioca tem a sua história conectada com Stuart Angel pela ligação do atleta com o remo rubro-negro. Em 2010, o Flamengo colocou a placa em homenagem ao remador em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, na época no segundo mandato de Lula.

Muitos torcedores fazem questão de não esquecer a história de Stuart Angel e sua ligação com o rubro-negro. Atos de memória são feitos na sede de remo do clube em datas alusivas à ditadura militar no Brasil.

Porém, assim como muitos setores do Brasil, o Flamengo vem se distanciando da memória desses anos. Em 2019, o clube se negou a fazer uma homenagem para Stuart Angel no dia 1 de abril, data do Golpe Militar no Brasil. Além disso, publicou um comunicado dizendo que “o clube tem mais de 42 milhões de torcedores com as mais diversas crenças e opiniões, e não se posiciona sobre assuntos políticos”.

Reprodução/ Twitter

Em 2023, o Flamengo voltou a se envolver em uma polêmica em relação à ditadura militar. No dia 1 de abril, data que marcava 59 anos do Golpe Militar, o clube carioca venceu o Fluminense no Maracanã por 2 a 0 no primeiro jogo da decisão do Campeonato Carioca.

Na ocasião, torcedores rubro-negros levou uma faixa às arquibancadas com os dizeres: “Morte aos torturadores”. Os flamenguistas foram levados ao Juizado Especial Criminal acusados de incitação à violência.

Foto: Twitter/Flamengo Antifa

No mesmo dia, dois desses torcedores foram condenados pelo juiz Marcelo Nobre de Almeida a pagarem uma multa de R$300, usarem tornozeleira eletrônica e proibidos de frequentar jogos do Flamengo em 2023.

Após proposta do Ministério Público, a justiça acatou a revogação do uso de tornozeleira eletrônica por parte dos torcedores.

O Flamengo é o clube com mais torcedores no Brasil e, assim como o país que representa tão bem, guarda dentro de si cicatrizes e contradições. Se em 2010 fazia questão de colocar uma paca para jamais esquecer Stuart, em 2019 trata assassinato como opinião política (quer algo mais brasileiro que isso?).

O fato é que os dirigentes devem responder em dez dias sobre o paradeiro da placa de bronze de Stuart Angel, mas mais que isso, eles têm o mesmo prazo para reconhecer que suas indeferenças não são maiores que o desejo de representatividade de grande parte da torcida rubro-negra.

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