Futebol mexicano: risco de ‘americanização’?

Fim do rebaixamento, exclusão de times pequenos e pensamento empresarial: como isso afeta o futebol — e a Seleção — do México

João Abel
O Contra-Ataque
5 min readMay 6, 2018

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Quando pensamos na relação entre México e Copa do Mundo, os mundiais de 1970 e 1986, sediados em solo mexicano, são a primeira lembrança. É uma façanha ter sido casa de dois mundiais (ao lado de outras potências como Brasil, Itália, Alemanha e França). Mas quase três décadas depois da última Copa como anfitrião, afinal, qual é o estado atual da Seleção Mexicana e de seu futebol?

‘Hoje não trabalhamos, porque vamos ver Pelé’ — cartaz que se espalhou por teatros mexicanos durante a Copa de 1970

Nos últimos seis mundiais, um fantasma inacreditável: de 1994 (nos Estados Unidos) a 2014 (no Brasil), o México sempre caiu nas oitavas de final ao pegar adversários de tradição como Argentina, Alemanha e, no último mundial, a Holanda. Muitas vezes com boas atuações. “Jugamos como nunca, perdimos como siempre”. Mas a derrota mais sofrida aconteceu em 2002, ao cair por 2 a 0 para o rival Estados Unidos.

Fracasso após fracasso, o futebol mexicano pouco produziu em craques e hoje vê diversos jogadores de sua seleção jogando na Major League Soccer (liga de futebol profissional dos Estados Unidos) ou em pequenos times da Europa. O ‘craque’ e eterna promessa Chicharito Hernández joga atualmente no West Ham, de Londres. Pior do que isso, os mexicanos veem seu futebol cada vez mais estrangeiro e elitizado, num claro processo de ‘americanização’ da liga nacional.

Liga sem descenso, saída da Liberta e exclusão de clubes menores

Após diversos anos disputando a Copa Libertadores, os times mexicanos deixaram a competição com clubes da América do Sul em 2017 e voltaram todas as suas atenções para os vizinhos centro e norte-americanos. A ideia de reformular o futebol mexicano tem passado por uma série de questionamentos por jogadores e dirigentes.

Em março, o México anunciou que, a partir da temporada 2018/19 não haverá mais rebaixamento na Liga MX, e sim um novo formato para a promoção de clubes à elite nacional, que se baseia no cumprimento de regras e “análises para viabilizar a participação”. Exatamente nos mesmos moldes praticados pela liga dos Estados Unidos, onde os times são franquias comandadas não por sócios, conselheiros ou pela comunidade de torcedores, mas por donos.

O América, clube mais popular do país, é um caso típico. Nada de presidente ou democracia. Quem dita os rumos do clube são empresas: a Televisa, maior rede de televisão do México, proprietária do time, e a chinesa Huawei, maior patrocinadora. A TV Azteca, a outra rede de televisão poderosa no país, é proprietária do Morelia e do Atlas.

Estádio Azteca, casa do América, é também o local dos jogos da Seleção nas eliminatórias

Outros clubes da primeira divisão, León e Pachuca, além o Mineros de Zapatecas, da liga de acesso, são comandados pelo mesmo magnata: Carlos Slim, empresário do ramo de telefonia e um dos homens mais ricos do mundo.

Para piorar, a Liga MX impediu, também a partir da próxima temporada, que clubes que tenham estádios com capacidade inferior a 20 mil pessoas de disputar a elite. Você santista, por exemplo, consegue imaginar o Campeonato Brasileiro sem a Vila Belmiro?

A arte imita a vida

Todo o novo modelo de gestão empresarial do futebol mexicano não agita só as torcidas na vida real, mas também na ficção. Se você se acostumou a assistir às dramáticas novelas do país, saiba que o futebol virou enredo de uma das poucas séries produzidas pela Netflix na América Latina. Club de Cuervos narra a história do time de uma pequena cidade no interior do México, que é assumido por dois irmãos após a morte do pai e presidente do clube.

Relações de família, astros europeus na Liga MX, discussão nos bastidores pelos direitos de televisão, cartel de drogas, jogadores que abusam nas redes sociais e até a mudança de cidade por motivos comerciais. Tudo isso poderia ser a história de um clube mexicano real, mas é apenas o contexto do pastelão protagonizado pelos Cuervos de Nuevo Toledo.

Um dos grandes debates levantados pela produção é a ‘estrangeirização’ do futebol mexicano. Atualmente, 39% dos jogadores na Liga MX são de fora do México. Para efeito de comparação, no Campeonato Brasileiro, esse número não chega a 10%. Na série, o ex-capitão da Seleção Mexicana, Rafa Marquez, atua em uma participação especial, onde aparece à frente de um protesto dos jogadores que defendem um ‘limite’ de estrangeiros e peitam os dirigentes dos clubes. Seria um recado para os reais clubes da liga mexicana?

Como tudo isso afeta a Seleção Mexicana?

Entre a ficção e o real, a verdade é que o México chega à sua 16ª Copa do Mundo sem grandes craques no elenco. Para um time que já teve nomes como Hugo Sanchez, destaque do Real Madrid na década de 1980 e considerado o maior jogador mexicano da história, e o próprio Rafa Marquez, ex-zagueiro do Barcelona, o time que disputará o mundial na Rússia está longe de ser o melhor da história.

Entretanto, alguns atletas se destacam como Héctor Herrera e Raúl Jimenez, dois dos principais jogadores do Campeonato Português, por Porto e Benfica, respectivamente. Outros experientes também fazem parte do grupo que joga em clubes europeus: Layún (Sevilla), Guardado (Betis), Chicharito (West Ham) e o goleiro Ochoa (Standard Liège), principal destaque do time na Copa de 2014.

Brasil e México se enfrentaram na fase de grupos em 2014; Ochoa parou o ataque brasileiro

Com todos próximos da faixa dos 30 anos, o time de Juan Carlos Osorio não mostra grande renovação. A promessa Giovani dos Santos, por exemplo, deixou a Europa e atualmente joga no Los Angeles Galaxy, assim como o irmão Jonathan dos Santos. Todas as fichas são apostadas, agora, no jovem Hirving Lozano, de 22 anos, meia-atacante do PSV Eindhoven.

Se o script dos últimos mundiais for mantido, o México tem boas chances de enfrentar o Brasil nas oitavas da próxima Copa. Isso, se os mexicanos garantirem o segundo lugar no grupo F, que tem a Alemanha como favorita. E se o Brasil for o primeiro do grupo E.

Na fase de grupos, a agenda mexicana é:

17/6 (12h) — Alemanha x México, em Moscou

22/6 (12h) — Coreia do Sul x México, em Rostov

27/6 (11h) — Suécia x México, em Ecaterimburgo

*horários de Brasília

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João Abel
O Contra-Ataque

jornalista, autor de ‘BICHA! homofobia estrutural no futebol’ e coautor de ‘O Contra-Ataque’