Millwall, dono da torcida que ama ser odiada

“Ninguém gosta da gente, mas não estamos nem ai.”

Matheus Braga
O Contra-Ataque
5 min readFeb 22, 2022

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Um texto por Matheus Braga

Millwall é um time bastante pequeno do sul de Londres, que conseguiu alcançar a primeira divisão da Inglaterra apenas duas vezes em sua história. Nos últimos anos focam em se manter na Championschip, segunda divisão inglesa. Mas o que leva um clube tão pequeno ser conhecido mundialmente? Trago a resposta mais para frente.

Tudo começa pelo estádio do clube, o pequeno The Den, no sudeste de Londres em meio a uma região perigosa da cidade. Como seu rival West Ham, o Millwall também surgiu da classe trabalhadora de Londres, que sofreu bastante após a revolução industrial.

Olha a estrutura do estádio que eles chamam de ‘pequeno’.

Reza a lenda que a rivalidade com o West Ham surgiu devido a uma greve em que os trabalhadores discordavam sobre a continuidade. Após isso, as partes começaram a se odiar.

O termo “hooligan” é bastante associado ao Millwall. Mas o curioso é que a violência dos torcedores do clube é conhecida antes mesmo do termo existir. Por exemplo, no começo dos anos 70 o clube foi punido por 5 vezes por violência em seus jogos. Além disso, em 1977 o clube convidou a BBC para fazer uma matéria e mostrar que tudo não se passava de um mito, mas não deu muito certo.

A matéria começava dizendo “Eles nunca começam uma briga, mas sempre estão lá quando ela acontece”. Um dos torcedores deu uma entrevista dizendo a seguinte frase:

“Um bom jogo de futebol, umas porradas e encher a cara, é disso que se trata em Millwall”

Nos anos 80 foi criada a “firma” do Millwall, chamada de “Millwall Bushwackers”. O termo firma é usado pelas torcidas organizadas inglesas, que seria uma espécie de gangue organizada.

A reputação do Millwall continuava a despertar pavor pelo país. No começo dos anos 80 uma verdadeira batalha diante do Ipswich Town paralisou a partida por diversas vezes por invasão ao campo. Em 1985 mais um episódio marcante. Desta vez diante do Luton Town, quando cerca de 10 mil torcedores do Millwall ocupavam um espaço para 5 mil.

O técnico do Luton chegou a chamar os torcedores do Millwall de animais, dizendo que “deviam ter jogado um lança chamas neles”.

Vale lembrar que por ser um clube da região das docas da parte sul e sudeste de Londres, o Millwall possui muitos torcedores da classe pobre, que se orgulham do clube nunca ter se vendido ao capitalismo gigantesco que dominou e domina o futebol inglês.

Com ingressos que custam cerca de 26 libras, o estádio nem sempre está lotado, mas ainda percebe-se rastros da época em que o clube ficou marcado pelo hooliganismo.

O Millwall construiu o The Den em outra região próxima do antigo no começo dos anos 90, e foi um dos primeiros a se enquadrar nas normas exigidas pela liga inglesa após o desastre de Hillsborough, que matou 96 torcedores.

Pensando já nas brigas constantes, o estádio foi construído com as laterais abertas, para facilitar a entrada dos caminhões policiais em caso de confusões.

Para quem pensa em tomar uma cerveja em um tradicional pub inglês antes do jogo do Millwall, pode esquecer. Não existem bares ao redor do estádio, apenas um café chamado “Millwall café”, um mercado e dezenas de oficinas mecânicas, grande força econômica da região.

Isso tudo se mantém mesmo após a mudança drástica no futebol inglês. Hoje em dia as confusões causadas pelos hooligans do Millwall são mais difíceis de acontecer devido a segurança nos jogos, mas ainda se nota um clima hostil no estádio.

Além disso, a identidade violenta da torcida também virou notícia em 2017, quando um torcedor do Millwall lutou sozinho contra terroristas em um bar. “Eles estavam armados com longas facas e começaram a gritar: ‘Alá, Alá, Alá’. Depois, gritaram ‘Islã, Islã, Islã’. E eu gritei de volta para eles. Dei alguns passos à frente e berrei: ‘Danem-se vocês, eu sou Millwall! Foi aí que eles começaram a me atacar. Eu estava sozinho contra todos eles, por isso me machuquei bastante. Fui esfaqueado e cortado. Me acertaram na cabeça, no peito e nas duas mãos. O sangue es espalhou por todo lugar. E eu gritava: ‘F…-se vocês, eu sou Millwall”

A grande parte da torcida ainda gosta do sentimento de ser odiado na Inglatera. Um dos cantos mais ouvidos nos jogos é: “No one like us, we don’t care” (Ninguém gosta de nós, mas nós não importamos).

Odiado por muitos, amado por poucos. Mas os poucos nunca abandoram e continuam mantendo vivo a história do clube da comunidade trabalhadora.

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Matheus Braga
O Contra-Ataque

Mineiro, jornalista e apaixonado pelo futebol inglês.