No ano passado, meninos. Em 2019, as mulheres tailandesas

O mundo que assistiu, ansioso, ao resgate do time de meninos na caverna em Chiang Rai, agora verá 2ª participação da Tailândia em Copas

João Abel
O Contra-Ataque
4 min readApr 28, 2019

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Em um continente onde o futebol feminino cresce exponencialmente, Tailândia acompanhou o ritmo e já se firma como nova potência asiática

Nós contamos aqui no ano passado a incrível história do time de garotos tailandeses que ficou preso em uma caverna, próxima a uma montanha na província de Chiang Rai:

O resgate, que durou duas semanas, está documentado como um dos principais acontecimentos do ano passado. Mas, em 2019, o futebol tailandês quer se mostrar ao mundo também dentro de campo. E palco será a França. Pela segunda vez na história, a Tailândia leva sua seleção a uma Copa do Mundo (nas duas vezes com a seleção feminina).

Campanhas

A seleção é atualmente a 34ª colocada no ranking da FIFA e entra como grande zebra em um grupo difícil, com duas equipes muito tradicionais — Estados Unidos e Suécia — , além do Chile.

Apesar do investimento menor do que a equipe masculina, as mulheres passaram a receber mais atenção da Associação de Futebol da Tailândia, após boa campanha na Copa da Ásia de 2014. Como resultado, as tailandesas conquistaram um expressivo quarto lugar no mesmo torneio continental em 2018, ficando atrás apenas nas fortíssimas seleções do Japão, China e Austrália. Este quarto posto garantiu a vaga tailandesa no Mundial.

Para se ter ideia do potencial da Tailândia, na semifinal asiática, o país perder para a Austrália (carrasca do Brasil na última Copa e também nas Olimpíadas) apenas nas penalidades máximas. No tempo normal, as tailandesas venciam por 2 a 1 até os acréscimos do segundo tempo, quando sofreram um empate.

O título mais expressivo da Tailândia é da copa asiática, mas no longínquo ano de 1983, quando o futebol feminino sequer existia profissionalmente em muitas nações. A Copa do Mundo da modalidade só surgiria oficialmente em 1991.

Política

O bom momento no futebol e os investimentos não deixam de ser resultado de um crescimento econômico considerável da Tailândia, especialmente entre os anos 1980 e 1990, mas que ainda tem reflexos na atual situação do país. ‘Encaixotada’ no sudeste asiático por países como Miammar, Vietnã, Laos e Camboja, a Tailândia é um dos principais destinos turísticos da região e seus índices sócio-econômicos melhoraram nos últimos anos (o IDH do país, por exemplo, é alto: 0,755).

Apesar de ser uma monarquia constitucional, e não uma república, a história recente a Tailândia guarda algumas semelhanças com a brasileira: episódios de corrupção, derrubada de uma líder mulher no governo e o autoritarismo no poder.

Em novembro de 2013, o povo tailandês começou a protestar contra a corrupção do governo parlamentar e pressionou a Corte Constitucional da Tailândia a suspender a primeira-ministra Yingluck Shinawatra. Niwatthamrong Boonsongpaisan (boa sorte a quem tentar pronunciar) foi eleito primeiro-ministro interino em 7 de maio de 2014.

Yingluck Shinawatra foi primeira mulher a chegar ao poder na Tailândia. Deixou o cargo após ser acusada pela Corte do país por abuso de poder (Reuters)

Quinze dias depois, o general Prayut Chan-o-cha, comandante-chefe do exército real tailandês e líder do Conselho Nacional para a Paz e a Ordem, derrubou o governo e suspendeu a constituição de 2007, por meio de um golpe de estado apoiado por uma junta militar. O resultado foi a criação de uma constituição e sua titulação como primeiro-ministro, com aprovação do rei Bhumibol Adulyadej.

Em agosto de 2016, um referendo ofereceu ao povo a possibilidade da criação de uma nova constituição e uma nova eleição para 2018 ou a permanência de Boonsongpaisan por mais tempo no poder. A continuidade no governo foi eleita com 62% dos votos.

A Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH) denunciou uma “manipulação do processo de redação da Constituição” e uma “credibilidade zero” da votação. O canal PeaceTV, opositor do governo, chegou a ser fechado temporariamente. Assim, a Tailândia não conhece eleições diretas desde 2011.

Peça-chave

Com praticamente todas as jogadoras atuando no próprio país, o destaque da seleção é a veterana Kanjana Sungngoen, de 32 anos, que acompanhou todo o processo de reestruturação do time durante a última década. Ao todo, a atacante tem 47 jogos pela equipe nacional e 30 gols marcados. Uma ‘Marta tailandesa’ (guardadas as proporções). Olho nela.

A estreia da Tailândia na Copa não poderia ser mais difícil: enfrentam os Estados Unidos (atual campeão mundial), no dia 11, em Reims. Depois, é a vez de jogar contra a também fortíssima Suécia, no dia 16. E encerram a 1ª fase, quatro dias depois, contra o Chile, em Rennes.

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João Abel
O Contra-Ataque

jornalista, autor de ‘BICHA! homofobia estrutural no futebol’ e coautor de ‘O Contra-Ataque’