O envolvimento de Marin no assassinato de Vladimir Herzog

A relação de um recente presidente da CBF com a morte do jornalista mostra mais uma vez que futebol e política são indissociáveis

Gabriel Paes
O Contra-Ataque
4 min readOct 25, 2018

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Hoje se completam 48 anos do brutal assassinato do jornalista Vladimir Herzog, pelo DOI-CODI, no ápice da tortura e violência do período militar no Brasil (1964–1985).

Membro do Partido Comunista Brasileiro, Vlado foi uma das vítimas do regime militar, que não tolerava críticas ou posições ideológicas diferentes.

Catedral da Sé durante culto ecumênico em homenagem à Vladimir Herzog. (Cena do filme “Vlado 30 anos depois”)

Senti-me na obrigação de escrever — não uma obrigação moral, mas sim um impulso de dentro que explode, palavras que não cabem dentro de mim quando penso nesse cara. Mas como ligar o fato ao futebol?

Parti do zero e joguei “Vladimir Herzog Futebol” na internet, na expectativa de encontrar alguma identificação clubística ou foto simbólica com a camisa de algum time.

Encontrei a foto de José Maria Marin, preso em dezembro de 2017 pela justiça dos EUA, sob 6 acusações: conspiração para organização criminosa, fraude financeira nas Copas América, Libertadores e do Brasil e lavagem de dinheiro nas Copas América e Libertadores.

José Maria Marin de mãos dadas com Paulo Maluf. (Foto: SIDNEY CORRALLO/15/05/1982/ESTADÃO CONTEÚDO)

Marin era deputado estadual em São Paulo pela ARENA, partido criado para os políticos alinhados com a ditadura militar. Na mesma época, Herzog era diretor de jornalismo da TV Cultura, que não expunha os feitos do governo de forma heroica como a propaganda que eles pregavam. A ausência da TV nas principais coberturas da imprensa levantaram as suspeitas de que a emissora estava “tomada pela onda vermelha”.

O discurso do então deputado na Alesp, no dia 7 de outubro de 1975, dizia:

“Quero fazer um apelo ao senhor governador do Estado: ou o jornalista está errado ou então o jornalista está certo. O que não pode continuar é essa omissão, tanto por parte do senhor secretário de Cultura, como do senhor governador. É preciso mais do que nunca uma providência, a fim de que a tranquilidade volte a reinar não só nesta Casa, mas, principalmente, nos lares paulistanos”, disse Marin naquela sessão, que debatia a “presença de membros de esquerda na TV Cultura”.

Em 2013, o então presidente da CBF se mostrou irritadíssimo ao negar qualquer envolvimento no assassinato de Vlado. O fato foi levantado por Juca Kfouri em seu blog no portal UOL, em 2013, e o fato rendeu ao jornalista um processo movido pelo cartola, que deu as seguintes declarações:

“Estou com a consciência totalmente tranquila. Isso faz parte de uma intriga lançada por um colega seu (Juca Kfouri), e que vai responder na Justiça.”

“Desafio que você me traga um documento em que eu tenha citado alguma vez essa pessoa na minha vida, e que eu tenha feito menção a esses acontecimentos. Se quiser mais detalhes, dou o cartão dos advogados que estão tratando do caso.”

Não se posicionar é tomar uma posição. Os constantes elogios ao delegado Sergio Fleury, um dos principais torturadores da ditadura; o posicionamento político no partido que apoiava o regime; esse era o presidente da entidade máxima do futebol brasileiro, durante a segunda copa que sediamos em casa. Ele, Ricardo Teixeira, Carlos Arthur Nuzman e Marco Polo del Nero fazem o superfaturamento dos estádios parecer fichinha.

Lembro do programa “Bem Amigos”, do SporTV, em que Galvão Bueno levou Marin para a clássica babação de ovo nas tevês, em uma das milhões de tentativas da imprensa mainstream de minimizar nossos problemas, reduzir nossa história às 4 linhas e ignorar todo o complexo cenário político do futebol brasileiro. É, acima de tudo, jogar nosso trabalho no lixo.

Outro guru nosso, João Saldanha, deu a letra sobre como agir em situações forçadas, como encontros com chefes de estado. Quando o jornalista era treinador da Seleção Brasileira, recebeu a indicação direta do general presidente Médici, para escalar o jogador Dario:

“Considero Médici o maior assassino da história do Brasil. Ele nunca tinha visto o Dario jogar. Aquilo foi uma imposição só para forçar a barra. Recusei um convite para jantar com ele em Porto Alegre. Pô, o cara matou amigos meus. Tenho um nome a zelar. Não poderia compactuar com um ser desses”.

É importante que pesquisemos a nossa história. Precisamos saber o que aconteceu para que não sejamos surpreendidos por encontros aparentemente tranquilos, décadas depois de tempos de barbárie que parecem não ter nos ensinado muita coisa.

Me emocionei e a essa altura do campeonato já nem sei mais o que eu queria com esse texto. Então faço um simples pedido: não podemos deixar a memória de pessoas como Vlado desaparecer. Não podemos ignorar nossa própria história. E, sobretudo, não podemos dissociar política e futebol.

Os escândalos de superfaturamento nas obras da copa-14 são, literalmente, a ponta minúscula de um iceberg gigantesco, com raízes na ditadura militar brasileira. Precisamos urgente de um mea culpa, ou então seguiremos reféns dos políticos que — esses sim — mamam nas tetas do estado a vida inteira, sem nunca terem feito nada pelo povo.

“Quando perdemos a capacidade de nos indignarmos com as atrocidades praticadas contra outros, perdemos também o direito de nos considerarmos seres humanos civilizados”.

Vladimir Herzog (1937–1975)

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Gabriel Paes
O Contra-Ataque

Cultivo especial aversão ao homem-de-bem, à família tradicional e ao Brasil que deu certo.