O futsal pede passagem entre os jovens

Segundo Vanildo Neto, técnico da seleção brasileira sub-20, “Tem muito menino que se mantém no futsal porque tem o sonho de jogar e viver disso, mesmo com toda a crise no mundo hoje”

Daniel Dias
O Contra-Ataque
8 min readSep 16, 2020

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Por Daniel Dias

Falcão em quadra pela Seleção Brasileira. O camisa 12 já marcou mais de 400 gols pela amarelinha.

O sonho de se tornar um atleta de futebol profissional demanda um árduo e longo caminho, esse que, normalmente, inicia-se para a maioria no futsal.

PROCERGS, que tinha Ronaldinho Gaúcho, campeã estadual.

Atletas como Ronaldinho Gaúcho, Neymar, Messi e Marta, deram seus primeiros passos para se tornarem atletas renomados nas quadras, e após isso enfrentaram uma sequência de dificuldades para chegar onde estão hoje. Porém e aqueles que buscam se firmar no próprio futsal? Qual o caminho do jovem que sonha alcançar os grandes nomes do futebol de salão, como Ricardinho, Falcão e Manoel Tobias?

Como mencionado, para muitos o futsal é somente uma porta de entrada para o campo, prova disso está nos jogadores brasileiros que representaram a seleção na última Copa do Mundo de 2018: ao todo, 12 dos 23 convocados foram federados por clubes de sua região, como mostram dados liberados pelo Globo Esporte. Marcelo, lateral esquerdo, possui passagens pelo futsal de Vasco, Fluminense e Helênico, antes de surgir como promessa no Tricolor das Laranjeiras. Outro exemplo é Willian, que também antes de ser revelado pelo futebol do Corinthians, passou anos no futsal do mesmo. Além dos dois, os outros atletas que completam a lista são: Alisson, Douglas Costa, Filipe Luís, Marquinhos, Miranda, Pedro Geromel, Philippe Coutinho, Renato Augusto e Neymar.

Os 23 convocados, mais a comissão técnica (Foto: Lucas Figueiredo /CBF)

Porém alguns desses garotos não seguem esse caminho. Eles decidem permanecer nas quadras para ali ganhar reconhecimento, no entanto, diferente do futebol, eles não ganham seu devido destaque e nunca vemos matérias em grandes veículos esportivos comentando sobre atletas como o Leozinho do Magnus, João Victor “Neguinho” do Corinthians ou Françoar Oliveira do Minas Futsal, como vimos quando jogadores como Vinícius Júnior, Rodrygo ou Pedrinho surgiram.

Na realidade, poucos sabem que o Leozinho foi eleito o melhor jogador jovem do mundo de 2019, e muito menos que todos eles foram campeões dos Jogos Olímpicos da Juventude de 2018 em Buenos Aires, trazendo a primeira medalha de ouro da modalidade para casa. Sem contar o fato de que no ano de 2019, dois clubes brasileiros, Corinthians e Carlos Barbosa, protagonizaram a final da Copa do Mundo de Clubes sub-20, vencida pelo primeiro pelo placar de 7x2, tendo superado clubes como Boca Juniors e Barcelona.

Brasil foi o primeiro campeão da modalidade em jogos olímpicos (Foto: Jonne Roriz/ COB)

Outro fator que evidencia que a base na modalidade somente está recebendo sua devida atenção agora, é o fato do time do Magnus Futsal, fundado em 2014, somente ter criado uma categoria sub-20 em 2017. O clube é detentor de uma vasta gama de títulos compostos por: uma Liga Nacional, uma Libertadores, um Campeonato Sul-Americano, três Mundiais de Clubes e duas Ligas Paulistas, além de já ter contado com o rei do futsal, Falcão, e hoje possuir atletas como o fixo Rodrigo, capitão da seleção brasileira e Leandro Lino, revelado pela equipe do Parque São Jorge e considerado por anos o substituto de Falcão.

Mais um exemplo de administração em questão juniores é o Corinthians, que de alguns anos pra cá, vem sendo responsável pela revelação de diversos jogadores destaques. O próprio ala Lino, já citado, e Matheus Rodrigues (jogador de mesma posição), que atualmente veste a cor grená do Barcelona, são alguns exemplos. Durante a pandemia o clube mostrou mais uma vez o apoio aos jovens, tendo feito treinos online que o fisioterapeuta Sérgio Vitorazzi pontuou em entrevista para o blog Meu Timão, não serviram apenas para manter o preparo físico, mas também para os motivar a não desistir.

“É importante ter a capacidade de entender essa situação de agora, embora seja difícil. E, também, fazer a manutenção dos atletas, incentivar, deixando-os ativos para um eventual retorno. Não podemos perder o foco, há que manter essa percepção de que eles são atletas, jogadores, e necessitam deste tipo de trabalho e cuidado. Quando voltarem, não vão partir do zero, vão estar em um caminho”

Vanildo Neto quando ainda treinava o Sport.

O Contra-Ataque conversou com o atual técnico da seleção sub-20 e também do profissional do Sport, Vanildo Neto, que credita e parabeniza a forma como algumas equipes vem lidando com a mistura de atletas da categoria de base e jogadores considerados medalhões para a modalidade:

“As três melhores bases no futsal, em investimento, talento e trabalho muito bem feito, são a do Corinthians, Magnus e Minas, e a mescla que fazem é o ideal: jovens mais a contratação de medalhões. Se pegar o time do Corinthians e do Magnus, é muito bem equilibrado isso, os meninos do sub-20 compõem metade do grupo, é a química ideal. Ter atletas mais experientes que ensinem algumas situações de vivência de quadra para os mais novos e ter os novatos para manter a intensidade nos jogos”

Com isso acredita que finalmente a sociedade de todo o globo terrestre possa estar abrindo caminho para que esses garotos entendam que o futebol não é mais a única maneira deles terem uma escapatória de suas dificuldades e chegarem ao sucesso profissional e financeiro:

“Tem muito menino que se mantém no futsal porque tem o sonho de jogar e viver disso, mesmo com toda a crise no mundo hoje. Dentro do profissional no sul do país as pessoas vivem do jogo e vivem bem, na Europa também, em algumas ligas muito fortes como a Liga espanhola, russa, portuguesa, oriente médio, muitos países estão investindo e a pessoa pode viver do futsal da melhor maneira possível.”

Ainda, Neto crê que os jovens ainda não notaram que a profissão está se encaminhando cada vez mais para um futuro promissor, por isso muitos ainda preferem apostar no futebol.

“Para se profissionalizarem no futsal, a maior dificuldade é o próprio futebol. Por eles terem o sonho de jogar lá, meio que param de competir e vivenciar a modalidade futsal, e isso faz com que eles fiquem pra trás”.

E assim como no futebol ,observa que a maior batalha enfrentada está relacionada com a questão financeira da maioria dos jovens: grande parte deles acabam vindo de comunidades carentes para tentar a vida no esporte, e nesse momento começam os empecilhos. “Outra dificuldade é a questão afetivo social, eles têm muita dificuldade financeira, passagem. Uma série de fatores que os fazem desistir de competir”, afirma o treinador.

Recentemente, Ramon Santos (19), atleta do Santo André Futsal, passou pela transição da equipe sub-18 para a sub-20, já tendo feito alguns jogos pela equipe principal. Em seu caso, o caminho traçado foi o contrário da grande maioria. “Eu jogava campo, porém um amigo me chamou para jogar na Federação Paulista de Futsal e, quando fui, me dei melhor nas quadras, e mesmo tendo evoluído no campo, não dei continuidade”.

Desde então, o atleta passou por diversas peneiras, que descreve como “um espaço aonde vão muitos jogadores e você tem que se destacar para ser chamado para entrar na equipe”. Quando finalmente entrou para o Santo André, ele conta precisava ir a pé para os treinos “por conta do dinheiro principalmente”, finalizou.

Ramon Santos atleta do Santo André de futsal (Foto: Acervo Pessoal)

Agora como um jogador em transição entre o sub-20 e o profissional, pôde comentar um pouco sobre as principais diferenças entre as categorias, desde a pressão, a sensação ao ser chamado para integrar o elenco e a forma como a equipe do interior paulista trata seus atletas desde a base:

“Todos são excelentes desde a diretoria até a comissão técnica. A pressão é maior no profissional, pois na base você está com moleques mais novos, então tudo acaba sendo mais divertido, e a sensação de estar no profissional é de objetivo realizado e sonho conquistado.”

O apresentador foi contratado em fevereiro de 2020. (Foto: Guilherme Mansueto/Divulgação)

Porém qual é o futuro para esses garotos e para o próprio futsal? Será que receberão seu devido tratamento e visibilidade na mídia? No mês de abril desse ano, o canal do YouTube Desimpedidos, em parceria com a própria plataforma e o time do Magnus, lançou a série “Vai Pra Cima, Fred”, que contou com oito episódios mostrando a vida de Bruno Carneiro, ou Fred, como é conhecido popularmente, fazendo a pré-temporada com a equipe principal.

Mesmo tendo seus 31 anos, o que foi mostrado ali, indica um pouco da vida de um atleta recém integrado ao profissional, as dicas dos jogadores mais experientes, os trotes sofridos, como a raspagem de cabelo ou o “corredor polonês” onde o atleta corre por um corredor formado por atletas em volta, enquanto toma tapas na cabeça. E como o próprio Fred disse no episódio três da série, o momento em que chegam ao profissional é um período de adaptação e crescimento:

“Os moleques da base , eles estão crescendo, estão em total fase de evolução ainda… mas a experiência de quadra, é óbvio que mesmo eles tendo 10 anos a menos que eu, eles tem uma experiência muito maior que a minha”

Fred , de amarelo, em jogo contra o River Plate (Foto: Guilherme Mansueto)

Essa série pode ter indicado uma abertura da mídia para o futsal, mesmo que tenha sido através de uma plataforma digital. Para Ramon, “A série foi muito boa e representou bem o futsal, dando mais visibilidade para nossa modalidade”. Ao evidenciar, como Fred disse, equipes como o Sorocaba preparando seus atletas para o profissional desde cedo, a série confirma o que o técnico Vanildo Neto afirmou anteriormente.

Já sobre o espaço do futsal na mídia, Neto acredita que a culpa não é totalmente da mesma, mas sim por conta da cultura futebolística criada no país:

“É uma questão cultural: o país tem o futebol como uma religião, então não é que o futsal é menos importante, mas que financeiramente o futebol movimenta muito mais dinheiro, pela paixão do brasileiro. Acredito que o Brasil é apaixonado pelo futsal também, não à toa é a modalidade mais praticada em clubes e escolas no país, e vai se desenvolver cada vez mais.”

E para quem quer acompanhar mais a fundo a modalidade, buscando conhecer as promessas brasileiras? Neto indica alguns jogadores para ficar de olho:

“Eu citaria três atletas do Magnus e três do Corinthians, mas têm muitos outros em todo o Brasil, que tem total condição de ser destaque na seleção principal futuramente. Eu citaria Lucas Zoio, Ricardinho e Pedrinho do Magnus, três atletas realmente diferentes e que jogam a liga nacional adulta, além do João Victor, Neguinho do Corinthians, e outros como Marcelo e Daniel também da mesma equipe. E aqui no nordeste, o Nunes.”

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