O Imperador

Gabriel G. Santana
O Contra-Ataque
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11 min readFeb 17, 2022

O dinheiro o tirou da miséria, mas não pôde arrancar de dentro dele a favela

Adriano sendo homenageado no estádio San Siro em 2016 (Foto: Reprodução)

Um texto por Gabriel Santana

Do alto da Catedral de Milão ou da Basílica da Penha, apenas um homem reuniu talento e carisma suficientes para ser posto, pelos amantes súditos da bola, à alcunha de Imperador. Seu império foi moldado por paradigmas, paixões e polêmicas diversas que o fazem até hoje ser reverenciado por quem se curva perante às belas lembranças dos tempos áureos do futebol.

Como todos os imperadores, Adriano (Didico para os mais chegados) atraiu olhares e admirou multidões. Também pudera, afinal ele foi: 9 vezes campeão de torneios italianos, 2 vezes campeão do Brasileirão e juntamente à Seleção se sagrou vencedor da Copa do Mundo Sub-17, Copa América e das Confederações. Mas nenhum destes feitos resume sua nobre reputação.

Para entender a grandeza de sua trajetória, devemos resgatar as raízes e a essência deste eterno menino da Vila Cruzeiro (região periférica do Rio de Janeiro). Nascido no dia 17/02/1982, o filho da Dona Rosilda e do Sr. Almir Ribeiro já esbanjava, quando criança, o desejo pelas molecagens e dádivas proporcionadas pela “boleiragem”.

A infância

Apelidado pelos colegas como Pipoca ou Didico, o rapaz de estrutura larga, alta e forte, desde cedo amedrontava as equipes mais velhas da escolinha do Flamengo, localizada no bairro da Gávea. Aos 7 anos de idade, Adriano tinha que se locomover diariamente entre os bairros da Penha, Urca e Tijuca para tentar conciliar os estudos e treinos.

Apesar de difícil, sua infância foi maravilhosa pois foi nesta época que ele diz ter aproveitado o melhor de sua inocência. O ex-jogador relata que sua avó, Dona Wanda, foi o pilar necessário em sua vida para que o mesmo não desistisse de sonhar.

“Teve vezes que meu almoço antes do treino foi uma pipoca com queijinho, ou um pão com açúcar feito pela minha avó. Mas nunca me faltou nada pra ser feliz, amor e confiança tinha de sobra” — Imperador em entrevista ao The Players’ Tribune

Quem já teve o prazer de acompanhar Adriano em suas redes sociais, sabe do grande apreço do craque pela comunidade em que cresceu. Isso nunca foi um segredo na vida dele, pelo contrário, Didico sempre enche os olhos de lágrima ao contar sobre as amizades e aventuras vividas por ele na favela.

O olhar deste menino de boné diz muito sobre essa foto (Crédito: Rafael Andrade/Folhapress)

“Todo mundo sabe que eu morei na comunidade e vou lá até hoje. Mas quando você mora na comunidade, você tem liberdade para fazer certas coisas, né? Não tô julgando ninguém que mora na Barra ou em outros lugares. Então não posso falar que eu sofri, porque eu não sofri, eu vivi. Brinquei de bolinha de gude, peão, empinei pipa… Tudo!” — Reiterou o jogador, após ser questionado sobre sua vivência antes da fama

Início na Gávea

Como todo jovem atleta, Didico teve de enfrentar diversos obstáculos em sua pré-carreira. Consegue imaginar um garoto de 1,89 de altura aos 15 anos de idade atuando como lateral? Diferente do que muitos acreditam, ele nem sempre despontou como atacante e por tal razão quase foi mandado embora do clube.

Mas sua calma, persistência e habilidade abriram os olhos de seu treinador, Carlinhos, que com sabedoria o testou na posição ofensiva. Era a chance de ouro do moleque da Vila Cruzeiro demonstrar seu potencial e construir um império de fãs.

Dito e feito! Logo nas primeiras oportunidades na base, sua canhota era como um canhão que destroçava muralhas, furando as redes de defesa de seus oponentes. Adriano sempre se destacou por ter um porte físico robusto e duro na queda.

O bom desempenho a frente do clube carioca lhe rendeu, aos 18 anos de idade, a convocação para Seleção Brasileira principal. Adriano havia participado até o momento da equipe Sub-17, sagrando-se campeão mundial na categoria. Porém, sua notoriedade se fez maior quando integrou o elenco principal.

Carreira Meteórica

Com o excelente início de carreira, não demorou muito para o jovem centroavante chamar a atenção da Europa. Aos 19 anos de idade, com um contrato equivalente a 13,19 milhões de euros, Didico assinava com a Internazionale.

O ano era 2001 e o time de Milão dispunha de um elenco recheado de craques, com personalidades como: Materazzi, Di Biagio, Zanetti, Seedorf, Fenômeno e Adriano. Em sua recém chegada, o centroavante logo de cara deixou sua marca registrada.

Na ocasião, a Inter disputava um amistoso contra o Real Madrid em um jogo festivo, mas seriamente rivalizado. O placar estava empatado em 1x1 e, para a desgraça dos merengues, Hector Cúper (então treinador da Inter) resolve fazer uma substituição: Christian Vieri sai para a entrada de Adriano.

Passados alguns minutos com a bola no pé, o brasileiro sofreu uma falta próxima da grande área. Qual a possibilidade de um novato assumir essa responsa? Será que os veteranos iriam deixar? Após pedir permissão, uma bomba assustadoramente forte e precisa de fora da área alcançava as redes do Real. Naquele dia, a Inter se curvava diante de seu mais novo soberano.

A aparência tranquila escondia a fúria de sua canhota, era muita força! (Fonte: Youtube)

Após seis meses de permanência no clube milanês, surgiu ao atacante uma proposta de empréstimo à Fiorentina. Massimo Moratti (presidente da época) garantiu que essa era uma oportunidade de adaptação de Adriano ao futebol italiano, para que depois ele voltasse a Inter com ainda mais preparo. Didico não questionou a decisão, serviu ao clube florentino e, depois disso, atuou brevemente no Parma.

Em 2004, ao regressar para a Inter, Adriano colocou como meta pessoal a seguinte tarefa: ser feliz jogando futebol. E conseguiu! Logo no início de seu retorno, já conquistou a titularidade de sua posição como centroavante, se tornando artilheiro da Liga Italiana. Marcou 15 gols em 16 partidas. Feito este que deu origem ao apelido de “L’ Imperatore” ou “O Imperador”.

Ainda no mesmo ano, Adriano ficou marcado na memória da torcida brasileira pelo gol antológico contra a Argentina na final da Copa América. O Brasil e o futebol agradecem até hoje. O sucesso estrondoso o colocou nos holofotes da imprensa internacional. Num intervalo de dois anos, Adriano foi duas vezes campeão da Copa da Itália (2004/05 e 2005/06).

Didico afirma que não há nada mais prazeroso pro jogador brasileiro do que vencer da Argentina (Fonte: Youtube)

Morte do pai e retorno ao Brasil

Às vezes o destino pode ser irônico e contraditório com algumas pessoas. De zero a cem, a alegria de Adriano se confundiu com a dura tristeza da única certeza da vida: a morte de seu pai. No dia 03/08/2004 o jogador estava na Itália quando recebeu, através de familiares, a notícia do falecimento de Almir Ribeiro.

“Eu realmente não queria falar sobre isso, mas vou te dizer que, depois daquele dia, meu amor pelo futebol nunca mais foi o mesmo. Ele amava futebol, então eu amava futebol. Simples assim. Era meu destino. Quando joguei futebol, joguei pela minha família. Quando marquei, marquei para a minha família. Então, quando meu pai morreu, o futebol nunca mais foi o mesmo” — relembra Adriano em entrevista ao The Players Tribune.

E realmente, depois do ocorrido, a carreira do Imperador nunca mais foi a mesma. Até o ano de 2006 conseguiu grandes feitos, como por exemplo vencer campeonatos expressivos na Itália e disputar a Copa do Mundo. Porém, a atuação da Seleção Brasileira acabou sendo decepcionante por ser a favorita e não conquistar o título do “hexa”.

Depois de uma sequência de frustrações pessoais e profissionais, o rendimento de Didico já não era dos melhores. Seu relacionamento com o técnico Roberto Mancini não ia bem, apesar dos colegas de equipe e diretoria o apoiarem. Adriano podia ser imperador, mas seu coração estava em ruínas. Por isso, o atleta viu no Brasil uma tentativa de resgatar suas origens, sua essência e principalmente seu desejo pelo futebol. Em comum acordo, a Inter resolveu fazer um empréstimo do jogador junto ao São Paulo Futebol Clube.

Em 2008, o camisa 10 vê no São Paulo uma oportunidade (Fonte: Arquivo SPFC)

Didico assina com o São Paulo, entretanto, não fica muito tempo com a camisa do Tricolor. Com uma média acima do esperado, afinal foram seis meses de permanência no clube, ele marcou dezessete gols (seis pela competição sul-americana e onze pelo Paulistão) em 28 partidas que disputou. Embora não tenha dado o quarto título de Libertadores, Adriano é colocado no patamar de craques que já vestiram a camisa do clube.

O gigante se reergueu

Após rápida passagem pelo São Paulo, o centroavante finalizou seu contrato com a Internazionale (desta vez por definitivo) e eis que, novamente, quem o acolheu em uma nova etapa difícil de sua vida é o Flamengo. No clube do coração, ele esteve mais próximo de sua família e amigos e, assim, reconstruiu uma nova versão de seu bom futebol.

Recebido com fervor pela torcida rubro-negra, Adriano conduziu o Mengão ao título daquele inesquecível Campeonato Brasileiro de 2009. Desacreditado pela imprensa ainda no início da temporada, o Mengão estava em uma péssima fase e, à custa de muito esforço, conseguiu dar a volta por cima com o seguinte esquadrão: Imperador, Petkovic, Léo Moura, Juan e Kléberson. O treinador Andrade foi que comandou a equipe rumo ao hexacampeonato.

No dia 6 de dezembro de 2009 realizou o sonho de qualquer jogador ao ser campeão pelo clube do coração (Crédito: Acervo Globo)
Que dupla! Será que ainda existe essa energia no futebol brasileiro? (Crédito: Acervo Globo)

Intrigas de um imperador humano

Diferentemente das grandes autoridades romanas da Idade Antiga, Adriano jamais quis ser tratado como uma divindade. Mas essa escolha nunca esteve de fato ao seu alcance. Ainda quando jogava na Itália, os holofotes da mídia sempre estiveram voltados à vida pessoal do atleta.

O problema é que o atacante nunca soube lidar com o peso de sua imagem enquanto figura pública. Para ele, Imperador, Didico e Adriano eram a mesma pessoa. Por nunca esconder suas amizades e não se privar de frequentar os locais que sempre frequentou, Adriano virou uma vítima das especulações, polêmicas e escândalos da mídia.

Ele não era santo, afinal essa nunca foi sua pretensão. Contudo, os jornais não economizavam motivos para dar destaque às questões da vida do atleta. Episódios diversos de seu cotidiano foram alvo de especulação. Envolvimentos ao uso e tráfico de drogas, relacionamentos amorosos, traições, infrações jurídicas… Além de prestar esclarecimentos à Justiça, o ex-jogador era frequentemente pauta de programas televisivos.

‘Que Deus perdoe essas pessoas ruins’ — O atacante do Flamengo utilizou esta estampa em sua camiseta após sofrer diversos ataques da mídia, que na época o acusava de envolvimento com o crime organizado (Crédito: Gazeta Press)

Inevitavelmente qualquer jogador sofre com as duras críticas da imprensa relacionadas não apenas à sua qualidade técnica, como também à sua integridade moral. Com o objetivo de dar um basta nas intrigas e respirar “novos ares”, em 2011 Adriano resolve acertar com um novo clube, mas desta vez, quem abria as portas ao craque era o Corinthians.

Apesar do entusiasmo da Fiel com o anúncio de sua chegada, a trajetória do mesmo foi difícil. Adriano estava acima do peso, não conseguia conciliar os horários de treinamento (67 ausências) e abrir mão de seus “lazeres noturnos”. Marcada por atos indisciplinares, sua estadia à frente do clube alvinegro foi conturbada, porém inesquecível.

O Timão ainda tentava se recuperar da ausência de Ronaldo Fenômeno, mas quando viu a chegada de um gênio como Adriano, cogitou na hipótese de que o brilhantismo e recuperação poderiam ser os mesmos. Mas não foi bem o que aconteceu. Ao todo, durante um ano de contrato, o camisa 10 disputou apenas oito partidas, das quais marcou dois gols, um deles se tornou lenda na memória dos fiéis torcedores.

Um gol, uma lenda

Como explicar o que aconteceu naquele domingo, dia 20/11/2011? Corinthians e Atlético-MG se enfrentavam no Pacaembu pela 36ª rodada do Brasileirão. Para o Timão, os três pontos eram essenciais para a manutenção da liderança (àquela altura muito disputada pelo Vasco) e, de qualquer maneira, o ‘ Time do Povo’ precisava garantir a vitória faltando duas rodadas para o término do campeonato.

Tite ainda não era um treinador badalado e suas escolhas eram bem questionáveis. Apostando na entrada do ofuscado camisa 10, um tal de Adriano, o técnico estava sob extrema pressão crítica. Aos nove minutos do segundo tempo, o Galo abriu o placar com Leonardo Silva. Mais tarde, com um cabeceio preciso de dentro da área, Liédson deixava tudo igual. O público predominantemente corintiano suspirava o empate, mas sabia que ele não seria suficiente.

Passados 43 minutos, perto do fim da partida, Emerson Sheik investe numa arrancada do meio campo, depositando toda sua confiança nos pés de Adriano que, sabiamente, empurram a bola para a linha de fundo do lado esquerdo. Com uma canhota fantástica, a direção ao gol foi precisa e cruzada até as redes. Depois desse lance, Didico e todo o elenco ficaram imortais na história alvinegra.

A partida estava empatada até a entrada de Adriano que, em apenas uma chance, vira o placar e concede o triunfo necessário do clube (Crédito: Acervo Corinthians)

A participação do craque poderia ter sido melhor. Mas vale lembrar que ela foi comprometida por lesões, já que foram cinco meses parados sem jogar em razão de torções no joelho e tornozelo. Em entrevista ao The Players Tribune, o ex-jogador revela que não teve um devido tratamento de recuperação, reconhecendo que também errou nos momentos de fisioterapia. Mas nada disso importa, senão o legado de um ídolo que ajudou o Corinthians a ser Campeão Brasileiro de 2011.

Aposentadoria

Em 2012 Adriano encerra oficialmente seu vínculo com o Timão e, depois de tentativas frustradas de reconciliação com o Rubro Negro, o vínculo profissional do centroavante se tornou insustentável. Na época, Didico permaneceu durante 22 meses sem atuar em nenhum clube. Era o prelúdio do fim de sua carreira como jogador.

Até que após longas negociações, no ano de 2014, o Athletico Paranaense acerta sua contratação. Seu contrato previa um bônus de acordo com a sua produtividade de gols e atuações, mas isso não foi o bastante para motivá-lo. O atacante teve uma passagem tão rápida quanto a de um furacão, porém menos impactante como tal. Adriano assinou seu contrato em fevereiro e rescindiu em abril do mesmo ano, tendo marcado apenas um gol no clube em partida válida pela Libertadores contra o The Strongest .

A saída do time paranaense ainda lhe rendeu propostas no exterior. Especulações do mercado da bola afirmavam que sua ida para o Le Havre (França) era quase certa, mas problemas relacionados a pagamentos do clube o impossibilitaram de concluir sua transferência. Didico novamente ficou dois anos sem jogar.

Em 2016, Didico assinou sua última contratação, em acordo firmado com o Miami United (time da quarta divisão estadunidense). Em mais uma passagem relâmpago — Adriano chegou em janeiro e foi embora em maio do mesmo ano — o jogador disputou apenas uma partida oficial, tendo feito um único gol.

Encerramos assim mais uma narrativa desta lenda do “panteão futebolístico”. Adriano não queria ter o fardo de ser um imperador, mesmo assim, como diria Emicida: “Já que o Rei não vai virar humilde, eu vou fazer o humilde virar Rei”. Pois bem, o triunfo de Adriano se deu de modo humilde. Seu luxo era dar conforto à família, sua ganância era a felicidade e, seu legado, foi dar nostalgia àqueles que o viram jogar.

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