O racismo além das 4 linhas

Há dez vezes mais brancos do que negros comandando o futebol brasileiro

O Contra-Ataque
O Contra-Ataque

--

Zé Roberto, ex-jogador do Palmeiras, tornou-se em 2018 um dos poucos negros a assumir um cargo administrativo em um clube de futebol (Foto: Fabio Menotti/Ag. Palmeiras/Divulgação)

Por Gabriel Paes e Maria Tereza

Primeiro vem a raiva — mas você nem sabe exatamente de onde ela vem. Em seguida, o xingamento se descarrega na ponta da boca, antes de sair como um sonoro grito de autoafirmação e opressão. Esse perfil é encontrado em qualquer estádio de futebol no Brasil, seja na Copinha ou na Libertadores.

E claro, você já deve ter ouvido coisas como:

“Meu maior ídolo no futebol é o Pelé. Inclusive, eu postei uma foto na época do #SomosTodosMacacos. Sabe, às vezes vocês vão longe demais com esse negócio de racismo. Parece que tudo é racismo. Eu mesmo, tenho vários amigos negros. Se a gente parar de falar mais em racismo, você vai ver que ele desaparece”.

Não é por aí. Quase 130 anos depois de abolirmos a escravidão, o racismo no Brasil segue velado. No futebol, o preconceito vai muito além de episódios lamentáveis de torcedores nas arquibancadas usando xingamentos preconceituosos para atacar jogadores negros em campo. O racismo institucional é a principal forma de como ele se manifesta no esporte.

O Contra-Ataque fez um levantamento de dados e, analisando os principais cargos de comando nos clubes da séries A e B de 2018, constatou que apenas 9,4% deles são ocupados por negros.

Na pesquisa, foi verificado também que os cargos mais representados por negros são os de roupeiro, massagista e, fora do campo, motorista e segurança.

Com os clubes sendo administrados por verdadeiras oligarquias que se perpetuam no poder, não é de se espantar que os dirigentes espelhem a realidade da elite que detém esse poder. Entre 20 clubes da série A do brasileirão, nenhum dos presidentes é negro. Na série B, apenas dois deles são.

O que nos remete a um dado ainda mais expressivo: levando em consideração apenas os presidentes, diretores executivos e técnicos, o número de negros cai para 6,2%.

Também vale fazer o adendo de que a maior parte das mulheres que compõe a comissão técnica desses times estão em profissões que remetem ao “cuidado”, como nutricionistas, psicólogas e fisioterapeutas, mas nenhuma delas em posições de comando e gestão.

Sabemos que comentários como “competência não se define por cor” irão surgir. Mas se você em algum momento pensar assim, procure se perguntar:

Por quê um negro em posição de poder é sempre um fato raro?

Se “competência não se define por cor”, porque ainda se acredita que o motivo pelo qual alguém joga bem é por ser negro? Por que um menino negro só pode sonhar em se tornar jogador para não entrar nas estatísticas criminais, enquanto um menino branco pode sonhar em ser médico, advogado, engenheiro ou administrar uma grande empresa?

No passado, eles eram proibidos de jogar bola profissionalmente e não frequentavam os estádios porque futebol era considerado um esporte nobre. Se esse tipo de coisa acontecesse hoje, seria considerado um ato de loucura e provavelmente iria parar na justiça. Então, porque é tão loucura assim pensar que eles ainda não ocupam os altos cargos no esporte devido à estrutura racista da sociedade?

Esses aspectos do futebol são apenas um reflexo de como a sociedade se comporta. A ausência de negros nesses cargos não é mera coincidência.

Será mesmo que se a gente parar de falar de racismo ele some?

--

--