Por que não vemos tanto posicionamento político no futebol?

Luca Machado
O Contra-Ataque
Published in
4 min readAug 26, 2020

O Milwaukee Bucks boicotou um jogo de playoff da NBA em protesto aos sete tiros disparados contra Jacob Blake nos EUA. Em entrevista ao OCA em junho, Gustavinho Lima, um dos integrantes do movimento ‘Esporte pela Democracia’, falou sobre o posicionamento político dos jogadores da NBA e a falta de envolvimento de jogadores de futebol no Brasil

Foto: Ashley Landis/Pool via AP

Você pode ouvir o podcast dessa história aqui:

O Milwaukee Bucks, franquia da NBA que enfrentaria o Orlando Magic no jogo 5 da primeira rodada dos playoffs nesta quarta-feira (26), boicotou a partida em protesto ao ataque a Jacob Blake —estadunidense negro de 29 anos que foi baleado sete vezes nas costas por um policial branco em Kenosha, Wisconsin. Após o cancelamento do jogo entre Bucks e Orlando Magic, Oklahoma City Thunder, Houston Rockets, Los Angeles Lakers e Portland Trail Blazers também decidiram não jogar as partidas de hoje.

As jogadoras dos seis times da WNBA que jogariam nesta noite (Washington Mystics, Atlanta Dream, Los Angeles Sparks, Minnesota Lynx, Connecticut Sun e Phoenix Mercury) também entraram em um consenso para não entrar quadra.

Ariel Atkins, jogadora do Washington Mystics: “Não somos apenas jogadoras de basquete. Somos muito mais do que isso”.

É cada vez mais notória a união de integrantes da NBA e WNBA na luta contra injustiças sociais e raciais nos Estados Unidos. Isso nos leva a pensar o porquê disso não acontecer no futebol brasileiro e mundial. Em junho, conversei um pouco sobre esse assunto com Gustavinho Lima, ex-jogador de basquete e supervisor do basquete sub-19 do Corinthians.

Gustavinho após o título da Liga Ouro com o Corinthians. (Foto: Danilo Sardinha/GloboEsporte.com)

“Eu acho que eles estão sim mais atentos aos movimentos sociais. E acho que aí eu não sei se tem a ver com o esporte. Acho que tem a ver talvez com a classe mesmo. Eles se fortalecem quando sentem respaldo da classe de jogadores”, disse Gustavinho.

“Muita gente diz que aqui no Brasil não se posiciona por medo de punições, por medo do que o empregador vai falar. Mas se tivesse esse respaldo do empregador, da classe como um todo, se fosse uma voz ativa e falando a mesma língua, eu acho que daria mais coragem e mais pessoas se manifestariam”, completou.

Após o título do Golden State Warriors na temporada de 2017–18, por exemplo, o elenco do time decidiu de forma conjunta por não realizar a tradicional visita à Casa Branca, devido a posicionamentos conservadores do presidente Donald Trump.

Ao invés de visitar a Casa Branca após o título da NBA, o elenco do Warriors foi passar um dia com crianças em um museu de história afro-americana.

Stephen Curry, duas vezes eleito MVP da liga, foi um dos jogadores do Warriors que se manifestou dizendo que não iria à Casa Branca se fosse convidado. Após a declaração, Trump anunciou pelo Twitter que o convite estava retirado.

“Eu lembro que o Steve Kerr, que hoje é técnico do Golden State Warriors, e outros jogadores do Warriors se recusaram a ir na Casa Branca quando foram campeões. Quando o Trump levantou a ideia de construir um muro, o Kerr foi pontual dizendo que não era hora de separação e sim hora de criar laços, hora de criar pontes. Era uma hora de união. Não importa as etnias, que é todo mundo ser humano”, comentou Gustavinho.

Ir para a Casa Branca é considerado uma grande honra para uma equipe campeã. Stephen Curry está hesitando, portanto o convite foi retirado!”, postou Trump.

Com os protestos antirrascistas que rodearam o mundo por conta do assassinato de George Floyd, um homem negro que morreu enforcado em Minnesota por um policial branco que se ajoelhou no pescoço de Floyd por 8 minutos e 46 segundos, muitos jogadores da NBA foram às ruas para se manifestar.

Malcolm Brogdon, armador do Indiana Pacers, foi um dos jogadores da NBA que saiu às ruas para os protestos.

Gustavinho acredita que os grandes jogadores de futebol deveriam se posicionar para que outras lideranças surgissem na luta social no esporte. “Eles já estão na luta há muito tempo. E acredito que personagens com a relevância de atletas da NBA, como Lebron James e outros, eles podem servir de espelho para outros jogadores. Primeiro, para colherem mais informações e depois terem a coragem para se posicionar contra injustiças que são cometidas contra diversos grupos”, afirmou.

Durante os protestos, atletas brasileiros também assinaram o manifesto ‘Esporte pela Democracia’, que contou com o comprometimento de nomes como Walter Casagrande, Gustavo Kuerten Raí, Ana Moser, Fabi Alvim, Isabel, Serginho, Joanna Maranhão e Igor Julião.

Gustavinho Lima, que quando venceu a Liga Ouro com o Corinthians conquistando o acesso para o NBB (Novo Basquete Brasil) utilizou uma camisa com a frase “Quem matou Marielle?”, também é um dos integrantes do movimento.

“Se os grandes jogadores de futebol se manifestassem a favor da democracia e contra essas injustiças que vêm acontecendo dia após dia no nosso país, eu acho que legitimaria e ganharia força para outras pessoas conseguirem se manifestar também”, completou Gustavinho.

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Luca Machado
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“Entre milhões de views e milhões de ninguém viu”/Jornalista, 24/Twitter: @lucamachado98