Por que os jogadores estão voltando mais cedo para o Brasil?

O retorno de futebolistas de alto nível marcou as últimas temporadas do Campeonato Brasileiro

Raphael Dafferner
O Contra-Ataque
6 min readDec 8, 2021

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Por Raphael Dafferner e Arthur Pessoa

William assina com o Corinthians (Foto: reprodução Twitter)

Filipe Luís, Willian, David Luiz, Douglas Costa, Luiz Adriano, Rafinha e Diego Alves.

Todos esses jogadores retornaram ao Brasil mais cedo que o esperado, ainda com mercado para continuar jogando na Europa.

Para quem é mais velho, a volta de atletas ainda jovens para o Brasil não é novidade. Nos anos 90 e 2000, isso era bem comum, na verdade. Vale lembrar dos casos de Edmundo e Romário, que, no auge, resolveram retornar ao Brasil, para o Vasco e Flamengo, respectivamente.

Romário enquanto jogava no Flamengo (Foto: Reprodução)

O que acontece, porém, é que desde os anos 2000 casos como esses foram se tornando cada vez mais raros no futebol brasileiro, e os jogadores têm saído cada vez mais cedo, e voltado cada vez mais tarde, somente para a aposentadoria.

Daniel Alves ao lado de Kaká em sua apresentação no São Paulo (Foto: Marcos Ribolli)

Um caso simbólico é o do Daniel Alves — que agora retorna à Europa, para jogar novamente no Barcelona -, que saiu do Bahia após uma temporada jogando profissionalmente pelo clube e retornou ao Brasil apenas com 36 anos, depois de cerca de 15 anos jogando na Europa.

Mas aí resta a dúvida: essa volta precoce dos jogadores é uma tendência que veio para ficar ou se é só uma coisa de momento, como foi a contratação de técnicos portugueses, após o sucesso de Jorge Jesus no Flamengo?

A resposta para essa questão não é um consenso entre os especialistas.

Bruno Bonsanti, da Central 3, acredita que isso é uma coisa passageira, e que o futebol brasileiro, por ser muito desorganizado, não tem como suportar esses retornos por muito tempo.

“Eu não consigo ver um movimento estrutural que facilite a volta de jogadores deste calibre do futebol europeu pro futebol brasileiro”, afirmou Bonsanti.

O jornalista usa como exemplo também a chegada de alguns estrangeiros com muitos anos de Europa –como Honda e Kalou — no ano passado e retrasado.

Já Marcos Luca Valentim, jornalista do esporte da Globo, divergiu, afirmando que os clubes estão ganhando mais poder aquisitivo, se organizando mais financeiramente, que o futebol brasileiro está ficando mais competitivo e que essa mudança veio para ficar.

Valentim disse também que um outro fator importante, e que está mudando de uns tempos para cá, é a vontade do jogador:

“Eu acho que não é uma coisa de momento. Eu acho que alguns clubes começam a enxergar que há possibilidades de trazer esses atletas para cá porque também há por parte do atleta o interesse em voltar.”

O jornalista explicou que, agora, “clubes que estejam organizados financeiramente têm propostas concretas para os atletas, para eles poderem desempenhar seus papéis aqui com a garantia de que vão ser bem pagos, de que há um projeto para ele. Ele vem, possivelmente, para ser ídolo de uma torcida muito grande porque ele tem futebol para isso e o nível aqui é abaixo do lá de fora”.

Mas por que esses retornos?

Há, entretanto, uma unanimidade entre os jornalistas com quem O Contra-Ataque conversou. Todos veem a questão financeira como um ponto central para entender esses retornos.

Bonsanti afirmou que a saúde financeira dos clubes europeus ficou muito prejudicada com a pandemia da COVID-19, fazendo com que alguns clubes tivessem que cortar gastos. Assim, jogadores que não estavam em uma fase tão boa ou não eram titulares absolutos acabaram sendo negociados.

“Tem a saúde financeira dos próprios clubes europeus. O mercado lá está menor nesse momento por causa da pandemia. Muitos clubes tiveram dificuldades financeiras, por exemplo, o Arsenal fez um contrato de 3 anos com o William, salário porque ele estava saindo do Chelsea ao fim do contrato dele, então isso sempre aumenta o salário, ele não estava contribuindo muito bem, pintou essa oportunidade dele ir pro Corinthians e o Arsenal simplesmente liberou o William. E liberou só pro Corinthians, porque também não queria liberar pra um rival direto.”

Marcos Luca Valentim vê a mesma questão de uma perspectiva diferente. O jornalista acredita que a saúde financeira dos clubes brasileiros acabam sendo o ponto central.

Valentin diz que, agora, os clubes acabaram melhorando financeiramente, conseguindo negociar jogadores que estão em alta com os clubes europeus, não mais somente aqueles em fim de carreira.

Ou seja, eles não tinham mais espaço em times que sempre disputam títulos, como Bayern, Juventus ou até mesmo o Arsenal. No entanto, ainda conseguiam continuar na Europa se procurassem clubes menores ou times de ligas menos expressivas.

David Luiz em enquanto jogava no Arsenal (Foto: Daniel Leal-Olivas/AFP)

Um bom exemplo disso é o zagueiro David Luiz, que tinha proposta para jogar no Benfica, de Portugal, mas preferiu o Flamengo.

Então, se esses jogadores ainda podiam continuar na Europa, onde se ganha melhor e se tem, teoricamente, mais visibilidade, por que eles resolveram retornar ao Brasil?

Isso se resume, basicamente, em dois fatores.

Torcida

Uma coisa em comum entre esses jogadores é a faixa etária com que resolveram sair do Brasil: na maioria das vezes muitos novos.

Dessa forma, com pouco tempo de futebol nacional no currículo, há pouca identificação da torcida com esses jogadores, o que prejudica suas carreiras.

Algo importante de se pontuar é que, como esses jogadores são de alto nível, eles acabam, consequentemente, disputando ou sendo cotados a disputar vagas na seleção brasileira.

Assim, com uma população brasileira que acompanha mais o futebol nacional que o internacional — e às vezes nem sabe quem são os jogadores que jogam fora e tiveram passagens rápidas pelo Brasil — esses atletas começam a ser contestados — e muitas das vezes injustamente — quando são convocados.

“Um exemplo para mim muito nítido foi o Hulk. Quando ele estava no auge da sua carreira, ele nunca foi unanimidade, sempre foi questionado: ‘Ah, mas o Hulk ele só é forte. Ah, mas o Hulk na seleção nunca rendeu de verdade’. Hoje, jogando muita bola no Atlético Mineiro, as pessoas clamam que ele seja convocado pela seleção, porque há essa coisa do ‘estar mais próximo’. Nem todo mundo acompanha o futebol lá fora”, afirma Valentim.

O peso da Amarelinha

Ronaldo fazendo gol na final da Copa de 2002, última vez que o Brasil conquistou o torneio (Foto: AFP)

O segundo fator tem uma forte relação com o primeiro, e é a vontade de voltar a vestir a camisa da amarelinha.

Como o atual treinador da seleção brasileira, o Tite, olha muito para o futebol nacional, muitos jogadores que não estavam em suas melhores fases na Europa perderam espaço na equipe.

Dessa forma, esses jogadores passam a ver o campeonato brasileiro como uma vitrine para retornar à seleção e, quem sabe, disputar a Copa do Mundo no Catar em 2022.

Desde a primeira convocação de 2020 para as Eliminatórias da Copa até agora, 16 jogadores diferentes que atuam no Brasil já foram convocados (Weverton, Gabriel Menino, Rodrigo Caio, Everton Ribeiro, Santos, Pedro, Thiago Galhardo, Gabigol, Dani Alves, Miranda, Edenílson, Arana, Hulk, Éverson, Artur, e Gabriel Chapecó).

Para a Copa América de 2021, 4 nomes foram convocados (Weverton, Léo Ortiz, Everton Ribeiro e Gabigol). Ou seja, contabilizando no total, desde 2020 até agora, 17 jogadores que atuam no Brasil foram convocados para seleção brasileira.

Quanto aos clubes destes jogadores, o Flamengo foi o time com mais jogadores convocados (4), seguido por Atlético Mineiro (3), Palmeiras, Internacional, São Paulo e RB Bragantino (2) e, por último, Grêmio e Athletico Paranaense (1).

Outro fator importante de se considerar é o fato de que ano que vem fará 20 anos que o Brasil não ganha uma Copa do Mundo, o segundo maior jejum de copas da seleção desde 1958 — perdendo somente para os 24 anos entre as copas de 70 e 94 — , ano em que a canarinho venceu o torneio pela primeira vez.

“Quando você traz o David Luiz, por exemplo, na minha cabeça está muito nítido que ele quer voltar à seleção. Futebol para isso ele tem”, afirmou Marcos Luca Valentim.

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