Protestos na Colômbia refletem no futebol

As manifestações em oposição ao governo de Iván Duque fizeram com que partidas da Libertadores e a Copa América no país fossem canceladas

Lucas Mao
O Contra-Ataque
5 min readMay 28, 2021

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Por Lucas Martins Alves de Oliveira e Raphael Dafferner

Manifestante é agredido em Bogotá (Foto: Luísa Gonzalez)

No fim do mês de abril, uma onda gigantesca de protestos tomou conta da Colômbia. Em um primeiro momento, a revolta da população era contra a reforma tributária proposta pelo governo de Ivan Duque e que iria ser votada no Congresso. A mudança no sistema de tributação revoltou os colombianos por alguns pontos como o aumento de impostos sobre produtos básicos, o que afetaria as classes mais pobres, principalmente durante uma pandemia que abalou a economia global.

Após 5 dias de protestos, outra pauta se ganhou atenção dos manifestantes: a violência policial. Na primeira semana de manifestações, 24 pessoas foram mortas e 800 foram feridas pelas forças policiais. Aviso: os vídeos são assustadores.

Protestos têm violência policial na Colômbia (Créditos: BBC News)

No dia 2 de maio, o presidente colombiano pediu para que a reforma tributária fosse retirada da pauta do congresso, entretanto, os protestos seguiram em várias partes do país. Em uma reunião com alguns líderes do governo no dia 6 de maio, manifestantes pediram a desmilitarização das cidades, e punição dos responsáveis pela violência institucional e a garantia do direito ao protesto.

Porém, assim como muitos problemas na América latina, o buraco é bem mais embaixo. Historiadores defendem que os protestos na Colômbia são também resultado de anos de violência às populações indígenas e aos negros, tendo como raiz a violência do próprio colonialismo.

Essa repressão foi vista em Cali no dia 9, quando pessoas de classe média e alta, juntamente com policiais, atiraram contra manifestantes indígenas que protestavam contra o presidente Iván Duque.

De acordo com a ONG Indepaz, até o dia 26, já foram contabilizadas 60 mortes.

Os protestos refletem no futebol

As consequências dos protestos já começaram a aparecer no meio do futebol. Pela terceira rodada da Libertadores, o Fluminense enfrentou a equipe do Junior Barranquilha. O jogo estava marcado para acontecer no Estádio Metropolitano Romelio Meléndez, em Barranquilha. Entretanto, por conta das fortes manifestações e por conta das pressões da própria torcida organizada do Junior para que o jogo não acontecesse, a partida foi realocada para o Equador.

Além disso, a partida do dia 12, entre Junior e River Plate, teve de ser paralisada por conta do gás lacrimogêneo que foi lançado pela polícia contra os manifestantes que protestavam ao redor do estádio. O gás invadiu o gramado e afetou os jogadores dos dois times. O jogo teve de ser paralisado por dois minutos por conta desse incidente. A mesma situação aconteceu um dia depois, 13 de maio, no jogo entre América de Cali e Atlético MG.

Jogo da libertadores é adiado por conta de gás lacrimogênio (créditos: ESPN)

Além da Libertadores, a Copa América também foi influenciada pelos protestos. A competição que seria sediada na Argentina e na Colômbia, está prevista para ocorrer entre os dias 13 de junho e 10 de julho deste ano. Porém, com o intenso posicionamento por parte dos manifestantes contra a realização do campeonato e a escalada da violência no país, a Conmebol decidiu que a Copa América será sediada apenas na Argentina.

Os colombianos que se posicionavam contra a o campeonato, argumentavam que não havia clima para os jogos da Copa América no país. Em protestos no país no dia 19, por exemplo, foi avistado várias vezes a frase “Se não há paz, não há futebol”, que virou um símbolo da luta dos ativistas.

Imagem: Getty Images

O presidente Iván Duque, por outro lado, fez um enorme esforço para que o torneio acontecesse em solo colombiano, pois isso traria uma boa imagem para o país, de uma Colômbia renovada, pacífica e pronta para receber turistas.

Nessa quebra de braço, entretanto, quem venceu foi a população. Iván Duque pediu para a Conmebol que o campeonato fosse adiado por um mês, porém a entidade que controla o futebol sul-americano rejeitou a proposta.

Essa decisão só mostra como o povo colombiano tem ainda muita força para lutar.

Manifestações dos jogadores

Desde que a violência começou a aumentar, grandes jogadores colombianos vieram prestar seus apoios ao país natal. Porém, na maioria das vezes, as declarações não eram de maneira tão incisiva, pedindo apenas o fim da violência, mas sem criticar o presidente Iván Duque.

Entre os atletas que se posicionaram , estão (clique no nome para ver a postagem) Miguel Borja, James Rodriguez, Yerry Mina, David Ospina, Davinson Sanchez, Santiago Arias, Camilo Zuñiga, Carlos Sanchez, Duvan Zapata e Radamel Falcão.

Entre os jogadores, o destaque foi Carlos Valdes, jogador do Indepidentende Santa Fé e da Seleção Colombiana. O defensor tem sido bem incisivo em suas críticas feitas ao governo de Ivan Duque através da sua conta no Twitter.

O Contra-Ataque conversou com Eduardo Souza Gomes, doutor em História Comparada pela UFRJ e especialista em temas que envolvem a Colômbia. Gomes falou sobre sobre a neutralidade politica dos jogadores colombianos.

“No geral, os jogadores não são, historicamente, nem atualmente, jogadores que se colocam com grandes posicionamentos políticos de contestação. É muito similar ao que acontece no Brasil”, afirmou o doutor

Eduardo Souza Gomes acredita que a falta de posicionamento dos atletas colombianos tem a sua origem em um problema que também acontece no Brasil, a dissociação entre esporte e educação.

“Isso (a despolitização dos jogadores) tem muita relação com a questão da relaçaõ do esporte com a sociedade colombiana, que não é necessariamente vinculada à educação de base. Às vezes você tem que escolher entre a educação e o esporte. Isso faz com que o futuro atleta tenha mais ou menos conscientização em determinados assuntos”, complementou Gomes.

O doutor em História pela USP Marcel Tonini, que O Contra-Ataque também conversou, vai na mesma linha que Gomes. Ele disse que essa falta de posicionamento muito presente nos jogadores ocorre, principalmente, porque se construiu uma ideia de que futebol e política estão em pólos opostos e não se conversam, além do medo por parte dos atletas de se queimarem.

“Diria, como exercício antropológico, que seria importante todos nós tentarmos nos colocar na posição e pensar com a cabeça das pessoas com aquelas origens, experiências de vida e trajetória, procurando compreendê-las ao invés de julgá-las.”, explicou.

Situação Atual

Os protestos seguem acontecendo nas ruas de Bogotá de diversas outras cidades do país. As conversas entre os manifestantes e os representantes do governo não apontam para uma resolução da crise em um curto período de tempo.

No dia 17 de maio, o presidente Ivan Duque anunciou que vai acabar com os bloqueios nas estradas da Colômbia, montados pelos manifestantes. Duque afirmou que irá mobilizar as forças de segurança em parceria com os governos locais para “garantir os direitos humanos”.

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