Quando o pior da política se mistura ao futebol

O que era para ser um grande clássico entre os maiores de Minas acabou se tornando palco de uma homofobia lamentável

Henrique Sales Barros
O Contra-Ataque
4 min readSep 17, 2018

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Lucas Moura, Felipe Melo, minoria (esperamos que seja) da torcida do Galo… Foto: Reprodução

“Ô cruzeirense, toma cuidado, o Bolsonaro vai matar veado”

Tal canto foi entoado por torcedores do Galo nas arquibancadas do Mineirão no clássico entre Atlético Mineiro e Cruzeiro. O jogo, que reunia duas grandes equipes do futebol brasileiro e teve atuações de destaque dos goleiros de ambas as equipes, acabou ficando em segundo plano graças a este episódio lamentável.

Vivemos falando de racismo no futebol, desde as bananas que são arremessadas em jogadores negros, passando pelas imitações de macaco nas arquibancadas, e chegando até o velho estereotipo preconceituoso que sempre aparece em época de Copa do Mundo de que as seleções africanas são pura correria e tem pouca técnica e organização só por serem seleções vindas da África. O que faz então o torcedor médio brasileiro, que tanto repudia o racismo, entoar cânticos homofóbicos tão lamentáveis?

Seja com gritos de “Bicha!” ou com o clássico “Gaúcho da o c* e fala tchê”, o ato de rebaixar o outro com dizeres homofóbicos infelizmente está longe de acabar no futebol brasileiro. “É brincadeira, pô!”, vão dizer alguns. Brincadeira é você tirar sarro do seu amigo clubista que jurou de pés juntos que o time dele ia vencer o jogo ou dar aquela cutucada naquele parente chato que ficou te enchendo o saco a semana inteira e nessa altura do campeonato já está xingando Deus e o mundo depois que o camisa 9 da equipe dele perdeu o possível e o impossível no jogo. Isso que aconteceu nas arquibancadas do Mineirão se chama outra coisa: é intolerância, é discurso de ódio, é tudo, menos brincadeira sadia.

Isso vindo de torcedores de um clube como o Atlético Mineiro, que tem como um de seus ídolos o grande Reinaldo, que se posicionou como pode contra um regime que Jair Messias Bolsonaro passa pano e defende sem medo, deixa esse episódio ainda mais grotesco. Será que esse pessoal esqueceu a história do próprio time? Pensando bem, creio que eles nem a conhecem. Minha total consideração aos outros torcedores desse gigante do futebol mineiro que hoje lamentam saber da existência de gente desse nível nas arquibancadas do Mineirão.

Reinaldo: ídolo do Galo e pelo visto esquecido na cabeça de alguns torcedores. Foto: Reprodução

Bolsonaro não vai matar ‘viado’. O problema do Bolsonaro é que ele, por ser quem é e ser popular, acaba sendo um escudo e porta voz dos instintos mais odiosos de uma parcela da população brasileira que, se pudesse, gostaria de ver os homossexuais daqui na mesma situação que os da Chechênia. E quem dera se o problema dessa galera fosse só com os homossexuais: é com os negros que se empoderam, é com as mulheres que se tornam independentes e não aceitam serem submissas, e por aí vai. Nem todo mundo que vota no candidato do PSL compartilha desse pensamento, mas com toda certeza todo mundo que compartilha dessas ideias aqui no Brasil está amando a ideia de votar em alguém tão representativo ao posto mais alto da política brasileira. Bolsonaro virando presidente é quase que uma carta branca com firma reconhecida e tudo para esse pessoal agir fora da lei contra qualquer coisa que ofenda a moral e os bons costumes da família tradicional brasileira, seja lá o que isso quer dizer. Afinal, se o presidente do Brasil está com nós, quem irá se opor?

Vale aproveitar esse ambiente para falar de uma proposta do próprio Bolsonaro em relação a segurança pública que cai bem nessa questão. “Policiais precisam ter certeza que, no exercício de sua atividade profissional, serão protegidos por uma retaguarda jurídica. Garantida pelo Estado, através do excludente de ilicitude. Nós brasileiros precisamos garantir e reconhecer que a vida de um policial vale muito e seu trabalho será lembrado por todos nós! Pela Nação Brasileira!”. Isso dai é dar salvo conduto para matar, é dar um poder perigoso para uma instituição que se suja todo dia de “casos isolados”. E não adianta falar que o que estou falando é manipulação ou fake news por que não é: está lá no plano de governo do dito cujo, na página 32.

Pedro Aleixo disse no longínquo ano de 1968, se referindo a promulgação do AI-5, algo que vale a pena ser replicado aqui 50 anos depois: “Não tenho nenhum receio em relação ao presidente. Meu medo mesmo é do guarda da esquina”. Cabe a nós, amantes do futebol e defensores da tolerância, fazer desse esporte um ambiente onde ninguém precise temer o “guarda da esquina” que, nesse caso em específico, se veste de torcedor.

A opinião do autor não reflete necessariamente no posicionamento d’O Contra-Ataque

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Henrique Sales Barros
O Contra-Ataque

Estudante de jornalismo na PUC-SP. Colaborador d’O Contra-Ataque.