Quanto vale a vida de uma mulher?

Maria Tereza
O Contra-Ataque
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4 min readMar 5, 2021
A última passagem de Cuca pelo Atlético-MG aconteceu em 2013. Foto: Bruno Cantini/Atlético-MG

Por Gabriel Paes e Maria Tereza

O Atlético-MG anunciou hoje (5 de março de 2021) a contratação de Cuca para assumir a vaga de técnico deixada por Sampaoli no fim da temporada 2020/21. O anúncio de que o treinador, campeão da Libertadores pelo Galo em 2013, estava sendo cotado, gerou revolta em parte da torcida. Isso porque em 1987, o então jogador Cuca foi condenado por estuprar uma menor de idade na Suíça e nunca cumpriu a pena por não poder ser extraditado.

Por causa dos protestos virtuais, Sergio Coelho, presidente do Atlético, teria enviado uma mensagem ao desembargador Alexandre Carvalho, conselheiro do clube, como uma forma de justificar a escolha pelo novo técnico. A suposta conversa entre os dois chegou a vazar nas redes sociais.

O goleiro Jean, acusado de agredir a ex-esposa em 2019, encerrou seu empréstimo ao Atlético-GO no fim do Campeonato Brasileiro e deve retornar ao São Paulo. O clube paulista, por sua vez, já informou que não tem interesse em continuar com o jogador e está negociando sua venda.

Em entrevista coletiva na última quarta-feira (3 de março), o presidente do Bahia, Guilherme Belintanni, falou sobre a possível volta do Jean ao clube. Nas palavras dele, ele “é contra que o ser humano, por mais grave o erro que ele tenha cometido, tenha que levar o crime como pena para a vida inteira”.

Desde que o goleiro Bruno, preso por ser mandante do assassinato de Elisa Samúdio, voltou a jogar bola, o debate sobre a ressocialização de egressos não para. No Brasil não existe pena de morte ou prisão perpétua, ou seja, supõe-se que somos capazes de reinserir na sociedade todos os criminosos, não importa a gravidade de seus crimes.

Os advogados do “mimimi”, inclusive, batem muito na tecla de que ‘se a esquerda é tão a favor de Direitos Humanos, porque é contra o goleiro Bruno voltar a jogar bola?’.

A grande diferença está entre dar uma nova oportunidade de trabalho, que seja digna e de acordo com o cumprimento correto da pena do presidiário, e colocá-lo em uma posição de idolatria, onde crianças e demais torcedores podem não saber do passado daquela pessoa. Quando você ama seu time e quer vê-lo ganhar a todo custo, o passado de quem está dentro de campo pouco importa. Aí é que mora o problema.

No caso dos goleiros Jean e Bruno e do técnico Cuca não está havendo ressocialização, mas sim um apagamento dos crimes cometidos por eles.

Bruno ainda é tietado por torcedores do Flamengo. Foto: Reprodução.

Por que sempre passam a mão na cabeça de homens que não apresentam o mínimo arrependimento? Dentre os que citamos ou mesmo Robinho, Dudu, Juninho… algum deles disse que se arrependeu? Alguém fez algo para mostrar que mudou?

Sempre vai existir uma figura pública de respeito para passar pano para eles porque a maioria das posições de poder são ocupadas por homens que, mesmo com esforço, se mostram incapazes de compreender a situação como um todo.

Belintanni afirmou que não concorda que alguém tenha que levar o crime que cometeu como pena para a vida inteira. Rebatemos o presidente do Bahia com uma pergunta: qual é a pena que qualquer um desses homens está carregando?

O Robinho, que fez parte de uma situação bastante significativa, nem perdeu o contrato com o Santos, foi apenas interrompido. O Jean a todo momento é exaltado nas redes sociais como craque do Atlético-GO. O Bruno até hoje é parado na rua para dar autógrafos e tirar fotos com fãs.

"Eles não devem levar essa pena para a vida inteira". Alguém parou para pensar no peso que as mulheres violentadas levam pelo resto da vida?

Matéria da edição 898 da Revista Placar que conta a história da prisão de Cuca.

Sobre os protetos de torcedores e torcedoras do Galo contra a contratação de Cuca, o clube publicou o seguinte posicionamento:

“Sobre os antigos episódios envolvendo o nome do treinador (e que vieram à tona recentemente), o Clube entende que o assunto está superado, em face das últimas declarações dadas por ele. O Clube Atlético Mineiro afirma confiar no treinador, em suas palavras e, principalmente, em sua conduta: sempre proba e séria, inclusive durante o período em que treinou o nosso time. O Clube afirma, ainda, ter absoluto respeito pelas mulheres, defende a bandeira da igualdade e repudia qualquer ato de violência ou discriminação, contra quem quer que seja”.

O assunto está superado. Mais uma vez, rebatemos com uma pergunta:

Superado pra quem?

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Maria Tereza
O Contra-Ataque

Jornalista formada pela PUC-SP, são paulina e fã do Adam Sandler.