Quantos palmeirenses fanáticos existirão no futuro?

Carta aberta de repúdio à mercantilização da torcida alviverde

João Abel
O Contra-Ataque
6 min readMar 22, 2018

--

Diretoria mandou recado: nossa ‘arena’ não é para qualquer palmeirense. Teremos torcida popular no futuro? (Foto: Forza Palestrina)

Quando a bola rolar para Palmeiras e Alianza Lima, no dia 3 do mês que vem, o Estádio Palestra Italia vai conhecer o momento de maior segregação que a torcida do Palmeiras já viu em sua história. CENTO E OITENTA REAIS é o preço do ingresso mais barato para acompanhar o time dentro da ‘arena’, segundo tabela divulgada pelo clube. 400 é o valor do mais caro.

Um aumento de 100% em relação ao que o Palmeiras costuma cobrar em outros jogos: os já absurdos R$ 90 para o ‘setor popular’ do estádio, o Gol Norte, onde se concentram as torcidas organizadas.

Um exemplo real do que o Palmeiras pode se tornar no futuro vem da Inglaterra. Desde que inaugurou o Emirates Stadium, em 2006, o Arsenal viu suas receitas de bilheteria dispararem, superando até mesmo clubes bem mais tradicionais da Europa, como Barcelona, Real Madrid e Bayern de Munique.

O ticket mais caro do clube londrino chega a custar R$ 570. Fora os gastos no interior do estádio, onde um pedaço de torta + chá inglês custam cerca de R$ 35. Apesar da arena lotada em quase todos os jogos, a elitização trouxe seu triste ônus: o Emirates virou um teatro. Não há mais pulsação ou euforia verdadeira na torcida dos Gunners, que não têm uma campanha relevante desde o vice-campeonato da Champions na temporada 05–06.

“Eu frequentei o final da era Highbury, antigo estádio do Arsenal, e posso confirmar que o clima era bem mais legal do que no Emirates. O Emirates é muito mais confortável, maior, mas ficou mais frio. Ficou um negócio sem alma. A torcida do Arsenal é muito decepcionante” — João Castelo Branco, correspondente da ESPN Brasil em Londres

Da Alemanha podemos tirar a lição contrária. Com a maior média de público do mundo (80.558 torcedores por partida), o Borussia Dortmund criou um setor popular no Signal Iduna Park com ingressos na casa dos R$ 60, valor que representa 1% do salário mínimo do país alemão (R$ 6.043). Destinar uma parcela dos ingressos do Allianz Parque a R$ 10 ou R$ 20, em um país onde o salário mínimo não passa de R$ 1 mil, realmente atrapalharia as finanças do Palmeiras?

Mesmo no Brasil, há como conciliar uma boa renda de bilheteria com ação social. O Internacional já criou um plano específico para quem ganha até dois salários mínimos, estudantes de escola pública ou cadastrados em programas sociais do governo federal. Há uma cota mínima para essa modalidade inclusive em jogos de grande procura. Isso é se preocupar com o futuro de uma torcida.

exi
São raros os jogos com preços mais acessíveis, em geral apenas quando o Palmeiras sai do Allianz para mandar partidas no tradicional Pacaembu. Imagens de SEP x Coritiba, no ano passado (Fotos: Gabriel Paes)

No Palmeiras, a média de público como mandante fica perto dos 32 mil. O que significa dizer que existem, em média, 8 mil lugares vazios por jogo. Claro, naquelas partidas consideradas menos importantes. Mas, mesmo nestas, não existe qualquer mobilização para trazer o torcedor mais pobre ao estádio. Quantos deles não poderiam estar acompanhando o jogo de perto? Sentindo ao menos uma vez a conexão mais próxima que pode existir entre time e torcida.

Para agravar ainda mais a situação, a bolha do Allianz Parque cresceu e se estendeu à rua Palestra Italia (ex-Turiassú), onde um cerco da Polícia Militar, com assinatura da presidência do Palmeiras, proíbe que torcedores ‘comuns’ façam a festa ao lado do próprio estádio. O isolamento levou à criação do Ocupa Palestra, movimento contra a interdição da PM e pela devolução do espaço palmeirense a quem ele realmente pertence.

Nosso torcedor não é trouxa. E, felizmente, boa parte da torcida parece acordar para o preço abusivo imposto pela diretoria alviverde.

“Ajuda nóis ai! Ta osso passar o amor de um Palmeirense p seus filhos em uma arquibancada! Fora que, o verdadeiro apaixonado está de fora da festa… infelizmente…” — Will, palmeirense e membro de organizada, em mensagem à equipe d’O Contra-Ataque

Anúncio dos preços gerou revolta de torcedores (Reprodução/Facebook)

Ver o porco na Libertadores é mais caro que assistir a um jogo do Real na Champions, segundo a Veja. O Palmeiras, em sua administração clube-empresa, se tornou um time que põe a grana à frente da própria torcida. Vivemos em tempos onde o dinheiro é tão endeusado que há torcedores comemorando balanço financeiro do clube. “Pô, meu time faz dois milhões de renda todo jogo, e o seu?”. “A gente tá com as contas em dia e vocês aí devendo estádio”. “Meu time é rico, compra quem quiser”. Incorporamos a lógica do mercado até mesmo na provocação ao rival, e isso é a morte da paixão verdadeira de uma torcida.

No mundo perfeito dos dirigentes, basta que existam 40 mil palmeirenses dispostos a sentar a bunda das cadeiras do Allianz Parque em todos os jogos, comprar as camisas oficiais da Adidas, gastar seu dinheiro nas lanchonetes do estádio e publicar o nome do Palmeiras no Instagram. Nada contra essas pessoas. É direito delas estar lá. Mas quando torcedores apaixonados, fanáticos pelo Palmeiras, se veem impedidos de assistir a uma partida de 1ª fase da Libertadores por não terem como pagar o ingresso, algo está muito errado.

“É uma lógica burra, a atmosfera de um estádio depende sempre do setor popular, quando ele deixa de existir o futebol morre, perde seu maior protagonista.” — Gabriel Santoro, torcedor palestrino, em texto divulgado nas redes sociais

Num futuro bem próximo (se é que ele já não chegou), vamos ouvir pessoas dizerem que quem não é sócio-torcedor não é palmeirense de verdade, não merece vestir nossas cores ou pisar no nosso estádio. E essa será a vitória da relação comercial sobre a relação passional no futebol. Só não esqueçamos que o elo é mais frágil quando envolve dinheiro. Cancelar uma compra ou trocar de marca é muito fácil. Mas carregar o amor por um clube vai bem além disso. E só vamos construir uma torcida apaixonada e fanática para as próximas gerações se houver oposição radical à linha elitista que a S.E.P. adotou.

Nosso país ainda é essencialmente desigual. Não se faz um clube de massa, que tenha o apoio incondicional da torcida, se afastando da camada popular. Um dia, a ficha dos dirigentes vai cair. O Palmeiras do povo resiste, enquanto as marionetes seguem batendo palma quando o locutor anuncia a renda.

Esse texto foi escrito por um palmeirense e é direcionado ao Palmeiras, mas se estende a todos aqueles que se opõem à elitização nos estádios. O CONTRA-ATAQUE luta por um futebol brasileiro mais popular.

A opinião do autor não reflete necessariamente no posicionamento d’O Contra-Ataque

--

--

João Abel
O Contra-Ataque

jornalista, autor de ‘BICHA! homofobia estrutural no futebol’ e coautor de ‘O Contra-Ataque’