Quem quer ser lembrado como o time que ajudou Bolsonaro?

Raphael Dafferner
O Contra-Ataque
Published in
6 min readJan 29, 2021

O presidente busca, assim como outros líderes populistas na história, crescer em cima de clubes de futebol

Por Raphael Dafferner e João Kerr

Na sexta-feira (22), o presidente Jair Bolsonaro visitou o treino do Flamengo, em Brasília. Na ocasião, cumprimentou todos os jogadores do clube rubro-negro e fez algumas piadas que arrancaram altas risadas dos atletas do time carioca. Essa visita, entretanto, não surpreendeu ninguém.

Desde que assumiu a presidência da República, cenas nas quais Jair Bolsonaro tenta, por meio do futebol, se autopromover, tornaram-se frequentes. No início, utilizava-se principalmente do Palmeiras, seu “time de coração”, para suas investidas. O caso mais claro ocorreu em 2018, logo após vencer a eleição presidencial. Na ocasião, Bolsonaro, vestindo o uniforme do verdão, assistiu ao jogo entre Palmeiras e Vitória pelo campeonato brasileiro, entrou em campo após o apito final e levantou a taça de campeão brasileiro junto com o time alviverde.

Bolsonaro levanta a taça de campeão brasileiro como o time do Palmeiras
Para ler a carta, acesse o perfil d’O Contra-Ataque no Instagram.

O presidente se aproveita tanto da imagem do Palmeiras que, recentemente, alguns torcedores do verdão lançaram uma carta aberta ao Presidente do clube, Maurício Galiotte, pedindo para ele “não endossar qualquer tipo de ação que coloque o clube sob o jugo de ações populistas e oportunistas por parte do presidente da República, Jair Bolsonaro, na ocasião da grande final da Copa Libertadores da América da presente temporada [que ocorre neste sábado, dia 30, no Maracanã]”.

A boa notícia para o torcedor que concorda com a carta é que, mesmo que esteja presente no Maracanã, Bolsonaro não poderá entrar no campo para entregar a taça ao capitão do time campeão.

Isso porque, de acordo com o novo protocolo divulgado pela Conmebol, nenhum convidado poderá pisar no gramado durante a comemoração do campeão, nem entregar a taça. Somente jogadores, integrantes da comissão técnica e alguns membros diretivos poderão ficar no campo.

Portanto, o que ocorreu em 2018, quando o Palmeiras conquistou o título brasileiro, não poderá se repetir.

Porém, Bolsonaro não se limita somente ao seu “time de coração”. Antes disso, ele já postava várias fotos em suas redes sociais trajando camisetas de diferentes clubes do Brasil, algo que ele faz até hoje. Em suas lives semanais, por exemplo, ele já apareceu com o uniforme do Sampaio Correa e da Seleção Brasileira, além de dar diversas entrevistas usando camisas de diferentes equipes.

Em um rápido levantamento, foi possível achar fotos do presidente usando ou pousando ao lado da camisa de 52 times diferentes, incluindo clubes do exterior, seleções e as equipes nacionais.

Bolsonaro vestindo a camiseta de clubes de diferentes regiões do Brasil

Um de seus preferidos é o Flamengo e não é à toa: o time rubro-negro tem a maior torcida do Brasil — e do mundo, se se considerar apenas os torcedores no país do clube –, com cerca de 40 milhões de apoiadores (20% da população brasileira), de acordo com o Datafolha.

O populismo de Bolsonaro, no entanto, é tão grande que o fez deixar até mesmo a rivalidade do seu próprio “time de coração” de lado. O presidente já usou, diversas vezes, a camisa do Santos e até mesmo a do Corinthians — segunda maior torcida do Brasil, com cerca de 28 milhões de torcedores, a qual representa 14% da população brasileira –, o maior rival do Palmeiras.

Presidente vestindo a camisa do Corinthians

Esses fatos provam como Bolsonaro, de fato, utiliza-se dos times de futebol para buscar apoio e mistura futebol com política do jeito errado.

Entretanto, não se engane, meu caro leitor. Bolsonaro não inventou essa tática. Ela, na verdade, é bem comum entre outros líderes populistas autoritários.

Na Alemanha Nazista, por exemplo, Goebbels aproveitou-se da boa fase do Schalke 04 para promover o regime nazista. O clube de Gelsenkirchen foi até considerado um clube ariano, apesar de Hitler não se interessar por futebol.

Já na Espanha de Francisco Franco, o Real Madrid, por ser um time bem popular, foi beneficiado pelas medidas estatais do general. Uma das principais benesses foi a ajuda na construção do Estádio Santiago Bernabéu e, se hoje o Real é o maior vencedor da Champions, se deve à ajudinha de Franco, que impulsionou a conquista de 5 títulos continentais do clube.

Todavia, a Itália de Benito Mussolini é a mais semelhante com o Brasil de Bolsonaro, nesse quesito. Assim como Hitler, o Chefe de Estado da Itália Fascista não era um grande entusiasta do futebol, mas isso não o impediu de utilizar-se da imagem de vários times para promover o fascismo, como o Bologna, a Lazio e a Roma — cuja equipe Mussolini ajudou a fundar, inclusive. Contudo, a Lazio foi a que se destacou.

Pelo fato de a maioria dos torcedores, e da própria diretoria, terem gostado das investidas do ditador, Mussolini tornou-se um sócio do clube.

Manifestação fascista de torcedores da Lazio, em 2019

A torcida da Lazio até hoje é considerada uma das mais fascistas do mundo. Em abril de 2019, por exemplo, torcedores do clube italiano exibiram uma faixa saudando Mussolini, com a frase: “Honra a Benito Mussolini”.

Em 2005, o ídolo da Lazio, Paolo Di Canio, fez uma saudação fascista enquanto comemorava a vitória contra a rival Roma. Na ocasião, o ex-jogador foi bem criticado na Itália, mas recebeu elogios da neta do ditador, Alessandra Mussolini. A atitude fascista, no entanto, gerou apenas uma multa de 10 mil euros ao jogador, na época.

A punição foi pouca. Até porque, em outra ocasião no mesmo ano, o meio-campista fez a mesma saudação a torcida do time Biancocelesti, dessa vez em uma derrota para o Livorno, time identificado com a esquerda, por 4x0. Sobre essa ocasião, o fascista comentou o seguinte: “Se nós estivéssemos nas mãos dos judeus, seria o fim”. Nessa ocasião, a Lazio foi multada em 8 mil euros e o jogador em mais 10 mil euros, igual da primeira vez.

Na partida seguinte, contra a Juventus, o meia, mas uma vez, repetiu o gesto fascista, recebendo a punição de apenas um jogo.

Saudação Fascista de Paolo Di Canio contra a Roma, em 2005

Sobre o Mussolini, é importante ressaltar, porém, que o ditador não era torcedor da Lazio, mas vinculou-se ao clube pelo espaço que lhe foi dado.

As semelhanças, de fato, são gritantes. Bolsonaro faz, e vai continuar a fazer, assim como outros líderes na história, ações populistas com a intenção de aproximá-lo do futebol. Cabe agora aos dirigentes dos clubes brasileiros, não deixarem esse presidente, que carrega o peso de mais de 200 mil mortes na pandemia, se aproveitar de equipes cujas imagens são muito maiores do que a dele para se autopromover.

Ou, se não fizerem o óbvio, podem ser como a Lazio, e ficarem marcados para sempre na história como o time que ajudou um líder em um momento tão nefasto como esse no qual o mundo se encontra.

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