Quem são os verdadeiros donos do São Paulo?

Maria Tereza
O Contra-Ataque
Published in
7 min readDec 23, 2021

“Fiquei sabendo [do golpe] pelas influências na internet e contatos dentro do futebol que a página [QG Clube da Fé] me trouxe. De primeiro momento, foi um choque e a ficha começou a cair só agora. Eu entrei no Morumbi e comecei a chorar lá dentro porque estão matando o São Paulo. O São Paulo é o meu bem maior, é a razão da minha vida. Então, se matarem o São Paulo, vão me matar também.” — Caio, administrador da página QG Clube da Fé.

O dia 16 de dezembro de 1935 é uma data de extrema importância para os são paulinos. Chame você de refundação ou de retomada das atividades do clube, o fato é que nesse dia, o São Paulo, fundado oficialmente em 25 de janeiro de 1930, renasceu após um período de conturbação política relacionado às discussões na época sobre a profissionalização do futebol. E por uma terrível ironia do destino, escolheram a mesma data, 86 anos depois, para transformar o tricolor paulista em um dos clubes mais anti-democráticos do Brasil.

Na última quinta-feira, a diretoria e os conselheiros do clube se reuniram virtualmente, para votar 24 mudanças no estatuto. As principais propostas diziam respeito ao retorno da reeleição para presidência, diminuição do número de conselheiros — que são quem tomam as decisões, já que as eleições no São Paulo são indiretas — e o aumento do mandato destes conselheiros de três para seis anos. De forma prática, o objetivo era mudar as regras enquanto o jogo acontecia e deixar o poder na mão de (ainda) menos pessoas. E tudo isso feito de forma sigilosa, sem transmissão.

“O São Paulo está voltando pros anos 1930. Hoje é uma data muito simbólica por causa da refundação do clube, mas hoje também pode estar ocorrendo o fim do São Paulo como nós conhecemos. O São Paulo que eu conheci, vencedor, que agregava fora de campo, não existe mais. E eu estou aqui, com outros torcedores, lutando por isso, para que o São Paulo volte a ser aquele que me fez tornar torcedor.” — Leandro Portela, administrador da página Mundo São Paulino.

Da mesma forma que em 1935, um grupo formado por 15 são paulinos se reuniu para lutar pelo retorno do São Paulo aos gramados, agora, em 2021, cerca de 60 torcedores compareceram ao portão 17 do Morumbi no fim da tarde da última quinta-feira para protestar contra a reforma estatuária. Um movimento que se organizou nas redes sociais, sem o apoio das principais torcidas organizadas do time.

“Estou aqui por estar preocupado com a situação do São Paulo, não só com a questão do futebol, mas com as pessoas que comandam lá dentro. Eles estão fazendo parecer que o clube é só deles, quando na verdade o clube é da torcida. Já está preocupante há alguns anos, mas vem piorando. Tá agonizante, tá difícil.” — Rodrigo, torcedor ‘comum’.

Por que chamamos de golpe

Os torcedores foram ao Morumbi carregando cartazes que diziam “Golpe não!” e “Separa São Paulo”. Eles alegam que a mudança de estatuto é um golpe político por ser feita sem a participação da torcida e porque diminui o poder de decisão, que já era concentrado na mão de poucas pessoas.

“A gente sabe que o grupo político que está no São Paulo está no comando há muito tempo e deles não esperamos coisa boa. Então, é a perpetuação de um poder podre e nojento que quer acabar com o clube”, opinou Caio.

“Eles querem fechar o clube para eles e acho que isso não é nenhum pouco democrático. Fizeram a reunião online, de uma forma que não vamos saber quem votou a favor ou contra. Mas o estatuto diz que uma votação só pode ser confindencial caso esteja relacionada a uma pessoa lá dentro, para decidir sobre uma punição. Fora isso, tem que ser disponível para todos”, criticou Rodrigo.

Os manifestantes também pediam pela separação da administração do futebol e do clube social, uma pauta que é comum entre torcidas de diversos times pelo Brasil.

“Minha primeira vez em um protesto”

Apesar de protestos serem muito comuns no mundo do futebol, principalmente quando a torcida está insatisfeita com o que é apresentado dentro de campo, muitos dos que foram ao Morumbi estavam participando de uma manifestação relacionada ao time pela primeira vez.

“É a minha primeira vez, nunca fui em protesto na Barra Funda [onde fica o Centro de Treinamento do time]. É legal ver esse movimento dos torcedores ‘comuns’, já que a principal Organizada do clube não quis comparecer”, disse Igor, administrador da página SPFCpics.

Os manifestantes aproveitaram que um jogo de basquete aconteceria no ginásio do Morumbi, pela NBB, e foram para lá estender suas faixas e cartzaes durante a partida entre a equipe tricolor e o Mogi.

Qual é a solução para a crise no São Paulo?

Das 24 sugestões de mudanças no estatuto, 14 passaram — entre elas, a possibilidade de reeleição e a extensão do mandato dos conselheiros (clique aqui para ver o documento com todas as propostas). Elas ainda precisam ser aprovadas em outra votação, feita pelas associados do clube, que deve ocorrer em menos de 45 dias, para de fato passarem a valer.

A principal justificativa da diretoria para a reforma estaturária é que é necessário tempo para desfazer os males que levaram o São Paulo a atual crise financeira e futebolística. No último relatório divulgado pela direção do clube, consta que o tricolor chegou em setembro de 2021 com uma dívida de R$ 675 milhões. Além disso, o time nunca esteve tão perto de ser rebaixado para a série B pela primeira vez em sua história como neste ano.

Em entrevista coletiva, Olten Ayres, presidente do Conselho Deliberativo, afirmou que “quando nós detectamos a necessidade de fazer essa alteração, nós detectamos pela estabilidade administrativa e financeira do clube, acreditamos com muito conhecimento de causa e da vida do São Paulo que três anos para um conselheiro não o permite exercer a sua atividade em sua plenitude”.

No entanto, não é essa a opinião de quem estava presente no protesto. Eles acreditam que para salvar seu time do coração, antes de mais nada, seja necessária uma participação maior da torcida. Afinal, não faz sentido deixar na mão de 260 pessoas as decisões de um time que possui 15 milhões de torcedores. Torcedores, esses, que são de diferentes raças, gêneros e classes sociais.

“O São Paulo precisa recomeçar. Pegar tudo que está destruído, limpar o terreno e levantar algo novo, com um alicerce, porque ele perdeu isso com o tempo. E para isso, esses caras precisariam sair de lá. Não é só o Casares, não é só o Belmonte. É um grupo, é muita gente que comanda. Não tem situação e oposição, são todos contra o São Paulo”, afirmou Caio.

Parte da torcida acredita que a única saída seja transformar o São Paulo em clube empresa, a exemplo do que aconteceu com diversos times na Europa. Porém, a são paulina Estefany lembra que é preciso ter cautela ao falar desse assunto. “Não adianta fazer isso e não ser bem gerido. Vai depender muito das pessoas que estão ali. Precisa aparecer quem realmente vive o São Paulo, e não do São Paulo”, completou.

“Muita gente deve pensar que não vai adiantar nada. Mas acho que a partir do momento que você não faz nada, já está aceitando a derrota. E a nossa torcida já mostrou que somos fortes. A torcida, como um todo deve se unir. Somos todos um, com um único objetivo: salvar o São Paulo e voltar os tempos de vitória com uma diretoria que pense igual a gente.” — Estefany, torcedora ‘comum’.

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Maria Tereza
O Contra-Ataque

Jornalista formada pela PUC-SP, são paulina e fã do Adam Sandler.