Skate para além das pistas

Leia a entrevista exclusiva com a atleta olímpica Dora Varella e entenda como o esporte ajuda a promover um novo boom de representatividade e inclusão

PedroPina
O Contra-Ataque
7 min readOct 31, 2021

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Trocamos uma ideia rápida com a skatista olímpica Dora Varella, atleta de 20 anos, de São Paulo. Confira:

Dora, encontrei no seu site a frase: “O skate me ensinou muitas lições: torcer pela vitória dos outros não interfere na sua; tratar a todos com respeito independente das diferenças, transforma nossa própria existência; caiu, levanta, como tudo na vida.”.

Vimos skatistas que são contra a entrada da modalidade nas olimpíadas, Você acha que a repercussão mundial do esporte vista nos jogos pode ser prejudicial para o skate?

Yndiara Asp, Dora Varella e Isadora Pacheco( Foto: Site doravarella.com)

Dora Varella: Vejo de uma forma diferente, acho que a repercussão do companheirismo e a camaradagem entre as competidoras e competidores tiveram mais impacto e conseguimos passar uma lição positiva para o público, quebrando a competitividade naturalmente esperada pelos telespectadores que assistiam aos jogos. Com o skate, aprendi a me divertir e competir por amor, com a consciência sobre a importância de torcer pelo próximo e querer que todos se saiam bem, isso eleva o nível do skate e mostra na prática a real essência do esporte. E com os jogos, conseguimos levar o skate para pessoas que nunca tiveram acesso ao esporte antes, e isso é incrível!

OCA: O que você pensa sobre a falta de incentivo do Estado que apoia de forma rasa os futuros atletas brasileiros?

DV: Tenho visto muitas crianças andando e curtindo o skate, isso é incrível. Sobre a falta de incentivo, é triste perceber que isso é o fator responsável para que muitos atletas desistam de suas carreiras, mas acredito e tenho esperança que este cenário mude, já que as olimpíadas trouxe essa visibilidade e também mostrou a importância do incentivo ao esporte, para melhor desempenho e desenvolvimento dos atletas. Mesmo que aos poucos, acho que estamos caminhando para um futuro com mais apoio e espero que um dia, todos os esportistas tenham todos os recursos necessários para nunca desistirem de seus sonhos.

OCA: Por outro lado, como é receber o carinho de crianças que dizem “meu sonho é ser como você”? Muita responsa ou é um sentimento gostoso?

DV: É um sentimento muito bom! Um dia já fui uma criança que sonhava ser uma skatista profissional, e perceber que hoje sou uma inspiração para novos adeptos do esporte, me faz refletir sobre toda minha trajetória e ver como valeu a pena minha dedicação e amor ao skate. Sinto que estou no caminho certo e isso me dá mais impulso para sempre focar em dar o meu melhor e nunca desistir.

OCA: Por fim, gostaria de saber um pouco sobre sua trajetória no skate e se você acredita que as dificuldades serão menores para os atletas pós olimpíadas?

DV: Quando comecei a andar de skate eram poucos os campeonatos que havia a categoria feminino, as premiações entre homens e mulheres era diferente e o investimento de marcas no skate feminino não era suficiente, então não tínhamos um caminho certo a seguir para conseguir viver do skate. Ao longo dos anos isso foi mudando, o cenário foi crescendo e pude presenciar grandes mudanças como se igualar as premiações entre as categorias. Sinto que abri várias portas e hoje em dia temos um cenário muito mais consolidado, claro que ainda temos um longo caminho pela frente! As Olimpíadas abriram as portas para novos patrocínios, interessando mais marcas e empresas a contribuírem no desenvolvimento do esporte. Além de também apresentar o skate para mais pessoas, isso possibilita mais visibilidade, incentivo e mais construções de pistas e rampas, aumentando o acesso do skate para todos.

Pedro Barros mordendo sua medalha de bronze(foto: Site Campeonato de Skate)

Os jogos Olímpicos de Tóquio-2020 apresentaram uma série de novas modalidades. Uma delas foi o Skate de street e park, onde o Brasil esteve muito bem representado e conquistou uma medalha de bronze, com Pedro Barros, e duas de prata, com Kelvin Hoefler e Rayssa Leal.

A nova modalidade olímpica chamou a atenção do público devido ao desempenho muito bom do Brasil. Entre os atletas, Rayssa Leal, a “Fadinha”, de apenas 13 anos conquistou os brasileiros transformando o skate em febre nacional. A medalha de prata fez da atleta um verdadeiro fenômeno, e ainda mais que isso, uma inspiração. Sua performance no Japão inspirou brasileiros de todas as idades, principalmente as crianças.

Segundo dados da CNN Brasil, as vendas do segmento como peças, acessórios e Shapes mais que dobraram em alguns canais de comércio eletrônico e movimentaram as lojas físicas e espaços da atividade, além disso, a procura nas plataformas de busca pela palavra “skate” aumentou 600%, impulsionada principalmente pela Fadinha.

Gráfico do Google Trends mostra o aumento na busca pela palavra ‘skate’ na internet durante as Olimpíadas. O pico de 100 representa uma popularidade repentina.

O esporte vive muito da força dos ídolos, o atleta se torna inspiração para os próximos e, sobre isso, em uma entrevista, Eduardo Musa, presidente da Confederação Brasileira de Skate (CBSK), disse que acredita

“firmemente na possibilidade de o Skate estar passando por um processo parecido com o que o tênis teve desde 1997, com o Guga”.

Luiza Erundina, prefeita da cidade de São Paulo entre 1989 e 1993. ( Foto: Site PSOL)

A importância da representatividade no esporte é essencial para encorajar novos atletas e após as olímpiadas isso finalmente está acontecendo, ao que tudo indica. O Brasil foi um país que criminalizou o esporte, durante os anos 80, mais precisamente em junho 1.988, na gestão de Jânio Quadros. Sair andando de skate foi proibido em São Paulo, em meio a uma onda que ainda é muito estigmatizada pelos mais reacionários. Graças a Luiza Erundina, à época no Partidos dos Trabalhadores (PT), o esporte que hoje é motivo de orgulho para os brasileiros após as olimpíadas foi salvo, a atual deputada federal pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) liberou o esporte logo após se sentar na cadeira da prefeitura no mesmo ano de 1988.

Deixando para trás este passado obscuro e vergonhoso com relação ao tratamento do esporte, é de se surpreender e admirar que nosso país tenha conseguido uma participação memorável na modalidade nas olímpias e ainda deixa a questão de até onde poderíamos chegar se nosso governo apoiasse o Skate desde o começo.

O lifestyle do Skate vai muito além de manobras radicais, o esporte promove inclusão e transformação social de crianças e adolescentes. Os valores presentes dentro das pistas entre os praticantes do esporte são muito nobres, onde um sempre incentiva e ajuda o próximo, além de ser uma forma de expressão, cultura e representatividade que transforma a vida de quem pratica o esporte.

Tfunk na entrevista(Foto: Site Ollie Shit)

Diante destes fatos, vimos certos questionamentos de alguns skatistas sobre a participação nas olímpiadas, já que alguns acreditavam que os valores do skate poderiam ser mal representados no evento. O skatista americano Tristan Funkhouser, mais conhecido como “Tfunk”, falou sobre skate e Olímpiadas em uma entrevista rápida.

Tfunk foi questionado sobre o que ele pensava das olimpíadas e então disse que não seria natural porque o skate é uma expressão de você mesmo e não se pode apenas colocar pontos, dizer se uma manobra vale 0 ou 10, e finaliza dizendo: “O skate é mais arte do que esporte”. E realmente foi possível observar que os reais valores do skate não foram compreendidos por todos os telespectadores, separamos alguns tweetes onde ficou claro que a parte de solidariedade e empatia pelo próximo não foi compreendida

Telespectadores reagindo aos jogos( Reprodução: @felipeneto e @Emanuelligii)

O skate com certeza está em ascensão mas não é por isso que se pode parar de incentivar e apoiar o esporte, assim como o Brasil é reconhecido como país do futebol também podemos chamar agora de país do skate e que cada vez mais se abram mais portas para que este esporte/”lifestyle” continue passando sua mensagem de torcer pelo próximo; tratar a todos com respeito e transformando a nossa própria existência.

Equipe de Skate modalidade park masculina e feminina reunida( Foto: Bandsports)

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