Somos parte do jogo

Lucas Camanho
O Contra-Ataque
Published in
4 min readMay 13, 2019

Por Lucas Camanho

Este texto não vai tratar exclusivamente da ridícula situação a qual o goleiro Sidão foi exposto ontem, ao receber o troféu de "craque da galera", da Rede Globo, pelas mãos da repórter Julia Guimarães (mulher, coincidência?), após derrota do Vasco por 3 a 0 para o Santos. A jornalista, inclusive, ao entrevistar o atleta, foi obrigada pelos chefões do canal televisivo a se colocar em uma situação igualmente vexatória.

Com certeza, nesse momento você já deve ter visto dezenas de opiniões de pessoas e instituições que repudiaram o ocorrido, coro que eu endosso.

Este texto é para pensarmos no nosso papel de “torcedores virtuais” na construção da narrativa de uma partida de futebol e no dia a dia do esporte, na responsabilidade que nós temos.

Em 2007, com 11 anos, ganhei o meu primeiro computador. Torcendo para o Paulista de Jundiaí, que raramente tinha qualquer destaque na grande mídia. Aquela máquina se tornou a minha principal ferramenta para acompanhar meu time do coração. Porém, versões online de jornais locais e notícias produzidas pelo próprio clube não eram suficientes pra eu ficar por dentro do que acontecia na minha terra natal. Eu precisava de mais.

Foi aí que descobri o Galonet, site produzido por torcedores do clube onde, além da produção de notícias, aconteciam vários debates nas caixas de comentários das publicações. Eu me apaixonei. Foi o meu primeiro contato com uma comunidade virtual voltada ao esporte.

Com o tempo e o desbravamento das ainda recentes redes sociais, como o Orkut, descobri diversos espaços para discutir o esporte que eu amo, não só relacionados à meu clube, mas também jogadores, competições, etc.

Nesses espaços criávamos laços, compartilhávamos informações, marcávamos encontros, acompanhávamos jogos em tempo real, enfim, éramos um organismo vivo na tela de um computador.

Claro, nem tudo eram flores. Também acompanhei processos judiciais, ameaças, humilhações e várias outras situações negativas que um fenômeno social tão novo poderia gerar, ainda mais impulsionadas por um assunto que envolve tanta paixão como o futebol.

Com o passar dos anos e o avanço das redes sociais, acompanhei de perto a importância que esses debates no mundo digital ganharam nas mesas-redondas, nas transmissões das partidas, no modo de contar o futebol da grande mídia esportiva.

Nós, torcedores, não aceitávamos mais sermos receptores passivos de informação, de não termos vozes no espetáculo do qual fazíamos parte. Nós nos organizamos, criamos páginas, como essa, que contam histórias que não aparecem na telinha. Passamos a contar a história da nossa forma, sentindo que podíamos construir algo grande, mesmo sem saber o que seria. E construímos.

O prêmio “craque da galera”, assim como tantos outros canais de comunicação dos grandes veículos midiáticos com os seus espectadores, é resultado do empoderamento do torcedor. Em um mundo com tantas alternativas, a mídia tradicional sabe que precisa nos valorizar, precisa nos dar espaço para, digamos, evitar conflitos. E isso é benéfico para as duas partes: uma ganha legitimidade e a outra visibilidade.

Quando decidimos usar essa interação para fazer algo tão tosco como a votação do melhor jogador em campo ontem, voltamos a ser os primatas que não tem responsabilidade, que não levam nada a sério, que só sabem brigar e humilhar uns aos outros em defesa de algo, na visão deles. Que empresa que se preza vai arriscar passar por outra situação dessas só para agradar os telespectadores? Nenhuma. Eles já possuem seus especialistas para exercer esse papel. Logo, esse canal de comunicação criado com tanto esforço, mesmo que inconsciente, tende a ser reduzido ou até mesmo fechado.

Prova disso é que a Rede Globo publicou uma alteração no funcionamento do quadro interativo das transmissões: antes, os internautas decidiam sozinhos quem seria eleito o melhor jogador da partida, agora representam só um voto na bancada dos narradores e comentaristas. Perdemos espaço. E a troco de quê? Da “zoeira” que humilha pessoas que estão trabalhando? Façam-me o favor.

Somos melhores do que isso. Todos os dias produzimos conteúdos excelentes, sejam eles humorísticos, históricos, estatísticos ou informativos sobre esse nosso vício chamado futebol. Todos os dias aprendemos uns com os outros, nos relacionamos, discordamos, concordamos, debatemos e, a cada publicação, criamos uma nova história, contada a nossa maneira.

Temos que deixar de criticar a Rede Globo ou qualquer outra emissora por errar desse jeito ao vivo, em rede nacional, num domingo de dias da mães? Jamais. Isso faz parte do nosso papel, sempre fez. Mas o exemplo tem que partir de nós, pois se corda arrebentar, nós estamos do lado mais fraco.

Compartilhe conhecimento, não ignorância. Somos parte do jogo.

A opinião do autor não reflete necessariamente no posicionamento d’O Contra-Ataque

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