Thaisa Moreno: ‘A Itália realmente tem abraçado o futebol feminino’

Vestindo a camisa do Milan e do Brasil, a volante contou sua experiência no futebol italiano para O Contra-Ataque

Henrique Sales Barros
O Contra-Ataque
9 min readMay 14, 2019

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Thaisa Moreno atuando pela equipe milanesa. Foto: AC Milan

No dia 19 de dezembro de 2016, na Arena da Amazônia, a seleção brasileira feminina enfrentou a Itália na final do Torneio Internacional de Manaus. O título veio para o Brasil em um jogo movimentado: 5 a 3 para o plantel canarinho.

Thaisa Moreno estava em campo naquele dia fazendo seu clássico papel de volante, tendo que anular no meio de campo jogadoras como Barbara Bonansea e Ilaria Mauro — hoje craques da Juventus e da Fiorentina, respectivamente, sem saber que um ano e meio depois teria a chance de enfrentá-las de novo, desta vez com a camisa do Milan, no Campeonato Italiano.

Experiente, Thaisa já vestiu a amarelinha no Mundial de 2015, nas Olimpíadas de 2016 e em dois títulos da Copa América, em 2014 e 2018. Jogando no Brasil, ela foi campeã do Brasileirão de 2013 vestindo a camisa do Centro Olímpico e campeã da Copa do Brasil de 2016 vestindo a camisa do Audax/Corinthians. No exterior, já esteve nos plantéis do Tyreso (Suécia), onde foi vice-campeã da Liga dos Campeões 2013/14, do Grindavík (Islândia) e do Sky Blue (EUA) antes de chegar ao Milan em setembro de 2018.

Thaisa Moreno faz parte do primeiro time feminino da história do Milan, que só passou a existir porque o clube comprou os direitos do Brescia, que já estava na primeira divisão, e também é a primeira brasileira a vestir as cores do time da Lombardia.

Por ironia do destino, Thaisa enfrentará a seleção do país onde hoje atua na Copa do Mundo da França. A partida, que acontecerá na última rodada da fase de grupos, colocará a atleta brasileira novamente de frente contra Bonansea e Mauro e também contra jogadoras que são suas colegas no Milan como, por exemplo, a meio-campista Manuela Giugliano.

Com exclusividade para O Contra-Ataque, a jogadora falou sobre sua experiência na Itália, contando tudo que tem visto na cena do futebol feminino local e sobre o confronto que ocorrerá na última rodada da fase grupos entre Brasil e Itália.

A seguir, você pode conferir a entrevista na íntegra e um pequeno guia sobre a seleção italiana com os últimos resultados, provável onze inicial, perspectiva no torneio e a data e horário dos jogos.

O Contra-Ataque: Como se deu sua ida para a Itália?

Thaisa Moreno: Um dia meu agente entrou em contato comigo falando sobre o interesse da equipe, que eles gostariam de ter uma brasileira no elenco do Milan feminino. Eles me levaram para fazer uma visita, eu gostei do projeto e de todas as instalações e acabou se concretizando a minha ida para a Itália.

OCA: Quais dificuldades você enfrentou para se adaptar à Itália?

TM: Uma das maiores dificuldades que eu tive foi em relação à alimentação. Não no dia a dia, mas no pré-jogo. Essa questão na Itália é bem diferente da nossa [aqui no Brasil]. A tática também é um pouco diferente de todos os outros países que eu joguei, inclusive o Brasil. Acho que foi só isso mesmo: a alimentação pré-jogo e a questão tática.

OCA: Você já conhecia alguma coisa do futebol feminino italiano antes de chegar no país?

TM: Do futebol italiano? Pouca coisa, mas eu procurei saber como era a liga, se era bem competitiva — e realmente é bem competitiva.

OCA: O que você notou de diferente em relação à estrutura de trabalho nos países que você já jogou e na Itália?

TM: Como eu disse antes, a tática na Itália é diferente das de outros países em que já joguei. Lógico que em cada país eu aprendi um pouquinho, mas na Itália eu tenho aprendido muito, muito mesmo, tanto ofensivamente quanto defensivamente. A estrutura é boa também. Eu sempre peguei boas estruturas fora do Brasil, principalmente na Islândia, mas acredito que aqui no Milan, na Itália, é a melhor estrutura que eu já passei. A gente usa muita coisa do masculino e isso ajuda muito na evolução do futebol feminino italiano.

OCA: E a diferença entre o futebol feminino na Itália e no Brasil?

TM: A maior diferença é que a Itália realmente tem abraçado o futebol feminino. Os grandes clubes têm abraçado o futebol feminino e têm dado uma estrutura de profissionais ótima que vêm desde o masculino. Das instalações aqui, eu não tenho nem o que reclamar. No Brasil, alguns clubes têm feito isso também, de abraçar o futebol feminino, mas são poucos. Alguns ‘clubes de camisa’ no Brasil só dão a camisa mesmo e o nome da instituição, mas não dão estrutura com profissionais e muito menos instalações.

OCA: O que você já notou de negativo no futebol feminino na Itália?

TM: Um aspecto negativo que eu descobri, e os clubes grandes [da Itália] estão brigando muito contra isso, é a respeito de uma lei que diz que nenhum esporte feminino pode ser profissional. Felizmente, como eu disse, todas as equipes tem brigado para que não exista mais essa lei.

OCA: Recentemente, repercutiu no mundo todo as 39 mil pessoas que foram ver Juventus e Fiorentina no Allianz Stadium, batendo recorde de público no campeonato italiano. Você se imagina um dia jogando com a camisa do Milan no San Siro também?

TM: Nossa, com certeza eu imagino! Seria uma alegria vestir a camisa do Milan com 60 mil torcedores no San Siro. Isso hoje é muito cotado, ainda mais agora que a Internazionale subiu de divisão. Nessa próxima temporada vai ter o primeiro Derby [de Milão] entre as equipes femininas na Séria A, então é muito cotado que joguemos esse jogo no San Siro.

OCA: Você crê que um dia será possível os ‘estádios principais’ serem a casa das equipes femininas italianas, e não mais os pequenos estádios nos centros esportivos?

TM: Olha, eu não tenho muito o que reclamar do centro de treinamento [Centro Sportivo Peppino Vismara] que mandam a gente jogar os nossos jogos. Eu adoro jogar lá porque a grama é a mesma do San Siro. Mas assim, seria muito interessante se pudéssemos jogar lá [no San Siro] e eu ficaria muito feliz. Espero que para as próximas gerações isso possa acontecer.

OCA: O projeto de uma equipe de futebol feminino do Milan ainda é muito recente mas, mesmo assim, vocês conseguiram ficar na terceira colocação do campeonato nacional. Daria para se dizer que a meta na próxima temporada é se classificar para a Liga dos Campeões?

TM: Com certeza. O projeto do Milan é para isso. No primeiro ano, tivemos dificuldades, principalmente de contratações de última hora. Mas na próxima temporada eu tenho certeza que o Milan vai investir em busca dessa vaga para a Liga dos Campeões.

OCA: No Milan você é treinada por uma mulher, a Carolina Morace. É muito diferente ser comandada por uma treinadora do que por um treinador? Você tem alguma preferência?

TM: Olha, é difícil falar se eu tenho preferência entre treinador homem ou mulher. Eu tenho preferência por quem realmente estude futebol e realmente ensine a gente, ajude lá dentro de campo. Eu tenho aprendido muito com a Carolina Morace, fiquei impressionada em como ela é inteligente. Mas é isso, preferência eu não tenho não, mas eu gosto muito do trabalho da Morace e fico realmente feliz de estar trabalhando com ela [Nota: ontem a treinadora Carolina Morace foi desligada de seu posto no Milan. O episódio foi logo após a realização da entrevista com a jogadora Thaisa Moreno].

OCA: O Brasil enfrenta a Itália na última rodada da fase de grupos do Mundial. Quando se sortearam os grupos e você viu que iria enfrentar companheiras de clube e rivais da liga local, o que pensou?

TM: O que eu pensei? Pensei: “Caraca, a gente tem que ganhar esse jogo, porque se eu perco e volto pra cá eu não vou aguentar a zoação não” (risos).

OCA: Dentro do Milan há jogadoras que defendem a Itália e devem estar presentes na Copa. Vocês conversam muito sobre tal confronto?

TM: Claro, com certeza. Depois que saiu [o chaveamento dos grupos] nós sempre conversamos sobre esse confronto. Não só as seis italianas do Milan que foram convocadas para o Mundial, mas entre a comissão técnica e o pessoal do clube a gente conversa também. Até os meus vizinhos dizem que não sabem para quem vão torcer, que eles estão balançados entre Brasil e Itália (risos). Mas é tudo bem suave, sempre em tom de brincadeira.

OCA: Das jogadoras italianas, qual são as que você mais enxerga com potencial para dar trabalho para o Brasil em campo?

TM: Eu acho que elas têm várias jogadoras com potencial para isso, mas é quando elas jogam juntas que fazem a diferença e dão muito trabalho. Hoje em dia, para mim, não é uma ou outra atleta que faz a diferença, e sim quando todas jogam com o mesmo objetivo — e a Itália é muito forte nisso. Então, a gente tem que se preocupar com a equipe em si, e não com uma ou outra jogadora.

OCA: Você acha que o Brasil é favorito para o confronto?

TM: Quem aponta favoritismo é imprensa e torcedor, né? Quando o atleta entra em um confronto do tipo, ainda mais em uma Copa do Mundo, não vê o adversário dessa forma. Olha aí o que aconteceu na Champions League masculina: o futebol é uma caixinha de surpresas, e é bonito por causa disso. Qualquer um pode vencer a qualquer momento.

OCA: Arrisca dizer um placar para o jogo entre Brasil e Itália?

TM: Olha, eu prefiro deixar esse palpite para vocês (risos). Mas podem ter certeza que estamos trabalhando muito para trazer o título inédito [da Copa do Mundo] para o Brasil.

A Itália disputou um total de sete jogos este ano. Começou 2019 vencendo o Chile (2 a 0) e o País de Gales (2 a 1) e, em seguida, disputou a Cyprus Cup, um torneio amistoso realizado no Chipre, no qual foi vice-campeã: venceu todos os jogos na fase de grupos, enfrentando o México (5 a 0), a Hungria (3 a 0) e a Tailândia (4 a 1), até que, na final contra a Coreia do Norte, empatou em 3 a 3 no tempo regulamentar e perdeu na disputa de pênaltis. A Azzurre ainda disputou mais dois amistosos este ano, no começo de abril, empatando com a Polônia (1 a 1) e vencendo a Irlanda (2 a 1).

A técnica Milena Bertolini costuma rodar muito as suas atletas, o que torna difícil definir qual o time titular, de fato, das italianas. Ainda assim, podemos dizer que o time base da Itália conta com a goleira Laura Giuliani; uma linha de quatro na defesa com Elisa Bartoli, Elena Linari, Sara Gama e Alia Guagni; uma segunda linha de quatro, essa no meio-campo, com Barbara Bonansea, Aurora Galli, Manuela Giugliano e Valentina Cernoia; e, por fim, as atacantes Ilaria Mauro e Daniela Sabatino na frente.

As italianas estão no Grupo C junto com a Austrália, o Brasil e a Jamaica. Na época do sorteio dos grupos do Mundial, na primeira dezena de dezembro de 2018, a Itália era apontada com uma seleção que poderia avançar como uma das melhores terceiras colocadas do grupo, atrás da Austrália e do Brasil.

Hoje, mais de cinco meses depois, a má fase da seleção brasileira, que não conquistou nenhum ponto nos últimos nove jogos — com destaque para as derrotas por 2 a 1 para a Espanha e 1 a 0 para a Escócia — faz despertar esperança entre as italianas de conseguirem se classificar como uma das duas melhores seleções do grupo.

A estreia das comandadas de Bertolini no Mundial da França acontece no dia 9 de junho, às 9h (horário de Brasília), quando enfrentam a poderosa Austrália no Stade du Hainaut, em Valenciennes; elas voltam a campo no dia 13 de junho, às 14h, quando enfrentam a Jamaica no Stade Auguste-Delaune, em Reims; e por fim, enfrentam o Brasil, com quem devem protagonizar um decisivo duelo, no dia 18 de junho, às 17h, novamente no Stade du Hainaut.

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Henrique Sales Barros
O Contra-Ataque

Estudante de jornalismo na PUC-SP. Colaborador d’O Contra-Ataque.