Um guia para a resistência palestrina

Não estamos sozinhos.

Gabriel Paes
O Contra-Ataque
8 min readDec 6, 2018

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Foto: Ocupa Palestra

Palmeirense, eu também tô puto. E não há nada de errado nisso. Pra quem não é palmeirense, é difícil explicar, mas montei uma rápida linha do tempo para narrar meu sentimento agora:

Eu nasci no meio de uma vitória do Palmeiras (por pouco meu pai não deu o nome de Edmílson, o agraciado da noite). Sou palmeirense desde que eu me entendo por gente e os álbuns de foto em casa não me deixam mentir. Mas gostar mesmo de futebol e acompanhar, foi só quando ganhei um uniforme, na mesma época em que vi meu time erguer uma taça pela primeira vez: o paulistinha de 2008. Foi uma delícia ganhar aquele título, que pra mim valeu mais que copa do mundo. E sim, eu já tinha 11 anos. Pode zuar que eu tô acostumado.

Em 10 de julho de 1997, Edmílson acertava essa bela marretada e mãezinha me paria, a 500 km dali.

Confesso que não perdi muito da história do meu time, já que nasci no fim da era Parmalat e depois disso vieram anos difíceis. Mas pouco importa. Ser palmeirense, para mim, sempre foi muito mais do que acompanhar 90 minutos de um jogo.

E aí eu fiquei, literalmente, a vida inteira esperando um time competitivo. E quando você tem um time ruim, não torce menos ou sente menos felicidade em vê-lo jogar. Você continua indo ao estádio, mesmo sabendo que o empate é lucro, e isso gera um carinho ainda maior com o clube.

Esse time conseguiu a incrível proeza de ganhar a Copa do Brasil (INVICTO) e cair no Brasileirão. Tenho uma camisa assinada por essa perebada toda.

Em 2013, quando o mecenas Paulo Nobre chegou, encontrei a esperança que faltava e os primeiros papos sobre a onda elitista que rodeava o clube começavam a pipocar. Mas ainda não havíamos repaginado, disputávamos a série B e brigar por um campeonato de pontos corridos era algo ainda inimaginável.

Nessa época, torci demais. Viajava sempre que podia para ir ao estádio e chegava rezando por um empate. Às vezes perdia e raramente ganhava. Me iludi — como em outras trocentas vezes — com Gareca, Dorival, sempre tentando dar aquela chance e apoiando. Quase caímos e ali todo mundo se esgotou. Não dava mais pra continuar assim.

A mudança no Palestra foi grande: munidos por uma sede cada vez maior de dar a volta por cima a qualquer custo, arranjamos um bom time, um patrocinador cheio da grana, mas sem prestígio, e voltamos ao patamar do qual não deveríamos nunca ter saído — não fosse por má gestão e descaso dos dirigentes. Mas eu ainda não estava contente.

De um ano para o outro, demos chapéu em contratações, trouxemos ‘camarões’ importantíssimos para o elenco e conquistamos novamente a Copa do Brasil. A sede por ser o melhor de todos, em tudo, só aumentava. (Foto: Fabio Menotti/Ag. Palmeiras/Divulgação)

Demos troco no Ricardo Oliveira, o Santo-do-Pau-Oco que sempre nos provocou, ganhamos clássicos ante os maiores rivais, goleamos São Paulo, acirramos a rivalidade com times como Santos, Flamengo e Cruzeiro, enfim. Na verdade, não tinha fim.

(Foto: Ocupa Palestra)

Ao mesmo tempo, o poder público iniciou uma série de medidas repressivas e que de nada adiantaram para a conter a violência no futebol, como no caso da Torcida Única e do cerco que a PM faz nos dias de jogos, em que apenas pessoas com ingresso podem andar pela Rua Palestra Itália. As festas da torcida antes e depois de algumas partidas também têm sido encerradas à força.

Junto com o bom time veio a sede por dinheiro, e a diretoria justificava uma coisa com a outra. Até mesmo alguns torcedores, que esbarram agora no preço dos ingressos e não podem mais frequentar o estádio, se sentem numa via de mão dupla, em que os ricos bancam o time forte e tomam seus lugares no estádio “por uma boa causa”.

Quando a renda é anunciada no Allianz Parque, é costume da torcida aplaudir. (Foto: GazetaPress)

O Palmeiras, então, virou hype.

Hype é a promoção extrema de uma pessoa, ideia, produto. É o assunto que está “dando o que falar” ou algo sobre o qual todos falam e comentam. A palavra deriva de hipérbole, figura de linguagem que representa o exagero de algo ou uma estratégia para enfatizar alguma coisa.

Ficou interessante torcer para o Palmeiras. E nesse meio tempo, um montão de gente que nunca achou legal, de repente passou a amar o futebol e enxergou no porco de ouro uma oportunidade de auto-promoção.

Alguém tem algum palpite sobre a próxima eleição do clube?

Quando conveniente, foram tomando conta do clube, aos poucos. A Crefisa, por exemplo, passou a bancar até o carnaval da Mancha Verde, maior organizada do clube e importantíssimo cabo eleitoral pra quem quer que seja. Ah, detalhe: via Lei Ruanet.

E a babação de ovo não para: o jornal Folha de S. Paulo contou que a gestão de Galiotte gastou pelo menos 160 mil reais em ingressos e jantares para conselheiros do clube. Ou seja, politicagem pura.

Para as apresentações de Phil Collins, Foo Fighters e Queens of the Stone Age, por exemplo, o clube gastou R$ 35.280 em ingressos. No mês seguinte, em março, foram desembolsados R$ 23.220 em ingressos para assistir à banda inglesa Depeche Mode e à artista americana Katy Perry.

Em janeiro deste ano, foram gastos R$ 5.400 para a compra de canetas verdes para a presidência. No mesmo mês, as planilhas de gastos internas do clube mostram R$ 11.784 em “rodízio de pizza para os conselheiros”, entre outros.

E não é que eu ache ruim ter caneta do Palmeiras em todo canto — eu adoraria que pra me agradar o presidente mandasse uma dessas para mim também — mas tudo tem limite, sabe? Essa gastança desenfreada também contrasta com as declarações do presidente, à época do Paulista, de que usaria a premiação de vice para inclusão de torcedores de baixa renda na vida do clube. Até agora, nada.

Fui a vários jogos em 2018, de todos os campeonatos. Não tanto quanto eu gostaria, mas fui. Gastei o que tinha e o que não tinha pra ver o Palmeiras, mas não comprei nenhuma camisa essa temporada — era uma coisa ou a outra. E eu até gosto desse lance de ficar sem almoçar uns dias, parcelar tudo no crédito, só pra juntar a grana do ingresso. Mas se eu tô nessa de economizar, imagina o casal palmeirense, com 2 filhos, querendo acompanhar o time e precisando economizar aonde der. Simplesmente não dá pra qualquer um! Aliás, não dá para a maior parte dos torcedores.

Então olhe bem para essa imagem:

Escreva 100 vezes na lousa: “Futebol e política se misturam”

Nos últimos anos, discuti com muita gente o fato de política e futebol estarem ligadíssimos. Fui xingado — de burro, inclusive — , incompreendido, mas o pior mesmo foi ter que ouvir que eu “misturava as coisas”. E agora, será que entenderam de uma vez por todas?

(Foto: @fcmpo)

Deu raiva, eu sei. O que me deixou mais puto foi estar nervoso com meu time sendo campeão — uma rotina que eu esperei a vida toda pra sentir e, agora que a tenho, falta tesão de acompanhar o clube. Mas o momento da entrega da taça foi apenas a ponta minúscula do que tem ocorrido no clube desde que o dinheiro passou a ser o maior mantra.

Movimentos como o Ocupa Palestra, iniciado por palmeirenses contra o cerco da PM, que libera a passagem na rua Palestra Itália (antiga Turiassú) apenas para quem tem ingresso, vão se fortalecer. Afinal, do mesmo jeito que não existem quase 60 milhões de fascistas no Brasil, os palmeirenses também não são e existe muita sujeira em todos os clubes, federações e entidades ligadas ao esporte brasileiro.

Torcer também é um ato político — mulheres e LGBTs podem te explicar muito bem. Mas, de hoje em diante, mais do que nunca, significa resgatar as raízes de nosso clube. Felipes Melos e Bolsonaros, Leilas e Galiottes, uma hora não estarão mais pelo Palestra. Mas nós não vamos vestir a camisa de outro clube. Então precisamos estar juntos, movendo ações contra tanta ganância e sede de poder.

Nas trincheiras, temos ao lado:

Ocupa Palestra

O movimento luta há mais de um ano pelo fim do cerco da PM ao redor do Allianz Parque nos dias de jogo. A visão é por democratizar os espaços públicos, principalmente as ruas, e liberar a festa pacífica dos torcedores com música, bandeirão e sinalizadores no entorno do estádio — a nossa casa.

Palmeiras Antifascista

O coletivo surgiu como resistência à presença de torcedores declaradamente fascistas nos jogos do Verdão: existem grupos neo-nazistas, mesmo que não vistos a todo momento, que perpetuam atitudes violentas e machistas, homofóbicas e principalmente racistas.

VerDonnas

Grupo de mulheres que se juntaram para incentivar mais mulheres a irem ao estádio. Elas combatem a cultura do machismo de uma forma muito simples e com um resultado grande: marcando pontos de encontro em dias de jogos, as palestrinas que saem de casa uniformizadas podem se sentir mais seguras.

Palmeiras Livre

Movimento anti-homo e transfobia, contra o racismo e todo tipo de sexismo (os machismos e misoginias em especial), destinado à torcida que mais canta e vibra. Porque paixão pelo Palmeiras não tem nada a ver com intolerância.

“Nós não somos ‘a escória da humanidade’”

E também:
Corredor Alviverde
VerDonnas (Instagram)
Palmeiras Punk Rock
Gabriel Santoro
Porcomunas
Fernando Cesarotti
Fabio Felice
Luana Maluf
Mauro Beting

Por fim, deixo esta foto, em que nosso zagueirão Luan faz o melhor bloqueio com a camisa do Palmeiras.

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Gabriel Paes
O Contra-Ataque

Cultivo especial aversão ao homem-de-bem, à família tradicional e ao Brasil que deu certo.