Uma outra festa no subúrbio de Madrid

Enquanto a ‘cidade alta’ comemorava a Champions, o progressista time do bairro de Vallecas celebrou retorno à Primeira Divisão

João Abel
O Contra-Ataque
5 min readMay 28, 2018

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Festa vallecana! O Rayo está de volta a ‘La Liga’ (Twitter/@rvmbrasil)

O cair da noite de sábado trouxe (mais uma vez)alegria às ruas de Madrid. A 13ª taça europeia do Real fez a capital espanhola festejar novamente uma conquista continental. Mas para lá da Ponte de Vallecas, já no subúrbio madrilenho, outros apaixonados por futebol mal conseguiam pegar no sono de tanta ansiedade. E o motivo passava bem longe da final da Champions: eram os torcedores do Rayo Vallecano, à espera de um jogo decisivo pela segunda divisão do Campeonato Espanhol.

O domingo chegou e, com ele, a partida tão esperada entre Rayo e Lugo, pela 41ª (e penúltima) rodada do torneio nacional. Era dia de ‘volver’ à elite, da qual os vallecanos se despediram na temporada 15/16. O acanhado estádio Teresa Rivero viu seus 15 mil lugares tomados de gente. De gente com a esperança de ver um time suburbano retornando ao palco dos grandes clubes espanhóis.

Foi de Álex Moreno o gol derradeiro: Vallecas de volta à elite espanhola (Twitter/@RayoVallecano)

O atacante Álex Moreno fez a torcida explodir de emoção aos 40 minutos. O único gol do jogo. Suficiente para a vitória e classificação do Rayo Vallecano a ‘La Liga’ 18/19. Três pontos que levaram o time a 76 no total e à liderança da ‘série B’ espanhola. O Huesca, com 75, também voltou ao primeiro escalão nacional.

A terceira vaga de acesso será disputada em um play-off envolvendo do terceiro ao sexto colocados da Segunda Divisão Espanhola. Sporting Gijón (terceiro, com 71 pontos), já garantiu uma das vagas, além do Zaragoza (quarto, com 68). Outros dois postos estão em disputa, com cinco times brigando por estas vagas. Osasuna, Cádiz e Valladolid (todos com 64), além de Numancia e Oviedo (com 62) lutam por estas vagas.

A festa dos bukaneros, torcedores organizados do Rayo, após a classificação (Twitter/@RayoVallecano)

Rayo Vallecano: um clube político

Mais do que esportiva, a vitória do Rayo é também um triunfo das causas sociais, sempre levantadas pelo clube de origem operária. O time jamais escondeu seu caráter esquerdista e o apoio às bandeiras feministas, raciais e LGBTs.

O bairro de Vallecas, sede do time, é considerado um dos mais humildes Madrid, bem longe de toda a pompa de distritos como o Hispanoamérica, onde está o Santiago Bernabéu, ou de Canillejas, casa do Wanda Metropolitano. Repleto de conjuntos habitacionais, a região suburbana se tornou abrigo para migrantes de outros países ou regiões espanholas, e é uma das zonas com maior índice de desemprego na cidade. Um lugar em que o futebol de tornou meio de dar voz aos problemas sociais.

O Rayo foi o primeiro time da Espanha a ser presidido por uma mulher, Teresa Rivero, e se considera o verdadeiro clube operário da capital espanhola, figura que, em geral, é associada ao Atlético de Madrid. Mas os vallecanos contestam, lembrando o grupo organizado ‘Frente Atlético’ e sua conduta supostamente fascista, além da situação econômica mais favorável dos torcedores colchoneros.

‘Pequeno esportivamente, mas grande nos valores’: algumas das faixas de cunho político-social na torcida do Rayo

Dentro e fora de campo, o Rayo já deu diversas demonstrações de engajamento. Em 2017, por exemplo, torcedores organizados protestaram contra a contratação do ucraniano Roman Zozulya, que tinha vínculos com organizações neonazistas no país-natal. A diretoria acolheu o pedido.

Mais do que isso, os dirigentes do clube também mostraram, por diversas vezes o alinhamento com importantes bandeiras, como fizeram ao trocar a característica faixa vermelha do uniforme pelas cores do orgulho LGBT e pelo rosa, em alerta à prevenção do câncer de mama.

Causas sociais no manto do Vallecano (Divulgação)

Curiosamente, a equipe feminina do Rayo tem resultados esportivos bem mais expressivos que a masculina. São três títulos da Primeira Divisão Espanhola, além de ter contado com a brasileira Milene Domingues no elenco no ano de 2002. Uma das críticas da torcida ao atual presidente Raul Martín Presa foi a tentativa de acabar com o departamento feminino. Os próprios torcedores, pressionaram para impedir que isso acontecesse e montaram um crowdfunding [campanha de financiamento coletivo] para financiar o time.

À Sombra de Gigantes

No Brasil, o Rayo já ganhou até espaço literário. O clube é protagonista do capítulo 2 do livro À Sombra de Gigantes, escrito pelo jornalista Leandro Vignoli e lançado no ano passado. A publicação traz a história de 13 times pequenos e emblemáticos da Europa como o St. Pauli, da Alemanha, e o Millwall, da Inglaterra. Vale a leitura.

VIVA VALLECAS.
VIVA EL RAYO!

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João Abel
O Contra-Ataque

jornalista, autor de ‘BICHA! homofobia estrutural no futebol’ e coautor de ‘O Contra-Ataque’