Breves palavras sobre mais um policial morto em Porto Alegre

Igor Natusch
O Esforço Diário
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2 min readJul 5, 2016

Vou evitar comentar muito a fundo o terrível e deprimente caso do policial morto ontem por criminosos durante uma abordagem na Zona Sul de Porto Alegre. Foi perto da minha casa, vi de perto os helicópteros e ouvi as sirenes, as ruas fechadas do entorno e tudo mais. Me é desagradável comentar essas coisas, porque o risco de uma matilha raivosa vir me “confrontar” porque defendo Direitos Humanos etc é enorme — e eu sinceramente ando sem saco para o debate de esgoto que é praxe nessas situações.

Mesmo assim, queria dizer uma coisa.

Um policial sozinho contra um número maior de indivíduos armados, sem nenhum suporte ou reforço, incapaz até de bloquear a rua para impedir a fuga do veículo roubado, indo de peito aberto enfrentar uma situação de enorme risco: tudo isso é a personificação da gambiarra que é nosso sistema de segurança. O procedimento dele é, no mínimo, profundamente arriscado — e aponto isso não para condená-lo, o que seria uma insensibilidade completa, mas para que não se ignore esse fato flagrante e se possa fazer a devida cobrança a quem faz esse quadro ser possível. Ou agiu assim por iniciativa própria, e então tentava resolver sozinho todos os problemas de um sistema, ou tornou-se praxe que assim ajam os policiais de Porto Alegre, e aí é o sistema inteiro oprimindo essas pessoas de forma brutal e inaceitável. Nos dois casos, temos uma estrutura falida, que colocou esse homem na linha de fogo de forma intolerável, de tal forma que as chances estavam todas contra ele. E não é assim que deve ser, convenhamos.

Há muito o que discutir nesse caso, depois é possível que eu retorne a ele, mas me contento com isso por enquanto. De quem é essa responsabilidade? Quem falha em fornecer a esses policiais suporte e equipamento, quem abrevia o período fundamental de treinamento, quem fracassa em deixá-los na melhor posição possível em situações de grande risco? Quem os coloca lá, à paisana na linha de fogo, ou quem os leva a pensar que sua posição é ali mesmo, a um passo do martírio, sem o mínimo para garantir a própria sobrevivência?

Não foram os “defensores de bandido” que colocaram aquele policial naquela situação. Vocês acham mesmo que ficar cobrando que órgãos de Direitos Humanos “não apareceram” para “dar uma satisfação” sobre a morte desse policial ajuda no que quer que seja? Acham MESMO que esse é o alvo adequado no momento? Independente de opiniões, todos sabemos uma coisa: que aquele policial não deveria morrer. E para que o risco de que morresse fosse mínimo, deveria estar recebendo o máximo de suporte naquele tipo de ação — suporte que, no caso, era precisamente zero. Esse, para mim, é o foco. O que se acaba conseguindo com essas cobranças que resumem tudo a um bandido versus mocinho é livrar a cara de quem realmente tem culpa no cartório: o poder público, nossos governantes, todos que ajudam a manter essa corrente de fracassos absurdos que é nosso sistema penal e prisional.

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Igor Natusch
O Esforço Diário

Jornalista. Ser humano. Testemunha ocular do fim do mundo.