O crime de Brumadinho é o horror do capitalismo — e é preciso encará-lo

Igor Natusch
O Esforço Diário
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3 min readJan 26, 2019
Foto: Reprodução / TV Minas

A culpa de Brumadinho é das empresas predatórias e sem escrúpulos, dos governos cooptados, do Judiciário travado e omisso. Acontecimentos criminosos e desesperadores como Brumadinho tornam-se possíveis a partir da ideia de que o que não é lucro é entrave, decorrem do louvor fanático à engrenagem capitalista.

Ou seja, há culpados objetivos. Mas não é como se esse crime fosse circunstancial, ou um mero ponto fora da curva.

É preciso dizer que o crime horrendo em Brumadinho não é sequer consequência do capitalismo: ele É o capitalismo, em tudo que o capitalismo traz de horrível, destrutivo e indiferente. Nessa tragédia criminosa e assassina está revelada a face brutal do nosso modelo, uma visão tão opressiva que gostamos de fingir que não está lá. Mas está. Sempre está. E destrói, mata, apaga da existência.

Vem com o pacote, simples assim.

Diante das mortes em Brumadinho, diante do horror da natureza ferida e do ambiente contaminado, é natural que a primeira reação seja de perplexidade, revolta e desespero. Logo após, contudo, chega a hora de propor as questões desconfortáveis. Todo discurso de que há “regulação demais” precisa ser confrontado. Há mesmo? O que nos será ofertado com regulação de menos? Qual é o indicativo que as indústrias, grandes fábricas e conglomerados empresariais têm nos passado? A divindade capitalista tem demonstrado sabedoria diante do que é ancestral, do imaterial, de todo o patrimônio que não pode ou não deve ser revertido em pura obtenção de lucro?

A resposta é não. E Brumadinho é uma prova.

Não sou um entusiasta do Estado. Não sou cego aos muitos riscos e opressões que ele traz, e trago temores diante de sua visível capacidade de engolir pessoas e gerar um mundo inteiro de escravidão. Mas não é possível ignorar que, com a regulação que temos, já nascem Marianas e Brumadinhos. E não é possível fingir que o problema, nesse caso e em inúmeros outros, é excesso de leis, e não o excesso de ambição. Que é a ausência de liberdade para empreender e gerar lucro, e não a ausência de cuidado, de escrúpulos, de respeito. Foi a falta ou ineficiência das travas, e não o excesso delas, que nos agraciou com a segunda grande tragédia ambiental em Minas Gerais em três anos.

Podemos nos dar ao luxo de ter ainda menos restrições ambientais? Podemos deixar na mão dos grandes produtores rurais decidir qual agrotóxico é seguro e qual não é? Podemos confiar na sabedoria da indústria para definir quais componentes podem resultar em danos ambientais e à saúde e, a partir dessa definição, que declinem de fazer uso deles? Podemos acreditar que, com legislação flexível, haverá uma disposição genuína dos grandes empregadores em preservar a saúde, o bem estar, a capacidade de alcançar uma vida decente de suas trabalhadoras e trabalhadores? Podemos arriscar abrir mão da Funai?

Penso que não. E me parece que, mais do que uma visão ideológica, trata-se de uma constatação, baseada em aspectos visíveis da realidade. Evitar olhar nos olhos daquilo que nos causa pavor não fará com que o risco desapareça.

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Igor Natusch
O Esforço Diário

Jornalista. Ser humano. Testemunha ocular do fim do mundo.