Âmago — Parte II

Igor Mendonça
O EXPRESSO
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4 min readMay 22, 2016

Meia-noite.

O jovem ainda não havia chego. Zhirkov havia chegado há quinze minutos. Decidiu então pedir uma dose, virou, como se fosse um alcoólatra, nem sentiu o álcool. Pouco depois chegou o esperado.

Ao se encontrar, abraçaram-se e foram diretamente a uma mesa. Conversaram por muito tempo, esta conversa que foi mais profunda ainda que a da madrugada passada. Ocorria uma maior troca de comunicação e até um aperfeiçoamento individual de ambos, cada um acrescentara e incrementara algo ao outro, e isto acontecia como uma engrenagem a todo vapor.

Passadas quase duas horas, um bêbado cismou que o jovem estava lhe encarando enquanto este estava indo ao banheiro. O jovem de sangue quente acabou por aceitar o duelo, que foi facilmente encerrado por um soco que atingiu o queixo do bêbado e o levou ao chão. Ouvindo a confusão Zhirkov inclinou-se para ver o que estava acontecendo, e ao perceber que seu amigo estava envolvido, levantou-se para lhe auxiliar. Neste mesmo momento, três homens cercaram o jovem, um deles possuía um facão e rapidamente apontou-lhe indagando “Preferes ser apunhalado agora ou levar mais bofetadas?”.

Passando por uns quarteirões, olharam para trás e os homens ainda lhes seguiam, mas com certa distância. Quando Zhirkov percebeu que estavam ao lado de sua rua, então entraram nela de impulso e foram diretamente ao seu apartamento. Chegando nele já haviam despistado os homens e estavam seguros.

Subiram. Zhirkov foi ao armário, só havia meia garrafa de um vinho que havia ganhado, era isto mesmo que ele procurava. Pegou sua única dupla de taças, serviu os dois copos, voltaram a conversar. E claro, após ter os corações acelerados, enrolaram dois cigarros. Pressão caiu, recuperados da emoção.

Ao se sentar novamente em sua cama, veio uma pergunta de supetão.

– Não tenho certeza se não lhe perguntei isso ainda — começou Zhirkov com um ar tímido — Qual é mesmo o seu nome?

– Nikolai — respondeu com uma calma e plenitude, que lhe eram comuns.

– Ora, que coincidência — soltou de imediato — Também me chamo Nikolai.

O jovem Nikolai sorriu. Um silêncio imperou durante uns trinta segundos, enquanto os dois se encaravam profundamente com admiração. Zhirkov sentia como se tudo estivesse flutuando, como se sua insônia fosse aparecer novamente e lhe tirar do mais belo sonho de sua vida.

Ao final destes trinta segundos, os dois começaram a se beijar, e ao final deste beijo, Zhirkov tinha outra dúvida respondida. Sim, era amor.

Os dois voltaram a encararem-se, o jovem Nikolai começou a desaparecer com um vento, como se fosse pó, foi pó, sim, poeira, voou, e levou a felicidade de Zhirkov, sua mente nunca mais voaria.

Quando foi embora o ultimo grão de jovem, o estado de perplexidade de Zhirkov foi embora, nasceram lágrimas e muita tristeza. E com o pó, foi-se a massa também, aquela que teria nascido há um dia naquele botequim. Ficou só a carcaça novamente, passaram vinte minutos de carcaça no sofá, foi quando ela se levantou e percebeu que tudo, tudo aquilo havia acabado.

A carcaça teria uma corda envolvendo seu pescoço.

Foi até o armário, pegou sua corda mais grossa preparou o nó, percebeu que não havia lugares para pendurar ela em seu quarto, desfez o nó. Foi à rua, subiu na árvore, amarrou a corda ao tronco mais grosso, preparou o laço, envolveu-lhe em seu pescoço, antes de despencar para o enforcamento, suava frio, o coração acelerado, mas não pensava, não vivia, não era humano, eram apenas movimentos de tristeza automáticos.

Despencou. Seus olhos viraram. A pele de seu pescoço pulava. A boca aberta buscando ar. Suas pernas e seus braços tremiam. Seus pés procurando um apoio. E sua mente procurando a morte.

E ali estava Zhirkov, pendurado em uma árvore. Morto. Para toda a São Petesburgo. Com ele estavam mortos também o jovem Nikolai, a felicidade e o seu amor. Que se tornaram em 24 horas a razão de sua vida e consequentemente de sua morte.

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