Do pobre o sublime

Nícolas Barbieri
O EXPRESSO
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3 min readAug 28, 2016

Sentado na calçada eu vejo o mundo sem que ele me veja.

Espero o ônibus, de pensamento livre como a fumaça que trago do cigarro que acabo de acender, observando o movimento disléxico de gente a ir e vir e me pergunto quão desumanos são os cidadãos, a se mover como insetos debaixo de uma pedra levantada.

Faço o diagnóstico de cada rosto, e me pesa na consciência o não pesar na consciência a hipótese de suas mortes súbitas. Mentiria para mim mesmo, sabendo-o, se me pegasse triste pelos descasos de cada um deles. Quantos eu veria se passasse um dia inteiro a observar a rua?, quantos morrem por dia nessa cidade?

São Paulo, que é formada por gente de todos os cantos que vieram aqui em busca do realizar de seus sonhos, se assemelha agora à uma cultura de bactérias, à um tumor em desenvolvimento livre, onde todos os sonhos se frustram e se conformam em ideias de pequenas frases. Uma delas, comum aos estudiosos, me vem à memória: “o capitalismo é o melhor sistema econômico que temos”, dizem, pela falta de outro melhor. Mas o quão isso me soa cínico chega a ser criminoso; não criminoso nas leis da sociedade, mas criminoso nas leis naturais, das camadas mais íntimas do homem, da essência do ser que nos faz buscar uma vida melhor e com relações mais saudáveis entre as pessoas, que não sejam, assim como os negócios, todas pragmaticamente diplomáticas.

É triste, e sinto que vivo sempre com essa azia do pensamento, que me obriga a não simplesmente entender as coisas que sinto, mas senti-las com o entendimento. A cidade, o tumor, matéria de sonhos de pessoas a buscar por vidas melhores, hoje pobres, transforma os homens todos em cínicos diplomatas; e para que serve a diplomacia senão para os fins dos interesses individuais e pela busca de tirar vantagem? Sinto uma falta do silêncio e da tranquilidade — não tranquilidade de inércia, mas tranquilidade de equilíbrio; pois às vezes é bom adoecer para aprender a dar valor à saúde — , sinto uma falta do silêncio e da tranquilidade, como se estivesse este tempo todo de garganta inflamada e já mal pudesse lembrar como é estar saudável.

O cigarro chega ao fim levando com ele as angústias, e me permito trocar o querer entender por apenas sentir, me divertindo silenciosamente com jogos de palavras:

Eu observo da calçada a rua e o movimento
observo não só o que vejo mas o mundo inteiro
ele já me olha por fitá-lo tanto tempo
e me pergunta por que ando tão alheio

Sou pobre num mundo tão pobre com tanta riqueza
moro numa cidade feia, suja e fedida igual a mim
se não posso ter beleza a invento na minha cabeça
trocando asfalto por ruas de marfim
Do podre à beleza

Estou doente mas nasci num mundo doente
onde a saúde só existe imaginação aluada
do que é doente porque nasceu num mundo doente
incompreendido por ter a cabeça constipada

Não invejo a gente rica, de mérito ou crime
suas mentes pobres nada tem com que se entreter
quando não se tem nada, o maior dos bens se exprime
o ainda poder ter tudo o que se pode ter
Do pobre o sublime

Sentado na calçada eu vejo o mundo, sorrio e ele sorri para mim.

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