Parem de escrever textos de utilidade pública

E parem também de criticar os textos de utilidade pública e auto-ajuda. Simplesmente deixem de querer esclarecer coisas às pessoas. Ninguém se importa com a sua opinião.

Nícolas Barbieri
O EXPRESSO
3 min readAug 3, 2016

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Clóvis de Barros filho: o maior símbolo do cara que ninguém quer chamar pro rolê

Os artigos que mais vejo circulando pela internet — seja em blogs individuais, páginas do facebook, vlogs ou mesmo aqui, no Medium — com títulos imperativos e temas de “utilidade pública” demonstram uma tendência do autor a tratar a problemática abordada sempre de um prisma externo, como se ela existisse apenas no “outro”. Nota-se o complexo do autor alienígena em trechos como “as pessoas costumam”, “o mundo precisa”, “a sociedade não percebe”, como se o próprio autor não fosse uma pessoa, não vivesse no planeta terra e não fizesse parte de uma sociedade. Evite estes seres iluminados.

A única verdade de como se viver é entender que não há um como se viver ou que sequer há uma verdade além da certeza de que não há verdade.

Geralmente, a maior parte das pessoas vive como se dormisse, sem sequer ter noção das suas atitudes e consequência destas no mundo, porém, eventualmente, alguns destes seres, num lapso de consciência, se sentem acordados, como se percebessem os mecanismos por trás das ações de cada homem(1). Estes são geralmente aqueles que, quando mais modestos, inventam filosofias; quando mais ousados, inventam religiões para que o povo, a massa, possa segui-los, comentar suas ideias, compartilhá-las, curti-las, etc. O que não significa que este ou aquele indivíduo um pouco mais acordado esteja correto ou não. De nada serve os grandes filósofos se não somos capazes de seguir nossas próprias filosofias, a não ser que você não seja capaz de pensar por conta própria. De nada nos serve a religião se não somos capazes de viver sem doutrina, a não ser que você não seja capaz de viver sem um pastor.

Isto gera um sistema de loop entre o autor de auto-ajuda e o autor que critica as auto-ajudas. O primeiro te diz como se vive, e o segundo vai te dizer que ninguém deve te dizer como se vive(2).

Se você gosta de escrever artigos de utilidade pública, a minha única dica é: não esclareça ninguém. Se você se sente como um ser que enxerga além da maioria, que é mais consciente que a maioria, cale-se, não pense que você está fazendo o bem dizendo aquilo que os outros não sabem quando no fundo é só uma desculpa para ter algum reconhecimento.

Mesmo que você queira fazer o bem, você não sabe o que é o bem. Não se sabe as consequências de dar esmola ou de esclarecer uma pessoa que não esteja preparada — a não ser que ela te peça ajuda. Não há fazer bem nem fazer mal. Até mesmo o câncer, por exemplo, que a princípio pode parecer um mal terrível, é relativo. Um câncer num homem como Hittler poderia ser considerado um milagre — talvez não para ele, mas sim para os judeus.

Não engane a si: o problema das pessoas que tentam melhorar o mundo criticando os outros à sua volta, a sociedade, o sistema, é que eles não percebem que quem só vê o problema dos outros deixa de ver os seus próprios e acaba caindo na hipocrisia(3). Não acredite nas filosofias de ninguém sem antes desenvolver a sua criatividade e senso crítico — comece praticando agora desacreditando em mim.

(1) Se você não está familiarizado com as palavras consciência ou inconsciência, acha elas subjetivas demais ou simplesmente não gosta; troque consciência ou inconsciência por inteligencia ou ignorância, o resultado é o mesmo.
(2) O “primeiro” são pessoas como Rhonda Byrne enquanto o “segundo”, pessoas como Clóvis de Barros filho.
(3) É interessante notar que o primeiro sinal de inconsciência é a hipocrisia, enquanto o sintoma da consciência é a ironia (“só sei que nada sei” ou, melhor ainda, “nem sei se nada sei”).

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