Medo de anjos

Dizem que tem muito suicídio nas grandes cidades da Suécia

Henrique S.
O fluxo [ ~]
4 min readNov 12, 2015

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Eu não sei realmente o que escrever. Sempre ouço conselhos, “se você não tem o que escrever, não escreva”, e é verdade. Muitas vezes. Não todas.
Existe algo complicado no “escrever” que é que nem sempre se trata de algo racional, que nós planejamos e escrevemos e seguimos adiante até terminar. Tem dias que não queremos escrever usando a mente, mas usando o coração. E não combinando ambos como um bom cidadão faz e deve mesmo fazer, mas determinando um espaço exclusivo da folha para o coração jogar o seu emaranhado de palavras que não fazem muito sentido quando olhadas de fora pra dentro.

Estava pensando em um jovem da Suécia que conheci há muito tempo, mas só voltei a ter amizade recentemente, pra falar a verdade. Estava pensando em frio. É, não está fazendo frio, eu sei, mas pode ser que esteja fazendo na Suécia.

Esses dias, talvez hoje mesmo, não sou bom com datas, alguém me perguntou o que tinha acontecido comigo. Respondi que estava me lembrando dos tempos onde eu entendia bastante a Suécia — e não a Suíça, como costumava confundir, e aí tive que começar a levar para o inglês quando sentia vontade de falar de um deles (Sweden e Switzerland são muito diferentes, mas é, é melhor que não sejamos obrigados a falar Suiçalândia mesmo. Ah, e Suécia é a terra do Soilwork, e Suíça a do Celtic Frost).
Respondi, também, que não estava com o coração flamejante de um jovem que atirava em estrelas com seu Sniper Rifle todas as noites, e sim com o coração do jovem da Suécia, que é como uma caixinha lotada de conteúdo mas que é difícil de ver porque a única iluminação que tem é uma pequena vela no centro. E essa vela, todas as noites, parece ameaçar se apagar. Às vezes é só uma ilusão, nós temos esse cuidado todo com coisas pequenas acreditando que elas vão quebrar, voar ou desaparecer, mas a rigidez de uma substância não é obrigatoriamente atrelada ao seu tamanho material. Mas às vezes sim.
E estamos falando do coração, não é algo que realmente temos vontade de testar se o alarme dele é falso ou não.
É?

Continuando. Todas as noites o jovem da Suécia precisa proteger essa vela que está no centro do coração. Proteger de que? Ele não consegue ver.
Às vezes algo de lá de dentro começa a rugir, gritar, e aí ele precisa se armar corajosamente de um pedaço de pau e bater no bicho que se levanta; costuma ser só um daqueles cães de rua anti-sociais que correm atrás de você quando sai a pé de madrugada.
Às vezes ele só precisa ficar ao redor reacendendo a vela quando está ventando forte, ou mesmo isolá-la de alguma forma. Às vezes ele precisa sair pra pedir outra vela porque essa já está se esgotando.
E pra dormir, como ele faz? Aí ele precisa de um anjo, e é o mais curioso disso tudo, porque o jovem da Suécia tem medo de anjos. Os anjos precisam cobri-lo de noite, atirar flechas em lobos e ursos de verdade, cantar canções, manter a vela acesa mesmo com os ventos cortantes que só a madrugada parece fornecer, e ainda abraçá-lo quando vê que pesadelos estão o fazendo se bater ali — o abraço funciona, o jovem não sabe.
Tudo isso é feito todas as noites, dia após dia, mas o jovem não pode ver. Ele tem medo. Existem sentimentos profundos de angústia ao falar de anjos com ele, eu sei porque já toquei no assunto e nós já choramos juntos; sem eu entender a razão, mas ele entendia. Ele certamente é muito mais forte que eu, e suas vozes melancólicas me impactam muito. Talvez seja difícil entender que ele não está solitário por não gostar dos outros, mas por ter medo dos outros, por ter uma vela bem frágil a proteger e não poder enxergar que as pessoas ao redor podem ajudá-lo, até porque muitas pessoas só conseguem consumir suas energias. E se tem algo que ele não pode desperdiçar é energia.
Eu entendo, mesmo nunca tendo morado na Suécia, porque também já declarei que não haveriam mais anjos, que não haveriam mais estranhos. E posso ainda não ter me acostumado muito bem com estranhos, mas está tudo bem entre eu e os anjos.

Por fim, eu recomendo que você conheça o jovem da Suécia. Ele é bastante gente fina, mas não converse sobre o sentido da vida, da existência, com ele. É um assunto que ele ainda não sabe lidar, por isso o desespero maníaco quando a vela se apaga. Seja gentil. Ele não faz por mal.

Você aprende várias dicas de sobrevivência emocional com o jovem da Suécia, mas é muito triste saber que a vida toda dele é assim. Dia após dia, o melhor que ele pode fazer é se defender das trevas no seu próprio coração. A vida é um único dia. Nada novo, mais do mesmo, cada vez com menos energia e menos esperanças de sair dali. Ninguém pode salvá-lo. Quantas meninas eu conheço que já se apaixonaram por ele e acabaram se tornando obcecadas por tirá-lo dali, só para serem retaliadas com um pedaço de pau, como um cachorro daqueles que contei mais cedo?
Guerrilheiros emocionais são fofos, eu sei disso, mas não se deixem levar. Ele não precisa de você. Ele não quer você. Só lutem lutas que pertencem a vocês, ou acabarão morrendo no “fogo amigo”.

É interessante porque muitas vezes todos nós somos o jovem da Suécia. Mas é temporário. Quem não tem medo de anjos eventualmente acaba conquistando autorização divina para usá-los e incendiar o coração inteiro novamente, iluminar tudo, matar todos os bichos e não ter medo de depender de uma única mísera velinha. Só acontece, é natural.
Mas infelizmente, ao que parece, grande parte das pessoas mantém uma conta na Suécia. Quer dizer. É Suíça, né? Eu sempre confundo.

Agora já foi.

Desculpa.

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