As escolhas que fizeram de Cats… Cats…

Welbe
O Grotto
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9 min readApr 13, 2020

Eu sei que faz um tempo que o filme saiu e que o mundo ta acabando.

Laurie Davidson, Francesca Hayward e Robbie Fairchild como Mr. Mistoffelees, Victoria e Munkustrap

Quem me conhece sabe que eu tenho um amor semi obscuro por musicais, que sim, tende a ser direcionado àqueles que apareceram um pouco mais na era moderna da mídia (Isso não exclui a possibilidade de gostar de musicais mais antigos como Fiddler on the Roof e afins). E qualquer um que conheça minimamente musicais sabe da existência do clássico de Andrew Lloyd Webber “Cats” um incontestável sucesso do teatro ficando em cartaz durante 21 anos em Londres e 18 em Nova York e também sabe que o show é uma bagunça.

No final de 2019 tivemos o lançamento da versão adaptada pros cinemas. Na minha opinião um evento que define o futuro de uma geração.

O fato é que desde que meus olhos encontraram as curvas dos corpos humanos daqueles gatos algo atrás da minha mente me perturba, não estou em paz desde então. A pergunta que me repito desde então é “Porque?”. E a intenção desse texto é chegar numa conclusão básica pra pergunta fundamental e pra isso,talvez, seja necessário um pouco de contexto.

Cats — O musical: gatos com tesão querendo a morte

Composta por Andrew Lloyd Webber, o show é baseado nos poemas do livro “Old Possum’s Book of practical Cats” escrito por T. S. Eliot em 1939, livro do qual Andrew se lembra desde sua infância, as canções do musical adaptam diretamente das paginas com exceção daquela que viria ser a mais famosa e o climax de todo o show “Memory” que foi baseada em outro poema não publicado de Eliot por ser triste demais chamado “Rhapsody on a Windy Night”.
Os ensaios para o musical começaram no início de 1981 em Londres, e devido a ideia de não escrever nenhum roteiro (POIS É MANO) e usar apenas os poemas como texto muitos atores se encontravam perdidos durante todo o período de ensaio, o show é completamente cantado com praticamente nenhum dialogo falado e também apresenta a dança como grande forma de expressão contando inclusive com uma cena de 10 minutos de pura dança. As musicas variam entre gêneros passando pelas influencias do pop, jazz e rock.
O livro que serviu de base ao musical era destinado ao publico infantil, mas nunca tinha sido adaptado a nenhuma outra mídia até Andrew Lloyd Webber conversar pessoalmente com Valerie Eliot, viuvá de T.S Eliot, e propor uma visão mais adulta do conjunto de poemas.
E assim Cats nasceu, sem um roteiro definido ou uma história a se seguir o que olhando em retrospecto faz sentido já que foi baseado em um conjunto de poemas que também não tinha nada que os ligasse que não fosse o fato de todos eles serem sobre gatos.
Cats é, em sua essência, um conjunto de gatos cantando pra ganhar um concurso que da a eles o direito de uma nova vida. CULTO PRA DECIDIR QUEM MORRE

E de alguma forma, sem um roteiro, sem um grande elenco com nomes de peso e com o foco em dança Cats estreou, fez a rapa no Olivier Award (Prêmio de teatro inglês) para alguns meses estrear na Broadway e fazer a rapa nos Tony (Prêmio de teatro americano).
Tudo que parecia surgir como motivo para Cats dar errado de alguma forma ajudou que Cats fizesse sucesso.

Rápida menção a história da musica mais importante do show: Memory

Algo que todos os musicais costumam ter é uma grande balada, o que chamam de 11 o’clock numbe (Numero das 11), um grande solo de um dos protagonistas mostrando todo o potencial vocal do interprete e que, muitas vezes, funciona de climax de todo show. Em Cats, essa é “Memory” a canção que trouxe força ao projeto, composta por Andrew Lloyd Webber e letra de Trevor Nunn, o grande momento do musical e a coroação de Grizabella como a gata dignamente fudida da cabeça só surgiu durante os previews do show tendo diversas versões apresentadas dia a dia para Elaine Paige que originou o papel de Grizabella em West End.

O Cinema vs o Teatro

Em meados do ano de 1989 uma animação baseada no show e dirigida por Spielberg chegou ao estado de pré produção em conjunto com a sua produtora de animações Amblimation.

A produção ao contrário do show seria localizada durante o Blitz , a campanha alemã de bombardeamento estratégicos realizada na Segunda Guerra Mundial, mais especificamente, um uma Londres destruída, triste e feia.

Embora as artes conceituais que chegaram a ser reveladas pareçam incríveis, a produção demorou seis meses antes de desistir por problema de ADIVINHA O QUE? Roteiro.
A equipe não conseguia encontrar uma forma criar uma história onde não existia nenhuma. Decidiram engavetar o projeto e partir para outro filme. Que eventualmente levariam a produtora a fechar o o projeto ser mais uma vez engavetado, dessa fez pra sempre.

Mas Gato tem 7 vidas.

O Show teria uma versão gravada dos palcos gravada e lançada em 1998, fazendo do musical um pouco mais curto e acrescentando alguns elementos pequenos como efeitos especiais de luz e até raios. E assim, com uma versão oficialmente lançada do show, a necessidade de um filme parecia cada vez menor, e de todos os musicais por ai Cats é aquele que faz mais sentido em Não. Tocar. Nunca. Adaptar. Na Vida. Por nadinha…

Em algum momento depois que a produção da animação foi cancelada, Universal Studios comprou os direitos de produção de Cats e la ficou engavetado por muito tempo… Até que a nação de Hugh Jackman atacou e o Rei do Show fez 1 bilhão de dinheiros.

E a partir daqui é tudo suposição. Imagine o cenário:

O Senhor Universal Studios abriu sua gaveta um dia e dela caiu o pra sempre em pré produção live action de Cats e pensou “Olha só, eu também quero ganhar meio milhão, e aproveitar a chance pra ganhar um Oscars é só chamar o ultimo cara que ganhou alguns deles com um musical” Esse sendo Tom Hooper.

Tom Hopper: Culpado por uso indevido de realismo!

Tom Hopper é um diretor de cinema responsável por filmes como: A Garota Dinamarquesa e O Discurso do Rei que embora bons filmes com sucesso de critica não são o alvo desse texto.
Aqui focaremos em Os Miseráveis de 2012 baseado no musical de mesmo nome, e que talvez seja um aviso premeditado do que estaria por vir mais pra frente em 2019.

Quando algo é reproduzido em certa mídia, se espera que esse algo seja adaptado pra mídia em que ele se reproduz no momento, como uma peça trabalhando com as limitações de uma peça ou um filme trabalhando com as liberdades dos filmes trazida pela tecnologia. Cada mídia, assim como gêneros tem seus meios de expressão assim conseguindo se expressar melhor em certas coisas do que outras.
No caso de musicais, o teatro ajuda por incentivar a suspensão de descrença de estar ali, no escuro, com um palco na sua frente, ao vivo, vendo os atores, vendo o cenário. É também por isso que normalmente animações funcionam melhor como musicais do que filmes em live action, porque aquilo não é e não tenta ser real.
É claro que algumas vez diretores conseguem estreitar a distância entre o palco e a tela como em Chicago de 2002, e também existem aqueles que estão ‘cagando e andando’ pra proposta de enquadramento mais realista e usam de ser um musical como forma de… Ser um musical? Como Hairspray, High School Musical, O Rei do Show ou qualquer outro que por ventura o Zac Efron venha à fazer. Então parte do padrão de filmes mais realistas vem de que a academia costuma premiar esses que tendem a ser de fato mais realistas.

Então como transformar isso:

Em algo realista?

Cats (2019) — A Resposta é: Não faz.

Depois do primeiro trailer a grande critica sobre o filme foi sobre o que chamam de “Uncanny valley” que é quando algo se comporta ou parece de forma muito parecida mas não idêntica a um humano, assim causando desconforto, repulsa ou até medo.
A proposta de Hopper era fazer o filme parecer pé no chão, mais real, o que é completamente contra a proposta do material de origem. A peça que ganhava ao tirar as pessoas do mundo real e colocar em um mundo sem mensagens politicas, sem grandes vilões, só uma demonstração de movimentos pélvicos exagerados feitos por Rum Tum Tugger.
A culpa caiu sobre as costas da equipe de efeitos especiais e até garantiu uma piadinha no palco do Oscar.
Hopper, na sua incansável missão em busca do realismo perfeito decidiu que não queria seus atores com algum tipo de distração decidindo assim que filmariam tudo em sets físicos de escala duvidosa, com o minimo de de tela verde possível e o mais importante, o ponto que talvez tenha feito esse filme todo fracassar, sem roupa de captação de movimento. Sendo assim todo o trabalho de pós produção precisaria ser feito a mão, cena por cena, pelo por pelo fazendo não só o filme ficar mais caro, mas também exigindo muito mais trabalho da equipe de efeitos visuais alguns chegando a trabalhar 80 horas diárias só pra ser demitido no final e o estúdio fechar.

Ei, pessoal, eu não assisti todo o Oscars, mas presumo que esses dois foram elegantes e me agradeceram por trabalhar 80 horas por semana até que eu fui demitido e o estúdio fechado, né? (Em tradução livre)

Mas suponhamos que o filme tivesse mais tempo, mais dinheiro e menos alterações feitas nas ultimas horas comandadas por um viciado em realismo. Teria Cats funcionado? Na minha opinião, não. O realismo saiu pela culatra e enfiou o filme no cu, não importava o tempo que o time de efeitos especiais tivessem as decisões foram enraizadas com a proposta de fazer disso algo real, de forma que até faz com que o filme tente mais do que o material base criar a ideia de um gato de forma muito mais literal e absurda como gato nenhum no mundo chega a agir, se na peça a coreografia é a representação da ideia de um gato, o filme decide por ser a criação do demônio.

O problema de falta de um roteiro propriamente dito dentro do material base no filme de 2019 é contornado transformando Victoria no peixe fora da água, na peça original os gatos quebram a quarta parede e explicam pra você, a plateia, o que eles querem dizer. No filme Victoria faz esse papel por você, o que faz sentido é um filme, é um ponto positivo pra adaptação. +1 *plim*

Outro acerto é a ligeira modernização dos números musicais que transformaram Cats em algo muito menos apático (Com destaque pra Skimbleshanks the Railway Cat o melhor numero do filme eu confio à esse gato de mentira a minha vida.)

Cats (2019) no final é o contrario de tudo que Cats (1981) é.
Não é simples como o original, não é fantástico como o original, não consegue ser nem ridículo como o original. Acerta no que não precisava e erra do momento que foi concebido por culpa unica e exclusivamente do seu diretor e pau no cu de quem culpa a equipe de efeitos especiais.
Mas mesmo assim, eu não consigo não achar que todo mundo deveria ver esse filme pelo menos um vez, não deixo de pensar que é mais divertido que o musical original. Vai ser o novo Cult estranho das sessões da 00:00 por cinemas pequenos pelo mundo assim como Rocky Horror foi. E pelo menos a gente ganhou a performance da Jennifer Hudson de Memory que é sem duvida muito melhor que o resto do filme.

Adendo: Beautiful Ghosts, composição original feita em conjunto por Taylor Swift e Andrew Lloyd Webber é melhor que Into The Unknown em Frozen 2 e só não recebeu as dignas indicações às premiações porque o resto do filme é uma bagunça

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Welbe
O Grotto

Ninguém mais me aguentava falando das coisas que eu costumo falar, até que me mostraram o Medium pra eu falar sozinho.