Em trânsito, um viajante

Com vocês, o repórter especial do Guaxinim, Fabian da Costa

O Guaxinim
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7 min readMay 10, 2017

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Por Bruna Toledo

Nas mais diversas facetas e fora dos padrões normais conhecidos pela sociedade, exercendo um nomadismo contemporâneo e intercambismo cultural, Fabian da Costa Procedi, representa a efervescência e irreverência da década em que nasceu. A energia do ano do seu nascimento, 1969, em que acontecia o Woodstock Music & Art Fair, (aquele festival de três dias de paz e música na pequena Bethel em Nova York), certamente deve ter exercido de algum modo uma influência cósmica na sua personalidade e modo de perceber e viver a vida.

De alma aventureira, Fabian já foi motoqueiro, mergulhador, praticou karatê e, além disso, domina a culinária. Amante das artes visuais, seu ponto forte é a fotografia. Consumidor voraz de cultura, possui uma considerável coleção de LP’s. A música sempre esteve presente na sua vida, foi sócio proprietário do Banana Groove Disco Bar na Praia do Pina, Boa Viagem em Recife, agitando a cena musical da época ao ritmo do Acid Jazz. Um cara rock ‘n ‘roll à beça, curte Led Zeppelin, Bruce Springsteen e se emociona ao ouvir AC/DC, sua banda favorita.

Para ler ouvindo. Ou vice-versa.

Mesas de bilhar são a sua especialidade, tanto no comércio delas como no jogo. Sempre acompanhado de seus 4 ou 5 gatos e uma cachorra, aos 48 anos de idade, é uma “persona” que inspira liberdade e criatividade.

“Um pé na sanidade e outro na loucura” é uma das frases proferidas por ele que melhor o definem. Solteiro, nunca gostou da terminologia “minha”. Prefere uma companheira de jornada. A ideia de posse não combina com seus ideais.

Fabian não conversa simplesmente, palestra sobre tudo o que conheceu, viveu, e tudo o que ainda pretende realizar. Na sua jornada de conhecer o mundo, sem destino, conforme a inspiração vier e seguido da intuição, já esteve em mais de 50 países, reinos, territórios, principados, assim como ele define.

“Tantos povos que não estão na definição da ONU como países. É uma forma de prestar uma homenagem à essas culturas que precisam ser valorizadas”.

Direto da máquina de escrever para o tablet, usando suas estilosas botas amarelas, camisa de flanela, cabelos longos, olhos curiosos, com voz altiva carrega nos “erres”, uma herança da sua origem italiana. Sempre “de boa”, passando mensagens positivas, é assim que essa figura empreendedora e mitológica da comunicação, se apresentou no curso de jornalismo, na Faculdade América Latina, em 2013.

Na sua casa onde recentemente o entrevistei, há muitos e muitos livros, de todos os assuntos, a maioria de culinária, uma de suas paixões aliada às viagens. Em cada viagem ele procura conhecer e se entregar a culinária local — “Leitura é um investimento! ”, diz. A essa habilidade de registrar histórias e vivências, a faculdade de jornalismo vem acrescentar técnica e dar consistência ao que Fabian já realiza há muito tempo em suas viagens. São registros fotográficos, vídeos e pelo menos uma dúzia de moleskines que contém detalhes dos lugares onde passou. Anotações, cartões de táxi, rótulos e relatos das suas vivências, cada mercado noturno, bazar, contato direto com moradores locais, comerciantes, e a sazonalidade das coisas exóticas de cada local, compõem a trajetória do viajante.

Registros que iniciaram na Itália

O hábito de registar as suas viagens começou ainda na Itália, em 1992, onde morou cerca de 6 anos e trabalhou no Ristorante Anticco Gironne, cujo o proprietário Giovanni Morgantti, em uma ocasião lhe disse: “Fabian tu tem que ter uno taccuino em tasca para escrever, em caso per non te esquecer o que eu te digo!” . E lá foi ele no seu primeiro dia de folga em uma livraria em busca do taccuino, sem saber direito do que se tratava. Num canto da livraria estavam os taccuinos, que eram nada mais que um bloco de notas, uma pequena caderneta chamada de Moleskini. Dentro dele um folheto que contava a história daquele pequeno caderno de anotações. Um objeto anônimo e perfeito em sua essência, produzido a mais de um século por uma pequena encadernadora francesa, que abastecia as prateleiras de Paris, e eram adquiridos por personagens da vanguarda artística e literária internacional, como Vincent Van Gogh, Pablo Picasso, Ernest Hemingway e Bruce Chatwin, quem o chamou de Moleskini.

Aquelas palavras inspiraram Fabian de tal maneira que hoje com certeza o seu conjunto de Moleskines dariam uma bela coleção de livros, tantas são as recordações, experiências vividas intensamente ali escritas, que não caberiam em poucas páginas.

Muitos destinos não foram registrados antes disso. Entre eles a primeira viagem que fez, aos 11 anos, a pé pela rodovia pedindo carona desde o Colégio interno Bom Pastor, na Linha Brasil, local em que estudava, até o município de Nova Petrópolis. A volta o jovem destemido fez pelo meio do mato. Ainda adolescente pegava um ônibus bem cedinho em Caxias e ia até Porto Alegre passar o dia, ver tudo o que de diferente acontecia por lá, a música na rua, as galerias a agitação da metrópole.

Um conselho de Fabian para exploradores: “Para conhecer e entender uma cultura deve-se ir ao mercado público local para ver de perto os costumes, a moeda, o modo de manusear e embrulhar cada mercadoria e, claro, as pessoas.”

Um grande amigo uma vez lhe disse, “conheça uma pessoa e não conheça dez países”. Ele acredita muito nisso, para ele conhecer uma pessoa pode ser mais interessante e pode-se aprender mais do que em uma viagem.

As cidades que possuem mercado noturno, principalmente nos países asiáticos, onde é muito calor durante o dia, o funcionamento do comércio torna-se mais viável à noite. Estas são para ele as mais instigantes: “No mercado do Cairo, capital do Egito, eu vi a vida a acontecer na rua, tudo acontecendo ali mesmo. O açougueiro abatendo um animal num cepo, o dentista fazendo um tratamento de canal equipado com uma cadeira e uma bacia, o artesão trabalhando com metal, alguém vendendo pão, tempero e o aspecto antropológico das cidades com trânsito caótico”, conta sobre sua experiência na cidade mais populosa do Egito.

Sair da experiência gélida na qual vivemos, em uma sociedade em decadência, controlada exacerbadamente, onde tudo é industrializado e plástico, para valorizar o trabalho humano, é um envolvimento emocional. Há sociedades que se projetam muito diferentes daquilo que se pode ver no Google ou é vendido nas agências de viagens. Somente percorrendo novos caminhos e ambientando-se para entender que “ o ser humano é fantástico pela sua capacidade de engenhosidade, em improvisar e resolver seus problemas, criar a ferramenta”.

De cada destino uma lembrança

Ilustração: Alana Gazola

De todas essas viagens trouxe muitos objetos, souvenires estão em todo canto da casa na cidade ou em sua chácara na Linha 40 em Caxias do Sul, uma espécie de recanto espiritual, onde planeja novos projetos em um espaço geográfico para artes, fotografia, alimentação orgânica e muito mais. Cada objeto está carregado de simbologia, como um elixir que trouxe do Camboja, um frasco em que uma serpente Naja, com um escorpião na boca, está mergulhada em um liquido afrodisíaco.

O destino que mudou sua vida foi Pequim, capital chinesa. Um sonho de Fabian: conhecer o LiQun Roast Duck Restaurant. Certo dia em um pequeno hotel em Bogotá, daqueles bem chinelão mesmo, em frente a uma televisão de 14 polegadas, assistindo a um documentário, onde o famoso chef de cozinha e escritor, Antony Bourdain, apresentava um lugar magnífico, um restaurante onde tudo era vivo, patos pendurados na parede, assados de forma rudimentar conforme toda a cultura local, que serviam esse prato: Pato Laqueado de Pequim. “Olhei aquilo e me veio uma tristeza profunda”.

Aquele sentimento lhe abateu, pois, estar naquele momento, naquele lugar, lhe parecia impossível conhecer aquele lugar incrível. Mas como pudemos ver até agora, nada pode parar um coração e uma mente sonhadora. Dois anos depois surgiu a oportunidade de ir para a China. Logo quando chegou no hotel já pediu sobre o restaurante, enlouquecido com a chance de poder estar naquele local mágico. Conseguiu encontrar um taxista que o levasse, não foi fácil, mas chegou lá. Com sua câmera em mãos registrou tudo pelo caminho, e já na entrada do restaurante desenhos de patos chamaram a atenção do viajante e acabou eternizando em sua pele uma daquelas figuras. A tatuagem é uma homenagem a esse momento incrível da sua vida. “Aquilo foi o antigo e o novo testamento, uma colisão, ali começou tudo”.

“A vida é muito breve, temos de colher oportunidades, transformarmos em usinas de produção emocional e de inspiração”. O seu papel como viajante tem como objetivo mostrar as pessoas que as coisas podem ser feitas de outras formas, e inspirá-las. “Esse mundo é de quem faz e não de quem espera!”

Continua…

Ilustração Alana Gazola

A explicação da ilustração do Guaxinim de toalha você vê em um dos próximos capítulos da série de Fabian da Costa por aqui :)
Aliás, se perdeu a primeira parte,
acesse aqui e descubra os sabores da sopa Tom Yum, diretamente da Tailândia!

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Contador de histórias e admirador do jornalismo