American Gods e o Inconsciente.

Com uma produção repleta de problemas, a série tenta se reorganizar enquanto seus personagens mergulham numa jornada atrás dos seus Eus verdadeiros.

Marcel Silva Gervásio
The Halo
6 min readMar 29, 2021

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Uma adaptação da obra homônima do escritor britânico Neil Gaiman, American Gods pode ser desafiadora para os olhos mais desatentos. A primeira temporada estreou em 2017 no Prime Video por aqui, trazendo o tema da imigração no centro da trama pintando um retrato sobre a verdadeira cara do norte americano, o imigrante.

Se você nunca assistiu a série nem leu o livro, a trama da história é bem simples. Shadow Moon(Ricky Whittle) é um ex-presidiário recém viúvo que é contratado por Wednesday(Ian McShane) para ser seu guarda costas enquanto cruzam o país atrás de aliados para uma guerra que está por vir. Shadow aos poucos descobre que deuses e a magia são reais e que ele pode estar conectado a tudo isso de uma forma inesperada.

Mesmo sendo bem avaliada entre a crítica a série não agradou muito o público, muita gente achou a série difícil de acompanhar e eu estou incluso. Entregando ótimos prólogos sobre as histórias das divindades e sendo visualmente muito bonita, a série parecia muito confusa para mim e eu demorei um tempo para entender que a série se sustenta pelos assuntos mais subjetivos que circundam os personagens e não pela road trip que amarra a espinha dorsal da série, mas que à primeira vista torna as temporadas repetitivas.

Além disso a série tem vários problemas de produção, logo na primeira temporada as representações de Jesus causaram muita reclamação de uma parcela dos cristãos bem conhecida por achar heresias em todo canto.

Logo em seguida os showrunners originais Bryan Fuller e Michael Green deixaram o show por conta “discordâncias criativas” levando com eles a atriz Kristin Chenoweth que interpretava Easter, uma personagem central para as próximas temporadas. E os problemas não pararam por aí, no momento a série está no seu quarto showrunner, outros atores deixaram a produção, alguns até com acusações bem graves.

Só que de alguma maneira a série consegue se sustentar e com um pouco de paciente consegue cativar o público. Se você é meu amigo e está lendo isso deve estar ciente da minha fama de ser um grande chato do caralho que não gosta de nada. Isso não é totalmente verdade — e quem discorda está mentindo — e para mim American Gods é uma daquelas séries que você não consegue parar de assistir, mesmo que às vezes ela pareça um beco sem saída.

O Grande Momento Que Nunca Chega.

American Gods sofre daquilo que eu chamo de “O Grande Momento Que Nunca Chega” e isso não é exatamente um problema para mim, várias das minhas séries favoritas seguem esse tipo de construção de roteiro, tipo GOT com a Longa Noite. Mas o que me cansa nessa grande road trip é que a trama central gira nisso e a série parece sempre empacada no mesmo lugar e não interessa se os personagens estão sendo bem desenvolvidos porque a primeira impressão é sempre que ela não está saindo do lugar.

Tomando Game Of Thrones como exemplo novamente, toda a trama que envolvia os White Walkers foi crescendo durante as temporadas e aos poucos se tornando assunto central, já aqui não. A iminente guerra é o centro de tudo e como ela nunca chega ela perde o peso para mim.

Talvez seja por conta dos problemas de produção que acabaram se convertendo na saída de vários atores isso tenha se refletido na segunda temporada de forma mais negativa, porém não é o que acontece na terceira.

Shadow resolve se afastar do pai e continua seus questionamentos sobre o seu verdadeiro Eu. Toda a trama em Lakeside serve para ele se abrir para a possibilidade de ser um ser divino, mas é bem fraco.

Dá pra ver que durante toda a temporada se constrói que Shadow está querendo abraçar o lado divino dele, mas que esse lado divino não é nórdico. Eu gosto da discussão sobre construção de identidades negras que a série começa a tratar, e estou ansioso para descobrir o desfecho disso na próxima temporada.

A terceira temporada se concentra mais em discutir as identidades dos personagens, o motivo deles serem quem são ou quem eles podem ser. Laura Moon (Emily Browning) por exemplo, mesmo sendo uma das personagens que eu mesmo gosto, acaba sendo a personagem melhor desenvolvida de toda a série.

Acostumada a se enxergar como uma versão piorada do pai e causadora dos problemas da família, Laura é mandada para o purgatório depois de morrer (MAIS UMA VEZ) onde é obrigada a reviver um momento da infância que ela achava ser a responsável, mas descobre que na verdade ela nunca teve culpa pelas atitudes do pai. Isso faz a personagem reavaliar toda sua vida e a forma como ela se relacionava com homens e o sexo, uma coisa bem freudiana. Para mim esse foi o momento perfeito para ela se despedir da série, mas eles tinham que ressuscitá-la. (Por que deus? Por quê?)

Salim (Omid Abtahi) finalmente desencanou do Jinn (Mousa Kraish) nessa temporada, eu até entendo que ele estava sob o efeito do amor de pica e que o gênio é um gostoso, mas coisa dele ser um cachorrinho que ia de lado para o outro atrás de cara já estava me incomodando um pouco. E o episódio sétimo episódio foi o desfecho perfeito para o personagem, ele finalmente se liberta sobre as dúvidas internas dele relacionadas a sexualidade e a crise religiosa que ele estava desde que tinha descoberto a existência de outras divindades e pode finalmente seguir em frente, acho que é um personagem que não veremos mais na temporada.

Já Bilquis (Yetide Badaki) e o Technical Boy(Bruce Langley) precisam encarar suas verdadeiras personas e essa é minha parte favorita nessa temporada. O Technical Boy se revelar o Deus da inovação faz muito sentido para mim e eu não sei você, mas fiquei com uma pulguinha atrás da orelha com o Mrs. World depois disso e depois que ele disse ser o deus das trapaças estou começando a desconfiar que ele na verdade seja o Loki.

A forma como a Bilquis era retratada na série sempre me incomodou, ela era a única personagem feminina a ser sexualiza e tudo isso com a chancela de ser a Deusa do Sexo com uma vagina devoradora de pessoas. E nessa temporada ela tem uma virada que eu gostei bastante.

Com a ajuda de Iemanjá, Oxum e Aiye, a personagem começa uma jornada atrás da própria identidade descobrindo que ela sempre foi uma divindade diferente daquela que atribuíram a ela. De um lado eu queria que ela tivesse mais tempo em tela, mas fico feliz com esse novo momento da personagem.

Espero que ela seja mais que uma muleta de roteiro para o desenvolvimento do Shadow e que ela tenha mais peso daqui para frente.

Wednesday e Mrs. World

Antes de terminar só queria pontuar que gostei muito da presença da Dominique Jackson na série, queria muito que ela fosse a nova cara do Mrs World, mas acho que não vai passar de uma participação pontual.

Toda a trama do Wednesday com a Deméter foi episódio filler para mim, não avançou a história. Por um momento achei que estavam tentando reviver uma trama parecida com o que deveria ter acontecido com a Easter, mas nem para isso serviu e falando nisso, a maquiagem do ator estava muito estranha na cena que ele causa a confusão para entrar na casa de repouso.

Apesar disso American Gods parece que conseguiu colocar a trama em ordem nessa temporada, com um final surpreendente, parece que a tão alardeada guerra finalmente vai começar e Shadow pode acabar escolhendo ficar contra o pai. Mesmo com alguns problemas, a série ainda é uma das mais bonitas no ar atualmente.

Nota da temporada: 07/10.

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Marcel Silva Gervásio
The Halo

A Brazilian guy trying to be a good writer (Escritor em formação).