Bela Vingança e o machismo estrutural.

Marcel Silva Gervásio
The Halo
Published in
4 min readApr 12, 2021

Meio cômico, com um pouco de drama e muito incômodo, Bela Vingança (Promising Young Woman) tem causado uma série de reações desde sua estreia no fim do ano de 2020. O que poderia ser apenas mais um filme catártico de vingança feminina contra opressões masculinas acaba subvertendo o gênero ao se apoiar nas expectativas do público para transmitir uma mensagem dolorosa.

Com Emerald Fennell por trás do roteiro e direção, o filme ainda não foi disponibilizado oficialmente no Brasil tornando seu acesso por vias legais meio complicado, com as suas indicações ao Oscar é possível que a Universal acelere os planos de distribuição por aqui.

Cassie é uma mulher de trinta anos que vive uma vida de aparências. Ela ainda vive com os pais e trabalha num Café após largar a faculdade de medicina por conta de um evento traumático. Mas durante a noite ela vai aos bares fingindo estar bêbada para caçar potenciais assediadores.

A primeira coisa que eu gostaria de destacar é a trilha sonora desse filme, com Charli XCX, Paris Hilton e a versão instrumental icônica de Toxic, as músicas são um fator forte da personalidade do filme, pontuando muito bem os momentos de tensão, drama e até mesmo de romance da história.

Destaque especial para Star are Blind na voz da Socialite mais famosa do mundo, a música coroa o momento onde a personagem tenta se abrir novamente para relacionamentos e tem um potencial chiclete imenso, essa música não sai mais da minha cabeça.

Somado a boa trilha, Bela Vingança tem uma direção marcante e uma fotografia impecável. Por ter uma diretora na comando existe até uma certa ironia na forma de conduzir as cenas, em momentos que na mão de uma direção masculina seriam dedicados a sexualizar a personagem com foco na bunda da personagem e tudo mais, Emerald usa para mostrar a persona que Cassie assume durante o dia.

Emerald trabalha muito bem durante todo o filme com a nossa expectativa, ela sabe muito bem o tipo de filme que o espectador quer que Bela Vingança seja e joga com isso desde de os momentos iniciais, cortando uma cena no meio para que a gente preencha ela com nossa imaginação e subverte isso mostrando a personagem caminhando pela rua com manchas vermelhas na roupa e o que parecia ser sangue se revela apenas como recheio de um donut.

Até mesmo interrompendo a vingança da personagem e inserindo um romance no meio da trama, dando a Cassie a chance de seguir com a vida e esquecer o passado. Mas o trauma é maior e a personagem é sugada novamente pela dor do passado.

O terceiro ato é um ponto polêmico entre a crítica, muita gente não ficou satisfeita com a forma que a trama é resolvida. Na primeira vez que eu assisti ao filme fiquei bem insatisfeito com o final e só fui entender o que a diretora queria mostrar com ele depois de assistir uma segunda vez para escrever esse texto.

Como eu já disse Emerald brinca com as nossas expectativas e quando Cassie abraça de vez sua vingança e vai atrás do homem responsável pela violência sexual sofrida por sua amiga, o filme parece prometer a tão esperada catarse que filmes como Vingança ou Kill Bill nos prometem.

Ao contrário desses filmes, Emerald escolhe lembrar que nossa sociedade não é justa e até mesmo momentos de justiça poética para mulheres podem custar caro. Durante todo filme vemos Cassie sofrendo micro agressões, cercada de homens que fingem ser caras legais e no último ato ela parece pronta para se vingar de todos eles e ela se vinga, mas isso custa a vida dela.

Confesso que quando Al Moroe a sufocou com um travesseiro eu fiquei puto e comecei a criar várias teorias de que na verdade ela estava viva, uma coisa à la Michael Myers e quando isso não acontece o filme meio que perdeu o sentido para mim naquele momento.

Demorou um pouco para perceber que Bela Vingança não era apenas mais um filme sobre esse tipo de vingança, onde a personagem feminina corta as bolas do antagonista e termina andando pela estrada sem rumo. A obra de Emerald é incômoda por isso. Por duas horas ela nos lembra que as coisas para as mulheres não são muito diferentes do que eram há alguns anos.

Com a atuação marcante de Carey Mulligan, Bela vingança é um filme que captura o espectador na esperança de assistir mais um thriller de vingança, mas que aos poucos se transforma numa lembrança de como o machismo estrutural é capaz de destruir a vida de uma mulher.

Nota: 4/5.

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Marcel Silva Gervásio
The Halo

A Brazilian guy trying to be a good writer (Escritor em formação).