Eu (não) quero que você me conheça.

Vale a pena querer ser ouvido em meio a tanto ruído?

Marcel Silva Gervásio
The Halo
7 min readApr 25, 2022

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A vida on-line e a vida off-line são uma coisa só. Não importa se você floreia os fatos, se você maquia aquela foto para deixar o seu abdômen mais trincado, o que acontece on-line influencia o que acontece off-line e vice-versa.

Nos últimos anos, ter uma presença mais forte on-line se tornou crucial para mim. É por aqui que eu consigo trabalho e a possibilidade de construir a carreira que eu sempre quis ter. É pelo Twitter e Instagram que eu conheço pessoas interessantes e uma delas eventualmente me convida para dividir apartamento e uma semana depois diz que se sente dormindo com um psicopata e precisa terminar tudo.

Todas essas coisas que tornam a internet num espaço legal estão diluídas num caldo cheio de lixo e muito ruído. É nesse caldo que a maioria de nós se encontra muitas vezes falando para as paredes.

Como não poderia ser diferente, esse caldo é muito viciante. Eu sei disso, você sabe disso e para poupar nosso tempo, não vou escrever cinco parágrafos explicando os porquês. Todo mundo assistiu Dilemas das redes e cinco minutos depois fez um tweet e uma série de stories comentando sobre como estamos na merda e como a realidade é horrível.

Por algum motivo continuamos aqui, brincando com a alavanca que nos fornece pequenas doses de cocaína, fingindo que é impossível fugir desse cenário.

Tudo se intensifica quando você é um artista independente ou um creator iniciante. As redes sociais são um campo de batalha para nós, destroem qualquer impulso criativo e genuíno que nós temos. Nos obriga a trabalhar numa lógica sem sentido que só cria lixo virtual e nos deixa ainda mais distraídos para os assuntos que realmente importam (mudanças climáticas e nossa extinção iminente), mas você insiste. Você precisa insistir.

Eu não sei você, mas o que me motiva é tentar esfregar meu sucesso na cara do meu pai que me lembra a cada dois dias que é impossível construir uma carreira na internet e que eu deveria procurar um trabalho de gente normal e assim finalmente resgatar minha finada independência financeira. No fundo eu tenho medo de que ele esteja certo, minha (não) presença nas redes é uma coisa no mínimo conflitante.

A pessoa física Marcel, tem problemas com exposição e está no meio do processo de se compreender como uma pessoa não binária e exibir meu rosto por aí me gera alguns desconfortos, já que ele não necessariamente reflete como eu me enxergo de verdade.

Já Marcel LTDA precisa lidar com esses medos e incertezas para construir uma persona pública mais forte. Não é atoa que vivo em conflito sobre produzir qualquer trabalho por essas terras.

Se você é um dos três guerreiros que acompanha minhas tentativas esdrúxulas de criar projetos que durem mais de três meses, já percebeu que consistência não é o meu forte.

E sendo um produto do meu tempo, eu coloco toda a culpa do meu signo. Sou sagitariano e eu tenho um grande pavor de permanecer na mesma coisa pra sempre. Esse medo pode ter sido um dos estopins das várias crises que eu tive desde o inicio da pandemia, que curiosamente calhou de acontecer pouco tempo depois da minha decisão de sair de um trabalho que eu odiava.

Eu sei que podem parecer desculpas esfarrapas de uma pessoa que tem síndrome do impostor e de fato são. Escrever isso aqui não está sendo fácil para mim e é bem provável e você e meus outros dois amigos que leriam esse texto jamais saibam de sua existência.

Mas elas partem de uma preocupação real, que eu espero conseguir compartilhar com vocês ao longo desse texto.

Sim, eu sei, o TikTok comeu seu cérebro e você só consegue prestar atenção nas coisas por dois minutos, uma lástima. Toma uma água e vem comigo.

Tudólogo?

Por uma série de acontecimentos que me trouxeram até aqui, eu tenho vinte cinco anos e ainda não tenho um diploma para chamar de meu. O que aos meus quinze anos era uma das únicas certezas da minha vida aos poucos se tornou uma bengala que me salvaria dos meus problemas com meus pais para logo em seguida se transformar numa porta que me apresentou uma velha amiga: a depressão.

Esse pequeno contratempo na minha caminhada não me transforma numa pessoa sem repertório (isso é o que minha amiga Brenda diz frequentemente tentando me convencer) e também não indica que eu perdido a janela para entrar na vida acadêmica. Na verdade, isso me coloca numa imensa e barulhenta categoria de pessoas que não são especialistas em nada, mas que sim tem muita opinião para dar.

Eu me interesso por muitos temas (temas demais, eu acho) como música, política, cinema, religião, línguas, literatura, ̶a̶ ̶e̶m̶e̶r̶g̶ê̶n̶c̶i̶a̶ ̶d̶o̶ ̶a̶p̶o̶c̶a̶l̶i̶p̶s̶e̶ ̶c̶l̶i̶m̶á̶t̶i̶c̶o̶ e o mais importante que é descobrir se a Inês Brasil é um personagem ou não.

O hábito da escrita me acompanha desde que eu me entendo por gente e uma parte minha insiste que eu deveria compartilhar meus pensamentos com outras pessoas, e por isso vez ou outra eu me atrevo a divulgar algo que eu crio.

Mas ao contrário do pessoal que gosta de falar sobre assuntos históricos sem creditar fontes, eu sempre acabo me perguntando se faz sentido entrar no coro de alguma discussão, quando sei que muito provavelmente só estarei pregando para convertidos.

Eu tenho a impressão de que tudo relevante já está sendo discutido e na maioria das vezes de forma errada. Então, por que caralhos eu deveria dar mais munição para esse ruído todo?

Pessoas que se apropriam de temas, pautas e tudo mais como se fossem especialistas existem aos montes por aí. Nós negros e LGBTs vemos isso acontecendo a todo momento.

Eu te faço um Pix de cem reais se você abrir seu Twitter agora e não encontrar gente falando que a palavra criado-mudo é racista ou alguém usando com um caso xis para reduzir a pauta da não-monogamia à relacionamento aberto e ao lanchinho de casal.

Ciente ou não dessas iscas, nós somos capturados e gastamos muito tempo e energia com coisas que não vão mudar em nada a nossa realidade concreta. E muitas vezes isso é alimentado por um influencer que vive de criar esse tipo de ruído ou ele não tem relevância e não consegue encher o cu de dinheiro.

Começamos o ano assistindo de camarote a internet transformar uma guerra em entretenimento onde você era obrigado a tomar lados e ter opiniões antes mesmo de entender o que estava acontecendo.

Na tentativa de não tornar essa pessoa, eu tento ser mais responsável e procuro estudar os assuntos que eu pretendo trabalhar num podcast ou num texto.

Mas uma parte de mim não têm autoestima suficiente para encontrar diferenças entre o que eu gostaria de criar entre o que eles produzem. E o que deveria ser a base para sustentar meus projetos, muitas vezes se transforma numa maneira de procrastinar e arquivar ideias.

Existe uma saída?

Eu não teria conhecido nem metade das coisas que amo se não fosse pela internet, boa parte da minha formação como ser humano se iniciou em debates no Twitter e Whatsapp.

É horrível estar aqui, e é maravilhoso estar aqui.

As redes sociais ainda são uma ótima vitrine para nossas ideias. Não dá para negar que o um público aparece eventualmente se você tiver saco e empenho para entender os algoritmos sem sentido, além de uma grande dose de fé naquilo que você faz. E eu não tenho nada disso.

A gente vive numa das fases mais infernais do capitalismo e infelizmente não é uma escolha pessoal fazer parte disso. Na famosa economia dos dados/ da atenção, eu estou aqui disputando seus dez minutos de atenção com todo tipo de coisa.

Minha maior frustração é que criar um texto/podcast/livro nunca é o bastante. A gente desaprendeu a ler coisas que não são prints de stories ou threads no Twitter e você alecrim dourado nunca vai entrar em contato comigo se eu não me tornar um megazord da produção de conteúdo.

Um dos meus grandes medos é me dedicar a construir algo em que eu acredite, mas que só vai ser encarado como mais um produto de mídia a ser consumido. As redes nos obrigam a trabalhar nessa modelo de produção, onde tudo é simplificado e nada parece sair da superficialidade.

Como alguém que também “consome” conteúdo por aí, sei que temos um dedo de culpa nisso, ainda que seja uma parcela bem pequena. Nossa espécie odeia gastar energia, foi assim que a gente sobreviveu até e prestar atenção em algo de verdade custa caro e custa dinheiro.

É muito mais cômodo transformar toda informação em trivias que a gente consome para jogar numa conversa e mostrar o quão inteligentes e antenados nós somos.

É meio que problema no nosso código. Nossa espécie gosta de respostas simples para questões complexas.Tudo aqui é muito barulhento e criado para minar nossa atenção ao máximo e por isso o que é mais simples e mais barulhento se destaca.

Como fugir de tudo isso? Eu não sei, mas também acho que essa postura que tomei em simplesmente evitar participar dessa “festa” não está gerando muitos frutos.

Minhas ideias continuam existindo, as conversas continuam sendo pautadas e tem muita gente interessada em ditar nosso caminho com a ideia de um futuro inevitável.

Pode ser que nada que eu diga ajude a evitar o colapso da nossa sociedade, até porque esse sentimento parte de um lugar narcisista que todo mundo que trabalha com arte tem. Mas no mínimo eu terei tentado e a voz que grita dentro de mim todo dia dizendo que eu estou perdendo tempo evitando me expor é alimentada.

No fim tudo é uma briga para determinar qual narrativa é válida, e eu acho que está na hora de começar a lutar pela minha. Espero contar com você na construção desse debate.

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Marcel Silva Gervásio
The Halo

A Brazilian guy trying to be a good writer (Escritor em formação).